Cena do curta-metragem Princesa do Meu Lugar, de Pablo Monteiro (Foto: Divulgação).
Hoje (19) é o primeiro dia da 3ª edição da Mostra Novo Cinema Maranhense, uma produção da Jirau Filmes e da IPECINE, e contemplado pelo edital emergencial da Lei Aldir Blanc. O evento ocorre totalmente on-line e gratuito no site novocinemamaranhense.com.br.
A pessoa que vos fala foi convidada para ser uma das críticas do evento e realizei, ao longo dessa imersão prévia, críticas de todos os selecionados da mostra – contabilizando 20 produções, entre curtas, longas e videoclipes. As críticas já estão disponíveis no site da mostra e ao longo dos dias do evento (que vai até dia 22), eu colocarei as críticas aqui no site do SoT.
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A ideia é fomentar o audiovisual maranhense e hoje começaremos pelos curtas-metragens, cujas críticas vocês conferem abaixo:
Colidiremos (Dir. George Pedrosa)
Crítica: Colidiremos é um curta dirigido e roteirizado por George Pedrosa. A trama gira em torno de homens que se relacionam com a carne humana, aqui presentificada nos corpos de outros homens. Na ausência de diálogo, o corpo fala – e pede, quase sempre, pela carne do outro. Quando a boca fala, curiosamente, são as palavras finais dos personagens.
O filme passeia por cenas gráficas e alegóricas desses corpos entrelaçados e despedaçados, enquanto nos cria essa atmosfera etérea que confunde o espectador sobre qual momento, vida ou era a história se passa. Destaco aqui o trabalho impecável do trio de atores que, em pouco tempo de tela, imprimiram a verdade dos personagens – ainda que indigesta.
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Enquanto a narrativa parece meio turva na primeira metade da história, na segunda o enredo corre e se choca com o próprio espectador. Na despedida-final, os corpos se colidem – essa explosão é fruto da direção sóbria e certeira do George, acompanhado de uma bela direção de fotografia.
Quanto Pesa (Dir. Breno Nina)
Crítica: O filme Quanto pesa, com direção e roteiro de Breno Nina, tem diversas camadas. A primeira camada é a de uma história de desilusão amorosa, com uma protagonista silenciosa que se vale dos artifícios ao seu redor para conseguir o que quer – neste caso, o homem com quem vagueia na dança do reggae. A segunda camada, essa muito mais profunda, transborda na metáfora das espécies marinhas para nos apresentar a insatisfação de uma mulher com o estado natural das coisas.
Talvez seja a sonoplastia que nos transporta para o mar enquanto vemos as cenas de um homem “tratando” um peixe morto; ou talvez seja a fotografia nos imergindo num mar de insalubridade dentro de um ambiente de trabalho… Mas o que se vê é uma São Luís real, nua e crua – sem delírios, devaneios e, até mesmo, diálogos.
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Sustentando o filme brilhantemente com o seu olhar e a sua expressão corporal, Tieta Macau e Raimunda Frazão atravessam uma história tão comum quanto a da sua vizinha ou da sua amiga que, ao descobrir que as coisas podem mudar, jamais se contentará com a hegemonia.
Rasga Mortalha (Dir. Thiago Martins)
Crítica: O curta Rasga mortalha é uma animação realizada em stop-motion de Thiago Martins, que dirigiu, roteirizou e editou o trabalho. A história se centra na lenda da coruja Suindara, onde a rasga mortalha seria esse vulto branco seguido por um grito selvagem, anunciando o signo da morte.
A animação se constrói a partir de belíssimos traços, criando uma atmosfera quase etérea em cima de uma densa narrativa. Usando a metáfora da rasga mortalha, o enredo vai nos colocando diante de uma série de infortúnios, mazelas e crimes que o homem comete a si mesmo e aos outros – incluindo aqui os animais.
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Essa fatalidade que é a própria construção histórica brasileira se expressa de forma visual e estética na decisão de usar pinceladas fortes no filme. A trilha sonora completa o curta intensificando os momentos evidenciados em cena.
A única animação da mostra é um prenúncio de que esse é um terreno novo para o audiovisual maranhense, mas que já chega com personalidade, além de qualidade técnica e narrativa.
Caboclo de Pena (Dir. Calu Zabel, Gabriel Gutierrez e Paula Porta)
Crítica: O documentário Caboclo de Pena integra um projeto chamado Coreografias Maranhenses, que procura buscar as raízes por trás de personagens importantes da cultura popular do estado. Esse é o primeiro trabalho do projeto, onde o público consegue ir a fundo na mística que envolve o caboclo de pena, figura essencial do bumba-meu-boi.
São muitos documentários sobre as festanças maranhenses, mas poucos conseguiram chegar onde Caboclo de pena alcança: o imaginário coletivo e a identificação individual. Cada escolha técnica é milimetricamente acertada: do uso do tablado para o soar dos pés de cada caboclo até o uso da contraluz para ambientar a fotografia – Caboclo de pena é uma grande homenagem a esses personagens.
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A direção de Calu Zabel, Gabriel Gutierrez e Paula Porta impulsiona a subjetividade do olhar do espectador, que se vê imerso nesse universo tão próximo de nós e ao mesmo tempo tão enigmático. É impossível sair ileso da experiência que é assistir ao filme e é justamente por isso, que ele se destaca entre os demais.
Princesa do Meu Lugar (Dir. Pablo Monteiro)
Crítica: Princesa do meu lugar traz uma conexão profunda entre Maranhão e Pará, através da religiosidade e dos acontecimentos festivos que permeiam o curta. A montagem cria uma atmosfera de aconchego e de curiosidade, ao enaltecer o trabalho individual e coletivo dos personagens do documentário.
A teia que o diretor, Pablo Monteiro, cria na narrativa do filme nos posiciona diante de uma herança cultural e afetiva. A fotografia nos aproxima dos bastidores de uma festa importante para aquela população e, à medida que a festividade avança, o público vai entrando cada vez mais na realidade daquele povo.
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Pablo Monteiro é um dos documentaristas mais interessantes em atividade no que estamos chamando de novo cinema maranhense. Seus filmes trazem o seu olhar histórico e documental, prezando pela beleza das imagens e da narrativa, que se constroem a partir da afetividade do tema com o diretor, com os personagens e com o público.
Memórias de Isolamento (Dir. Weslley Oliveira)
Crítica: O curta-metragem Memórias de isolamento visita as raízes e as lembranças de uma família que vivencia o luto naquele recorte temporal. É simples, mas tocante. A trilha nos conduz à melancolia de uma saudade que não voltará mais. O diálogo entre as duas personagens em cena, evidencia essa profundidade: enquanto a criança pede para a mulher mais velha sorrir, a resposta é uma só: “eu só tenho vontade de chorar”.
Gravado assumidamente em período de isolamento, a circunstância factual vivenciada por quem está atrás das câmeras, transparece também para quem está em cena e justifica, em finalidade última, o nome do filme. É uma escolha arriscada e, neste caso em especial, bem sucedida.
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O curta Memórias de isolamento é um frescor doído, mas bem sentido, dos registros feitos em quarentena.