A dor e a voz de Fábio Assunção: um alerta sensível sobre a dependência química

O ator Fábio Assunção. Foto: Divulgação/ TV Globo.

O brasileiro é especialista na arte de produzir memes. Fazer sorrir nos momentos mais críticos é um talento extra e, por vezes, a única opção diante de algumas realidades que nos são apresentadas. Mas, às vezes, a gente erra a mão e perde o rumo entre o humor e o desrespeito, como tem sido com o ator Fábio Assunção.

O ator já protagonizou alguns acontecimentos públicos que estão relacionados ao uso abusivo do álcool, já se assumiu como adicto – aquele que possui uma relação de dependência, com o álcool, ou outras drogas, pessoas ou objetos. Em entrevista à revista Trip, Fábio diz que nunca foi possível viver esse processo com privacidade. Sendo uma figura pública, não lhe destinaram o lugar marginal de exclusão, comum aos dependentes, mas acabaram criando um glamour depreciativo com um arsenal de memes.

O ápice desse glamour às avessas foi o Youtuber Bartz e a banda La Furia lançando a música Fábio Assunção, que em português claro quer dizer: beber até perder o controle. Não é só humor de péssima qualidade, é também um profundo desrespeito com pessoas que vivenciam o desespero da dependência química.

São muitos os estigmas e preconceitos que se mantem sobre quem sofre com questões relacionadas ao abuso de substâncias e, a última coisa que um sujeito em sofrimento precisa, são piadas de mau gosto.

Fábio, de modo sensato e louvável, usou uma rede social para falar sobre a questão:

“Eu não endosso, de maneira nenhuma, essa glamourização ou zueira com esse sofrimento. Minha preocupação é com você que sente na pele a dor e a complexidade dessa doença. Minha vontade é que você sempre tenha um diálogo aberto, encontre um lugar de afeto com sua família, seus amigos e com a sociedade brasileira. E assim merecer respeito e direito a um tratamento digno”, disse Fábio.

O ator entrou em acordo com os autores da música, e toda verba dos direitos autorais da canção deverão ser revestidas em doações a instituições que cuidam de pessoas com dependência química. Não houve censura aos artistas, mas sim a ampliação do debate e crítica sobre os limites de se fazer humor sem o filtro do pensar no outro. Enquanto alguns sorriem, outras pessoas sofrem e vivenciam o doloroso processo da abstinência, ou a angustia pela total falta de controle sobre compulsão pela substância.

Em um dos vídeos, Fábio complementa:

“15% das pessoas do mundo tem problemas de adicção, de dependência química. É muita gente sofrendo por não conseguir controlar suas compulsões e eu acho importante lembrar a todos que isso não tá escrito na certidão de nascimento. Todo mundo começa do mesmo jeito. Achando que tudo bem, mas pode não terminar tudo bem.”

Para quem gosta de números, as mortes relacionadas ao consumo do álcool ultrapassam os 3,3 milhões, em escala mundial. E o consumo de álcool no Brasil está acima da média internacional. Esse uso abusivo, que demoniza sujeitos na mesma medida em que os mata, é um grave problema de saúde pública, deve ser acolhido e não excluído. Deve ser tratado em toda sua complexidade. O dependente sofre, a família sofre, os amigos sofrem. Não há um único motivo que legitime o desmerecimento desse sofrimento através de um humor duvidoso.

Como disse Fábio Assunção: “Cuide de você, cuide de quem você ama, cuide dos seus amigos nas festas, seja responsável pelo todo”.

Abaixo, o depoimento de Fábio Assunção sobre o caso com a banda La Furia:

https://www.facebook.com/fabio.assuncao.52/videos/2059733497449681/?t=0

Joceline Conrado é psicóloga de orientação psicanalítica. Atua em São Luís como psicóloga clínica e no terceiro setor, na gestão e implementação de projetos sociais. É redatora e da área de planejamento no SobreOTatame. Se interessa por temas relacionados a gênero, psicanálise e questões raciais. Gateira e leitora compulsiva.

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