Diante de tantas convenções, relações afetivas, profissionais e sociais; preconceito, hipocrisia e falta de educação, é cada vez mais difícil ver as pessoas agirem com naturalidade. Ser leve, de boa, livre – aquele lance de “seja você mesmo” é algo que está se tornando cada vez mais raro. Tenho a sensação de que a cada tempo que passa mais relações superficiais e frias vão surgindo e, consequentemente, mais pessoas frustradas e infelizes. Assistir Carol (2015), do diretor Todd Haynes, me fez refletir bastante sobre essa parada. Depois de muitos questionamentos, lembrei também do Rico Dalasam – artista paulista que ficou conhecido como o primeiro rapper negro assumidamente gay no país –, e sua música Aceite-C. Daí o resultado foi esse: uma resenha sobre o filme, que concorreu a seis estatuetas no Oscar 2016, e um pouco de som pra deixar a ideia mais suave.
Narrando uma história que se passa na preconceituosa Nova York dos anos 1950, o diretor californiano discorre sobre o tema de forma crua. Sem clichês. O filme é lindo. Figurino detalhista e atraente, fotografia singela, tudo isso complementado pelas atuações empolgantes de Rooney Mara e Cate Blanchett. Não à toa concorreu em todas estas categorias na maior premiação do cinema mundial. O que pra mim não quer dizer muita coisa, mas acho que, de alguma forma, corrobora o que eu achei e curti do filme.
A garota pobre chamada Therese Belivet (Rooney Mara), que trabalha em uma acanhada loja de departamentos, se apaixona pela atraente e misteriosa dona de casa Carol Aird (Cate Blanchett). Antes desse encontro, as duas levavam vidas monótonas e vazias, trancafiadas em relações insuportáveis, estabelecidas através de padrões culturais da época. As duas têm desejos reprimidos. E, pondo fim a um namoro superficial e sem sal que sustentava com um homem, Therese mergulha de cabeça no desejo de viver um romance com a educada e misteriosa loira mais velha, que encara um casamento desgastado com um playboy alcoólatra. O tórrido e efêmero relacionamento entre as duas é a linha condutora da narração e se entrelaça a várias situações daquelas citadas no início deste texto.
Vale muito a pena sacar esse filme, mas o que vale mesmo é o que ele propõe como reflexão.
Convivo diariamente com o terror e a comédia das minhas escolhas e acho que quanto mais eu agir de forma honesta com o mundo, quanto mais eu for eu mesmo, menos “soco na cara” eu vou levar. Até pra encarar as batalhas, assim com as derrotas, me sinto mais suave ao cair na lona, de cabeça leve, sem o peso da covardia sobre meus ombros. Não é fácil, mas é possível. Assistir Carol (2015) me fez pensar muito sobre isso.
Rapper gay e som de atitude
Assim como viajei ao ver o filme, refleti bastante, também, sobre a ideia de ser mais verdadeiro comigo mesmo ao curtir o som do Rico Dalasam. O moleque, de 25 anos, manda um Flow viciante e rompe com vários estigmas do rap nacional, falando de forma aberta sobre ser gay, negro e favelado.
Ele canta e escreve com neologismo: “Outro não dá pra ser. Sem crise, sem chance. Que a vida é uma só. Aceite-c, aceite-c, aceite-c”. Pensar nas dificuldades que o Rico enfrentou e enfrenta até hoje, fazendo um trampo verdadeiro e bom – inspira muito. Não vou me alongar sobre o trabalho do “mano” da periferia de Taboão da Serra, cidade da região metropolitana de São Paulo. Quem quiser sacar o som tem um videoclipe logo no fim do texto.
Acho importante aproveitar o que a arte tem para nos presentear. Talvez seja por isso que nunca consigo falar apenas sobre questões técnicas quando disserto a respeito de filme e música. Mas acho que tá valendo. Afinal de contas, tenho que fazer o que me dá prazer e não o que pode me dá garantias de aprovação. Como já disse Rico: “Eu não me achar já virou razão pra morrer”.