Por Joelma Santos da Silva[1], em colaboração ao SobreOTatame.com (Foto e artes: Romildo Rocha).
O mês de junho é especial no Maranhão. Diversas brincadeiras como quadrilhas, danças portuguesas, bumba meu boi e muitas outras animam os arraiais, os largos de Igrejas, terreiros, escolas e as ruas da capital e das cidades do interior.
Mas, em 2020, fomos surpreendidos com a pandemia do novo coronavírus (Covid-19), nos impondo medo, muitas perdas e reclusão social. Em poucas semanas, tivemos o cotidiano completamente alterado para tentarmos barrar o rápido contágio. E para evitar aglomerações, diversas festas do nosso calendário foram suspensas, dentre elas, as festas juninas.
Entretanto, muitos estão reinventando a tradição e tentam viver, pelo menos um pouco, essas festas. Seja por lives de grupos de bumba-meu-boi, marcando de acender fogueira nos dias santos (cada um na sua casa), postando fotos de arraiais dos anos anteriores, ou usando as imagens de brincadeiras como inspiração artística, como fez o artista visual maranhense Romildo Rocha[2].
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Durante esse período de isolamento social, Romildo ilustrou brincadeiras das festas juninas que fazem parte da sua memória afetiva e de milhares de maranhenses, transformando-as em adesivos que trazem alegria, cor, cultura e história.
Mas que brincadeiras são essas?
Bumba-Meu-Boi
Em dezembro de 2019, o Complexo Cultural do Bumba meu Boi foi reconhecido como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade. O auto que gira em torno do pai Francisco, que mata o boi mais bonito da fazenda para dar a língua de comer a sua esposa grávida, Catirina, está diretamente ligado a cultura religiosa, com os grupos que pagam promessas em devoção aos santos juninos: Santo Antônio, São João, São Pedro e São Marçal.
A brincadeira possui um ciclo que dura meses, e vai do batismo à morte do boi, bem como ensaios e apresentações, com grupos espalhados por todo o estado.
O destaque também se dá pela diversidade dos sotaques, tendo como principais os de Matraca ou Ilha, Orquestra, Baixada ou Pindaré, Zabumba ou Guimarães e Costa de Mão. Cada sotaque se diferencia do outro pela origem regional, pelos instrumentos, ritmo, indumentárias, personagens, passos e evolução da dança característicos.
Depois de uma longa história de marginalização, hoje o bumba meu boi é a uma das principais expressões culturais e identitárias do estado, e como cantava o grande mestre Humberto, “essa herança foi deixada por nossos avós e hoje é cultivada por nós pra compor tua história, Maranhão!”.
Cacuriá
“Jabuti sabe ler, não sabe escrever”, diz a letra de um dos grupos de Cacuriá mais famosos do Maranhão. Embora seja uma dança muito conhecida, derivada do carimbó, sua origem não tem mais do que cinquenta anos. Era apresentada como parte da Festa do Divino Espírito Santo, após a derrubada do Mastro e do Carimbó das Caixeiras, quando já era possível se divertir de forma “profana”.
Foi trazida para São Luís por Seu Lauro, folclorista e morador do bairro Ivar Saldanha, que promovia as brincadeiras que chamavam a atenção pelo rebolado sensual, onde passavam.
É feita com pares em forma círculo, o cordão, com passos coreografados, e brincantes com indumentárias rodadas e muito coloridas respondendo em coro as ladainhas e versos recitados pela Mestre. No início, era acompanhada unicamente por caixas do Divino (instrumento de percussão que faz a marcação), mas aos poucos foram sendo introduzidos o violão, banjo, clarinete e flauta.
A representante mais conhecida é Dona Teté, responsável por popularizar a dança. Ela era caixeira do Divino e participava das festas de Seu Lauro, fundando grupo próprio com apoio do Laboratório de Expressões Artísticas (Laborarte), em 1986.
Dança Portuguesa
Ora pois! Quem nunca viu uma dança portuguesa ou dançou no arraial da escola? A dança portuguesa também é uma manifestação muito comum no São João do Maranhão. Sua origem remonta à colonização portuguesa, mas também às décadas de 1960 e 1970, quando era frequente a presença de portugueses e seus descendentes em São Luís, e a dança portuguesa já era ensinada nas escolas no período junino.
Nessa época, começaram a surgir os primeiros grupos organizados, inicialmente com esses descendentes, e posteriormente com a inserção de diferentes sujeitos. Clubes como o Grêmio Lítero Recreativo Português traziam grupos de dança de Portugal e cantores portugueses famosos, como Roberto Leal.
Atualmente, diverge das danças de Portugal, tanto por suas temáticas quanto por figurinos, adereços, repertório musical e uso da tecnologia nas apresentações. É organizada em pares que dançam fados e viras eletronicamente mixados, com elaboradas coreografias. As mulheres usam vestidos luxuosos, meias de crochê, lenços e leques; já os homens usam chapéus, luvas e bengalas.
Conta com centenas de grupos que representam comunidades de bairros da periferia de São Luís, municípios da região metropolitana e cidades da Baixada Maranhense.
Forró
E o forró? Esse não pode faltar para animar nenhum arraial! Mas a palavra tem origens variadas. Uma das mais aceitáveis é que venha da língua Bantu, que chegou ao Brasil com os escravizados vindos da Nigéria durante o século XIX, e que foram mandados ao sertão nordestino, derivando de “forrobodó” (confusão, farra, arrasta-pé…).
Outra hipótese se deve aos ingleses que migraram para o Nordeste para liderar a construção de ferrovias em pequenas cidades do interior, entre os séculos XIX e XX, que afixavam nas portas das raras festas liberadas à população local o termo “For All” (para todos), sendo então “forró” uma variação de pronúncia.
O certo é que o termo forró designa a dança e a música populares que se originaram no Nordeste brasileiro, no século XIX. Os instrumentos característicos são a zabumba, sanfona e triângulo; variações de instrumentos europeus e africanos. As pistas de dança eram de barro, o que fazia com que as pessoas dançassem no estilo arrasta pé, outro nome dado a essa manifestação.
O forró se espalhou por todo o país com a imigração de grupos nordestinos durante o século XX, o que fez com que surgissem estilos variados, além do tradicional pé-de-serra, como o universitário e o eletrônico.
Quadrilha
“Olha a cobra! É mentira!”. A quadrilha é uma das principais brincadeiras/danças do São João do Nordeste. Muito comum nos arraiais, clubes e escolas; tema de muitas fotos de infância com roupa de caipira, vestido colorido ou calça cheias de bandeirinhas costuradas, bigodes pintadas com carvão e chapéu de palha; a quadrille surgiu como uma dança de salão francesa, no século XVIII, composta por quatro casais e dançada pela elite.
Chegou ao Brasil durante o Período Regencial (por volta de 1830), primeiro no ambiente da Corte, mas foi se popularizando ao longo do século XIX e mesclando com manifestações preexistentes. Um dos resquícios franceses nas quadrilhas brasileiras atuais são os comandos abrasileirados, como “anarriê” (en arrière – para trás).
Compostas por casais que dançam coreografias, atendendo aos comandos de um marcador, e encenando personagens, têm como temática mais comum o casamento caipira, marcado pela comédia na qual o noivo é obrigado a casar pelo pai da noiva, delegado e padre, e passos tradicionais como o caminho da roça e o balancê.
Atualmente, essa expressão da cultura popular conta com grupos profissionais que se apresentam o ano inteiro, se organizam em entidades e ligas e participam de grandes competições.
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Quem nunca bateu matraca no São Marçal, rebolou com o Cacuriá, dançou o vira, arrastou o pé com o/a crush ou brincou quadrilha na escola, tire seu figurino junino do armário e aproveite o que o São João do Maranhão tem de melhor, seja ainda esse ano, seja no ano que vem.
E lembrem: isso tudo vai passar!
Nota editorial: o SobreOTatame.com é um site que produz conteúdos de cidadania, comportamento e cultura. Por meio dos conteúdos que publicamos, acreditamos na informação como força de educação e discernimento.
[1] Joelma Santos da Silva é professora do IFMA – Campus Pinheiro, historiadora e doutora em Ciências Sociais.
[2] Romildo Rocha é artista visual e designer maranhense. Inspirado fortemente pela Literatura de Cordel e xilogravura, suas ilustrações e murais trazem aspectos da cultura e do cotidiano nordestino em uma linguagem visual própria.
Mais do São João do Maranhão
Durante o mês inteiro de junho, traremos um material especial sobre o São João do Maranhão. O objetivo do SobreOTatame é trazer à memória os dias alegres que já vivemos e ainda viveremos, dar voz aos principais atores e atrizes dessa época e alimentar o nosso amor por essa festa.
Abaixo, alguns dos materiais produzidos este ano:
O São João do Maranhão não para nunca!;
Nina é, Nina foi, Nina sempre será: o batalhão do Boi de Nina Rodrigues;
São João em tempos de isolamento social: Caio Zito cria versões alternativas de bumba-meu-boi;
Já aqui, outros materiais especiais do SOT: