Não lembro como conheci 2DE1, mas com certeza deve ter sido umas das indicações do Spotify ou do Youtube — demorou um tempo para os logaritmos me entenderem e eu passar a gostar deles.
Foi com a música Café pra Um. Primeiro a musicalidade, a voz, o refrão que ficou grudado e aí me apaixonei de vez pela estética:
2DE1 é um duo formado pelos gêmeos Fernando e Felipe Soares. O primeiro álbum foi o Transe, em 2017, e antes do ano acabar, este fatídico 2019, que não foi fácil para ninguém, os irmãos lançam Ferida Viva.
Desde Transe, 2DE1 traz em suas músicas os temas relacionados ao universo LGBT, relacionamentos, liberdade sexual, amorosa e etc.
Ferida Viva também retoma esses temas, acho que um pouco mais explicitamente, algo que a gente precisa disso mesmo, inclusive, em uma das faixas, é possível ouvir: “eles precisam voltar a ter medo”. Concordo com os dois.
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O disco fala sobre essa ferida aberta em todas as pessoas, sobre rejeição, vontade, sexo, amor, política, medo, amizade…
Nossas feridas todas abertas, jorrando sangue enquanto escutamos as músicas. Ferida Viva é um álbum lento, pra ser degustado, toma um vinho (embora eu não esteja bebendo, essa é a minha dica para você), preste atenção em cada coisa que é dita. Sente na pele a dor e se questione as mesmas coisas.
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Faixa a faixa
Meus amigos
[…] meus amigos que histórias dirão? Meus amigos que sonhos terão? Estarão vivos ou não?
A primeira música já é TRISTE, eu mesma só posso tentar um movimento empático, mas nunca senti o preconceito ao ponto de correr o risco de morrer ou ser perseguida, por exemplo, em virtude da minha opção sexual. Acho que essa música fala disso, “corre, viado, aperta o passo”. É quem vive tendo que se cuidar.
Pacto de Sangue
Depois de “Meus amigos”, a coisa começa a esquentar um pouco mais, o ritmo acelera um pouquinho, mas só um pouquinho. Pacto de Sangue fala de uma relação que nem precisa ser dita, de tão estampada na cara que está. “A gente se entristece, tem vez que o mundo faz por onde, aí não desce. e a gente ali se vira, se abraça, se aquece e foi, foi pacto de sangue e isso transparece, não, não há no mundo que eu não pudesse fazer por você”.
Caju
“Quem é da feira sabe quem é caju, mas não tá bom pra mim”
Em algumas relações, ainda que haja sintonia, coisas em comum e etc., não flui, não fica tão bom, não é suficiente. Foi nisso que pensei quando ouvi Caju. A sensação de ser “usada” por uma outra pessoa, de oferecer tudo o que é possível para alguém, e mesmo assim não ser suficiente.
Girassol
“Eu sempre fui pra você, você que sumiu antes de acreditar”.
Queria poder perguntar para eles porque o nome da faixa é girassol. É porque alguém gira em torno de alguém? De qualquer forma, é sobre desistência, quase que umas lagriminhas caíram enquanto eu estava ouvindo, lembrando de todas as vezes que fui deixada.
Foda, né? Música boa tem dessas coisas.
Beijo Grego
Eita! Acho que é uma das minhas favoritas. Começa com um áudio, uma conversa, aquela conversa de quem está paquerando, mas que está falando sobre tudo. “Eu puxo um papo, com receio, eu te cortei no meio”. A chuva que é a desculpa perfeita para convidar a pessoa com quem você quer dormir a noite inteira. É extremamente sexual, apaixonante.
“Vamos logo pra baixo do pano, dar às nossas línguas mais função. Por que não?” Uma pitada de blues e fica tudo perfeito. Ouça e transe, se puder.
Primavera
“Mas aqui entre eu e você, a gente sabe o porquê, é que você escolheu se punir e eu deixar fluir…”
Um tapa para os ansiosos, eu certamente seria a pessoa que escolhe se punir.
Promessas que eu te fiz
Começa com um pianinho bem piegas e por um momento pensei que seria mais uma música sobre “amor”, pra depois perceber que talvez seja sobre a falta de amor, mas o próprio: “[…] eu mesmo correndo de mim no mesmo lugar, o baço já dói, como faz pra parar?”.
Eu, que vivo uma roda gigante emocional, me vi representada nessa música agora que meu humor está lá embaixo e eu olho pro espelho e realmente não me reconheço e a sensação de que não estou fazendo tudo o que tenho capacidade para fazer vai me sufocando.
Desencontro
O título é suficiente: desencontro. “Eu sei, agora eu sei, não sou pra você e fim”.
Um dia a gente se encontra
“Um dia a gente se encontra nem que seja só pra se reconhecer”. Depois de “Desencontro”, ouvir esta dá um quentinho no coração.
Rainha
Começa com um monólogo que fala sobre “desaprender”, é bonito, é aconchegante e faz sentido. Depois, entra um violão gostoso e fácil de pegar. “Aprendi com uma rainha a ter fé em mim, a brigar por nós, a dizer mais sim escutando a voz”. Não sei porquê, mas essa rainha me lembra Yemanjá (orixá que não exita em brigar pelos seus), mas qualquer mãe pode ser maravilhosa assim.