Ainda Escuto Álbuns #8: Josyara e sua Mansa Fúria no BR 135 2019

A cantora Josyara é uma das atrações confirmadas na edição 2019 do Festival BR 135 (Foto: Natalia Arjones/ Divulgação).

No dia 2 de novembro, saiu no Youtube o episódio do Cultura Livre com a Josyara.

Pausa: se você não conhece o Cultura Livre, recomendo demais, é um programa com uma das jornalistas musicais que eu mais admiro, Roberta Martinelli. Basicamente, no Cultura Livre você tem a oportunidade de conhecer os novos nomes da música brasileira de um jeito intimista e muito gostoso, mas além de ouvi-los cantar, é possível vê-los falando sobre o trabalho, coisa que eu acho uma delícia também. Dá uma sacada:

Agora sim, voltando: assisti a live da Josyara e fiquei apaixonada. A voz gostosinha da ribeirinha apaixonada pelo mar, que vai entrando toda doce no nosso ouvido, com o sotaque nordestino que é encantador (e quem não concorda com isso, reflita!)… e enfim, me apaixonei. Antes disso, já tinha ouvido alguma música da cantora em uma playlist super gostosinha chamada “Nova Bahia”, que basicamente mostra essa nova diáspora baiana surgindo com tudo e trazendo e dando novos tons pra MPB.

Poucos dias depois de ter assistido ao programa da Josyara, saiu o resultado pra seletiva de bandas do Festival BR 135 deste ano! E a Josyara está lá!!!

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Todos os artistas são maravilhosos, mas o trabalho de Josyara, para mim, é de headliner: é um dos shows para o qual eu estou mais ansiosa. E é por isso que decidi parar e escrever para você sobre Mansa Fúria [spotify|youtube| deezer], o álbum que a Josyara tá levando Brasil afora (torço pro mundo também). Bora lá?


Uma das atrações do Festival BR 135 deste ano, Josyara vem cantar a resistência, a natureza e ancestralidade em Mansa Fúria. Foto: Reprodução/YouTube.

Mansa Fúria foi lançado em 2018, com 12 faixas, somente uma das faixas é composição conjunta, ou seja: não apenas uma intérprete maravilhosa, como compositora completa e instrumentista também. O nome me pegou de vez, por questões pessoais mesmo; quem me conhece sabe que meu humor altera tão qual… sei lá, qualquer coisa instável aí! E unir duas palavras tão ambivalentes me chama a atenção, eu gosto de quando coisas aparentemente opostas são colocadas juntas e geram algo novo e surpreendente. Dialética musical deve ser um conceito mais explorado, por favor.

Mas a explicação de Josyara, é outra. A artista fala sim, da intensidade, dessas mudanças, mas também de algo que nasce a partir da observação do mar e de como ele é “manso” e “furioso”.

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O álbum começa com a faixa Apreciação, que também traz esta temática do mar, a calunga grande, a casa de Iemanjá, fala de liberdade e de contemplação. Logo em seguida temos Você que perguntou Nanã. As duas músicas ganharam um clipe conjunto apoiado pela Natura Musical. Na primeira, a afirmação: “Eu vim cantar o choro da minha mãe”, para logo em seguida um “Procuro meu caminho bem na palma de minha mão, persigo meu destino, ouço a voz de minha mãe”. Falam basicamente, dessa mudança para a cidade louca, para um lugar onde o sonho que é grande possa realmente crescer e se tornar concreto e todos os questionamentos que muitos artistas que seguem esse caminho recebem ou mesmo devem se fazer. “Nanã”, particularmente, é uma música muito bonita e significativa. Nanã, a mãe, a que cuida do que nasce e do que morre, dos caminhos naturais da vida, dos fins e dos começos dizendo para ela: “filha, olha ao seu redor, entenda, tudo é como deve ser, tenha coragem, cresça, procure um abrigo. Quando a tristeza canta, desobedeça a dor”. E é assim que é a vida.

Ps.: esta música me lembra muito uma do Mateus Aleluia, que eu também recomendo: Filha Diga o Que Vê

Rota de Colisão tem o “quê” nordestino não só pelo sertão que já vem bem no comecinho, ou pela voz de Josyara, mas porque me parece que declamar a natureza é algo que a gente sabe fazer muito bem. Rota de Colisão a mim soa como amor que chega com força, igual ventania, chuva forte, sol quente. É assim.

Logo em seguida, temos uma das minhas preferidas, Solidão Civilizada. Essa música está me acompanhando bastante nesse novembro estranho de 2019, fala sobre solidão, mas de um jeito que eu ainda não tinha ouvido. Uma solidão, literalmente, civilizada. Em outro texto por aí, escrevi: “Uma solidão escolhida, cuidada, regada, com propósito e também preparatória.” Como ela diz: “Há solidão pra todo lado, em cada gesto civilizado, é se perder do outro quando esse alguém de você foge, é achar a si próprio“.

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Fogueira fala de uma mulher, leonina, que “quando desce a ladeira da federação, quando sobe a ladeira da quebrada, altera a ordem do espaço com seus passos” (guarde para legendar alguma foto, por favor).

Logo após, Mansa Fúria, música que intitula o álbum; o dedilhado de Josyara no violão é marcante, a composição é uma das complexas do álbum (ao meu olhar) e também mais “duras” de ouvir, mas que diz tanto sobre nós, os sentimentais demais: “E a incerteza de seguir me persegue como um cão faminto, eu escrevo, grito, escancaro o peito por eu ser assim tão sentimental”.

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Depois da porrada de Mansa Fúria, Josyara dá uma pausa, dá um respiro com Cochilo, um instrumental gostoso que vai te preparando para o porvir da experiência musical. Temperatura vem com um pouco de “saliência”, com a provocação “Se tu me acha rasa, por que não entra no fundo?”

Todo este trabalho de Josyara tem como marca a pessoa que ela é: de onde vem, o que ela gosta, sua cor, sua ancestralidade. Em várias músicas é possível observar isso, mas talvez seja em Engenho da Dor que isso fique mais claro ainda. Alguns dias antes do segundo turno das eleições, em 2018, 48 vozes se uniram para cantar esta música: 48 vozes pela democracia, cantando sobre a exploração e opressão características da sociedade brasileira.

Não vamos voltar pras senzalas
Não vamos voltar pros porões
Não vamos voltar pros armários
Não vamos voltar pras prisões

É um mantra que deve ser cantado diariamente.

Quase acabando, pra deixar um gosto de saudade e vontade de quero mais, Terra Secaonde ouvimos a voz de alguém que talvez não se encaixe como queiram, resistir e manter a criatividade é como raiz que corre em terra seca, a mesma que Remanso canta, falando de saudade, amor e do que é familiar.

Josyara é uma voz marcante e teremos a oportunidade de vê-la e admirar o talento e força de uma jovem mulher negra, ribeirinha, nordestina e resistente!

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Não perde.

Steffi de Castro é psicóloga. Atua em São Luís como designer instrucional e escritora. É redatora no SobreOTatame, escreve e estuda sobre música, feminismo e comportamento. É estudante de tarô, dançarina amadora, podcaster, adora ASMR e a vida offline.

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