Álcool: você é livre para usar, mas precisa se cuidar

Texto de Enilson Ribeiro, em colaboração ao SobreOTatame.com (Foto: Giovanna Gomes/ Divulgação).

Você já parou para pensar o quanto as bebidas alcoólicas fazem parte da nossa rotina social? Vamos lá, qual foi o último happy hour que você foi sem que houvesse a presença de uma cervejinha, uma caipirinha ou um vinhoso da vida?

A Organização Mundial da Saúde (OMS) tem vasto estudo sobre o impacto causado pelo álcool em países pobres. Há de se notar que os países que passaram por um crescimento econômico recente, tiveram também aumento dos índices de consumo de álcool, como no caso do Brasil que, no período de 2006 a 2016, cresceu em 46% o consumo de álcool.

O último Relatório Global sobre Álcool e Saúde da OMS indicou uma redução da média de consumo per capita entre os brasileiros: de 8,8 litros para 7,8 litros. Segundo o Panorama 2019, é como afirmar que um brasileiro deixou de beber 1 dose por semana. No entanto, ainda estamos bem acima da média mundial (6,4 litros).

O problema é que entre os bebedores brasileiros, a média de consumo diário, que é de três doses, ainda é maior que a da região das Américas e do mundo. Embora o índice de transtornos relacionados ao uso de álcool (abuso ou dependência) tenha diminuído no Brasil nos últimos anos, o índice BPE (Beber Pesado Episódico) tem aumentado:

“Na contramão mundial de redução do BPE, 19,4% dos brasileiros relataram episódios de BPE em 2016, contra os 12,7%, em 2010. E, ainda, os principais responsáveis por esse aumento podem ter sido as mulheres e os adolescentes, o que faz a situação ser ainda mais preocupante. Isso porque, biologicamente, o organismo feminino é mais suscetível aos efeitos do álcool, e o cérebro dos adolescentes ainda não está completamente desenvolvido, e pode sofrer prejuízos irreversíveis”.

(Panorama 2019, p. 11).

Em resumo: mais pessoas estão diminuindo, parando ou não começando a beber, mas os que continuam bebendo, estão bebendo mais.

A empresa brasileira Ambev tornou-se, em 2009, a maior cervejaria em atividade no mundo, o que ajudou muito na popularização do consumo. É comum no rádio, na TV e na internet a utilização de propagandas que associam o consumo de bebidas alcoólicas ao prazer e bem-estar. O incentivo do Estado à criação de indústrias nacionais tornam o acesso mais barato e quebra o setor de importação das bebidas. Qual é o perigo de tudo isso?

O Levantamento Nacional de Álcool e Drogas (Lenad) concluiu que 32% da população brasileira bebe de forma moderada e 16% desenvolveram um padrão nocivo de consumo de álcool. E pela urgência de ações concretas nesse sentido, o Brasil transformou o 18 de fevereiro no Dia Nacional do Combate ao Alcoolismo.

Nenhuma droga causa mais mortes no mundo que o álcool, e mesmo se juntarmos as mortes causadas por todas as drogas de uso proibido ou altamente restrito, elas não superariam os casos de mortes relacionadas às bebidas alcoólicas: são 3,3 milhões de mortes todo os anos por problemas relacionados ao álcool, o que representa 5,9% do total de mortes no mundo.

A USP realizou em 2018 um estudo que mostrou a relação entre o consumo de álcool e os casos de suicídio: 30% dos suicídios ocorridos em São Paulo, entre 2011 e 2015, registravam a presença de teor alcoólico no sangue. Se feito o recorte de sexo e faixa etária, essa taxa sobe para 34,7% entre o sexo masculino e 61% faixa etária de 25 a 44 anos.

O consumo de álcool está associado a pelo menos 60 doenças agudas ou crônicas, dentre as quais gastrite, hepatite, infertilidade, hipertensão e câncer têm o desenvolvimento acelerado em casos de consumo concomitante de álcool.

Aliado a isso, o Brasil está no topo do ranking de transtornos de ansiedade e é o segundo país da América Latina com incidência de depressão. Alguns medicamentos para esses tipos de problemas são também metabolizados pelo fígado, não sendo sugerido o uso de álcool durante tratamentos. O uso contínuo de álcool pode aumentar as chances de problemas relacionados à saúde mental.

Um paralelo importante observado pela OMS é que, o país com o menor índice de depressão nas Américas é a Guatemala, que tem a menor média per capita de consumo de álcool, e o líder absoluto são os Estados Unidos, que têm a segunda maior média, atrás do Canadá.

Longe de uma abordagem proibicionista (que não funciona e nunca funcionou), precisamos nos perguntar: o que posso fazer para que meu consumo não se torne perigoso?

Racionalize seu consumo de álcool

Primeiro, é importante entender que um dos principais efeitos do álcool está relacionado a mudança de comportamento provocadas pelo uso: prepotência, liberação da censura, diminuição ou ausência da crítica são alguns exemplos.

No tocante, é sabido que os problemas de ordem sociais são potencializados, como a violência doméstica e urbana, a comportamentos sexual de risco e problemas no desempenho laboral. Por isso, é importante racionalizar o consumo. Um caminho interessante e sugerido pela própria OMS é adotar a Redução de Danos (RD) como princípio do consumo.

A redução de danos é série de práticas e estratégias para minimizar os riscos à saúde das pessoas que fazem abuso de álcool e outras drogas. Ela é focada na pessoa e não na substância propriamente dita e entende que as pessoas possuem autonomia para serem protagonistas e corresponsáveis pela construção/reconstrução de sua vida e de seus valores. É uma abordagem transparente, baseada em fatos e não em crenças.

O autoconhecimento é importantíssimo. Um adulto metaboliza, em média, cerca de 10 mL de etanol puro por hora, é o que o fígado aguenta (uma latinha de cerveja), dessa forma, se você consome mais que 10ml por hora, há uma sobrecarga e assim o efeito da embriaguez pode surgir, sobretudo se você não é um usuário frequente. Por isso, as dicas primordiais são:

  • Esteja bem alimentado sempre que for ingerir qualquer bebida alcoólica, estar de estômago vazio acelera e potencializa os efeitos. É importante comer antes e durante a ingestão, assim o fígado ganha tempo para metabolizar;
  • A água é a estratégia de redução mais básica, o ideal é que você consuma água no intervalo de cada dose da bebida alcoólica, a medida sugerida é: a cada dose, um copo de água. Ela vai ajudar a diluir o álcool em seu sangue, vai reduzir bastante a chance de ressaca. A chance de ir ao banheiro aumenta, mas isso é parte do ritual e é importante que vá, para que o corpo trabalhe bem;
  • Já que estamos perto do Carnaval, é bom lembrar que o ritmo de consumo não precisa ser a mesma do bloquinho, quanto menor a frequência de ingestão da bebida, menor será o impacto em seu corpo. Frutas em geral são de grande ajuda, principalmente as com grande porcentagem de líquido.

Como lidar com a ressaca?

A ressaca é como chamamos os efeitos pós-intoxicação. Ela geralmente ocorre pelo consumo intenso em um curto período de tempo, associado a características próprias da pessoa e o seu padrão de uso.

A ressaca costuma aparecer num período entre 6 a 8 horas pós-intoxicação – nesse período, o teor alcoólico tende a zerar. Dependendo da pessoa, ela pode durar até 24 horas. O consumo de água ajuda a reduzir as dores de cabeça que, geralmente, são por desidratação. É aconselhável a ingestão de alimentos leves: peixe, caldo de ovos, frutas em geral, são boas opções.

Jamais tome paracetamol para reduzir os efeitos da ressaca. Ele também é metabolizado no fígado, portanto, a sobrecarga pode ser muito perigosa – há casos de hepatite medicamentosa que se desenvolveu por essa combinação.

Quando o consumo de álcool passa a ser preocupante?

Se o padrão de uso:

  • Fragiliza ou gera conflitos com a família e/ou amigos;
  • Afeta o desempenho no trabalho ou nos estudos;
  • Causa danos orgânicos e físicos ou de ordem clínica ocorrido pelo consumo;
  • Gera problemas legais e/ou relacionado a violência.

Se alguma reposta for afirmativa, já podemos afirmar que o mesmo merece atenção e configura-se como um problema de saúde pública.

Como tratar problemas com álcool?

Quando falamos de tratamento, existe um ‘leque’ de possibilidades de intervenções que são capazes de dar respostas e não há uma receita única, o tratamento para quem deseja parar ou diminuir o consumo, precisa ser pensado a partir de cada pessoa, de cada realidade e dinâmica de uso.

E muito cuidado com os tratamentos que prometem efeitos milagrosos! A síndrome de abstinência pode ser mortal: 1 em cada 10 casos de abstinência de álcool é grave e pode levar à morte.

Toda e qualquer ação deve fugir dos julgamentos morais e preconceitos, nisso é respeitada a liberdade de cada pessoa e o seu tempo de resposta. O atual modelo de atenção psicossocial, reforçado pela Luta Antimanicomial, traz um cunho transdisciplinar, intersetorial e territorial, sempre se pautando pela promoção da dignidade, igualdade e integridade do ser humano.

Existe uma Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) que pode e deve ser acionada. Essa rede vai desde as Unidade Básica de Saúde, que estão nos bairros, até os Centros de Atenção Psicossocial nas suas diferentes modalidades, às UPA 24 horas e pronto socorros, às enfermarias especializadas em hospitais gerais e às Residências de Caráter Transitório – todas elas são algumas das possibilidades de atenção pela Rede de Atenção Psicossocial (RAPS).

Enfim, é importante sempre avaliar o seu padrão de uso, se planejar, estar preparado e bem, caso pretenda em algum momento consumir bebidas alcoólicas. Independente do contexto, a redução de danos sempre será a sua melhor companhia.

Quem não usa não acusa, quem usa não abusa!


Referências e sugestões de material sobre o assunto:


Nota editorial: o SobreOTatame.com é um site que produz conteúdos de cidadania, comportamento e cultura. Por meio dos conteúdos que publicamos, acreditamos na informação como força de educação e discernimento, desta maneira, abrimos espaço para profissionais que possam tratar de temas mais especificamente.

Enilson Ribeiro é redutor de Danos há 11 anos, educador social, músico, radialista amador e militante dos direitos humanos. Atua há 10 anos pela Rede Amiga da Criança e é integrante da Campanha Nacional Criança Não é de Rua. Tem experiência na construção de políticas públicas nacionais para o atendimento da população em situação de rua. É integrante também do Coletivo de Redução de Danos e Experiencias Livres (CORDEL). É produtor e locutor do programa Bacanga é Resistência, na rádio comunitária Bacanga FM 106,3.

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Cidadania | Comportamento | Cultura. Criamos conteúdos e acreditamos que o palco de luta é a vida, o nosso tatame de aprendizados diários. #SobreOTatame

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