Ilustração de Francesca Sanna.
A verdade é que pensei muito sobre como abordar essa temática sem cair apenas em conceitos e dados de pesquisas. Quero, além de informar e conscientizar, refletir sobre o que pode estar contribuindo para o nosso processo de adoecimento psíquico.
Neste texto, vamos conversar sobre ansiedade e depressão em mulheres, sobre como as redes sociais têm contribuído no processo de adoecimento e algumas dicas de como usá-las de maneira melhor. Vamos juntas.
Comecemos então com a questão: O que de fato são os transtornos de ansiedade e depressão?
A ansiedade é um sentimento comum que se apresenta em situações de risco e tensão; sabe aquela expectativa antes de um resultado importante? Ou quando você sente medo diante de uma situação de risco? Essa ansiedade é normal e fisiológica.
Ao falar sobre ansiedade, a pergunta mais frequente é: quando ela começa a fazer mal? Quando vem carregada de excessos. A literatura diz que o transtorno de ansiedade generalizada (TAG) se caracteriza pelo excesso de sintomas ansiosos, na maior parte dos dias, por pelo menos seis meses.
Os sintomas que se apresentam com maior frequência são: insônia, dificuldade em relaxar, angústia constante, irritabilidade aumentada e dificuldade em concentrar-se.
Transtorno de Ansiedade Generalizada: excesso de sintomas ansiosos, na maior parte dos dias, por pelo menos seis meses.
Na cabeça de um ansioso, sempre existe preocupação ou um medo constante e excessivo do que estar porvir. Os transtornos de ansiedade têm um impacto significativo na vida social e ocupacional daquele que sofre; portanto, é importante dizer que um transtorno de ansiedade, sem tratamento, é limitante; não é nada interessante utilizá-lo como troféu.
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Já os transtornos depressivos são multicausais, e tem como sintomas mais marcantes o humor deprimido e o desânimo acentuado; porém, a literatura aponta que, para fins de diagnóstico, é necessário que um conjunto de, no mínimo, cinco sintomas se apresentem por, no mínimo, duas semanas.
Os sintomas que se apresentam com maior frequência são: humor deprimido, falta de vontade de viver, baixa autoestima, diminuição da concentração, ideias de culpa e inutilidade, distúrbios do sono e do apetite.
Mulheres também têm predominância para os chamados Transtornos Mentais Comuns (TMC). Os TMC são caracterizados pela presença de sintomas depressivos, ansiosos e somatoformes, mas que não se encaixam nos critérios formais (DSM V e CID-10) para diagnóstico de ansiedade e/ou depressão.
O fato de não se encaixarem numa categoria de diagnóstico, não minimiza o sofrimento. Estudos apontam que as condições socioeconômicas e de sobrecarga de trabalho tem maior influência no aparecimento dos sintomas.
Sitomas mais frequentes nos Transtornos Mentais Comuns:
Dores de cabeça, irritabilidade aumentada, queixas somáticas, insônia, esquecimento e falta de concentração.
A questão de gênero nos transtornos de ansiedade e depressão
Temos ocupado múltiplos lugares, e no imaginário social, quanto mais demandas uma mulher acumula, mais extraordinária ela se torna. Aquela que consegue dar conta de uma vida social, profissional, de relacionamentos e ainda cuidar dos filhos, do corpo e da casa, recebe o
título de super mulher.
Conseguir ocupar diferentes posições nas hierarquias sociais têm um valor significante na luta pela equidade entre gêneros; porém, esses acúmulos de funções acabam por levar ao esgotamento físico e emocional. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2018, as mulheres gastam, em média, 21,3 horas por semana em afazeres domésticos. Já os homens dedicam somente 10,9 horas por semana nas mesmas tarefas.
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Para além das pressões e demandas relacionadas à vida profissional, sexualidade e maternidade, mulheres tem que lidar, também, com o aumento da violência doméstica, casos de assédio, estupro, feminicídio e outras formas de abuso e violência que acontecem diariamente. O panorama é complexo, o que faz o recorte de gênero ser importante ao se tratar de saúde mental.
Listei os fatores psicossociais, mas ainda existem as predisposições genéticas e alterações hormonais que contribuem para que estudos indiquem mulheres como as mais afetadas pela depressão, e com duas vezes mais chances que os homens de desenvolverem transtornos de ansiedade.
Os Transtornos de Ansiedade e Depressão são chamados de mal do século; os fatores são variáveis, e as redes sociais estão entre eles.
Compreendo ansiedade como excesso, depressão como falta e o uso da internet em excesso como contraindicação.
Hiperexposição
É fato que estamos cada vez mais preocupados com a saúde mental, isso ocorre justamente pela percepção de perda; logo, já estamos faltosos e alertas. O fenômeno da hiperexposição nas redes sociais tem chamado atenção como fator de adoecimento, e o público de maior impacto são mulheres.
Construímos uma imagem nas redes sociais; há sempre uma intenção ao postar uma foto, um tweet, um textão ou um comentário; queremos o olhar do outro e que ele nos compreenda e valide a nossa ação. Isso tem gerado um aumento no sentimento de fragilidade na autoestima e na própria autoimagem; precisamos do outro para validar a nossa existência naquele micromundo que, muitas vezes, é apenas uma fantasia ou um recorte da realidade.
Fear Of Missing Out
Estudos apontam que, dentre as redes sociais, o Instagram é a que mais tem ocasionado danos à saúde mental. Causando privação de sono,variações de humor, baixa autoestima, sentimento de solidão e tendência a FOMO (do inglês Fear Of Missing Out, que significa medo de estar por fora). Adquirimos essa necessidade de consumir informações o tempo todo.
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Os fatores psicossociais,que contribuem para o desenvolvimento dos transtornos de ansiedade e depressão em mulheres se amplificam com o uso excessivo das redes. Existe uma idealização do eu, da vida, corpo e relacionamentos ideais. Quanto mais distante a realidade do que se acompanha nas redes sociais, maior o sentimento de insatisfação e frustração, elevando os sintomas ansiosos e depressivos.
Assédio e cyberbullying
Existem ainda os casos de assédio, discurso de ódio e cyberbullying. Essas manifestações têm sido frequentes e podem se tornar gatilhos para quem já sofre com algum tipo de transtorno mental. Estar por trás da tela parece validar comportamentos perversos e as meninas são as maiores vítimas de cyberbullying. É preciso ter prudência no uso do ambiente virtual.
O Brasil tem liderado os rankings em casos de ansiedade e depressão. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), nos tornamos o país mais ansioso e deprimido da América Latina. Claro que os cenários não são os mais otimistas: polarização política, altos índices de desemprego, violência, fragilidade das relações, tudo isso contribuiu para chegarmos nesse lugar. Se deixarmos que a tecnologia siga nos adoecendo, o projeto de uma sociedade saudável ficará cada vez mais distante.
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A psicanalista Teresa Pinheiro diz que o mundo faz sintomas nas épocas em reação a determinadas coisas. Talvez a ansiedade e a depressão com o seu embotamento afetivo sejam os sintomas da nossa geração superexposta e o avesso do mundo das redes sociais.
Por favor, entenda que as as redes sociais não são a causa dos transtornos de ansiedade e depressão, porém, o uso abusivo têm tido uma parcela significativa de influência na ampliação dos sintomas, e mulheres são as que mais têm sofrido.
Levanto essa discussão justamente para que possamos rever o nosso comportamento diante das novas tecnologias relacionais, o adoecimento psíquico é um processo, é bom estar atento ao que pode aumentar sua incidência.
Acho justo terminar esse texto com pequenas ações que podem melhorar a experiência de uso e favorecer a saúde mental (nossa e do outro).
- Observe suas mudanças de humor. Você se percebe mais angustiada e ansiosa após certo tempo usando as redes sociais? Se sim, tente diminuir o tempo de uso e se conecte a realidade, a pessoas;
- Observe as pessoas/perfis que você segue, aquilo é realmente interessante? Ou causa algum tipo de desconforto? Cerque-se de quem pode te fazer se sentir confiante, procure referências positivas;
- Quando estiver com amigos, família ou outro tipo de grupo, esteja presente, desconecte, ouça com atenção. Não tenha pressa em compartilhar o momento, primeiro viva o que está acontecendo.
- Evite discussões que possam te deixar angustiada. Ao comentar uma publicação, pense sempre se é uma opinião necessária ou se você está só entrando numa batalha de egos.
- Você pode investir parte do tempo gasto nas rede sociais em outras atividades da vida real. Pegue um livro para ler, saia para correr, pedalar ou outra atividade que não envolva o uso do celular.
- A última e mais importante: A maioria das coisas que se compartilha nas redes sociais, são partes editadas da realidade, são recortes… Não vale a pena se comparar com a grama verde do feed do vizinho.
Iniciativa Elas SobreOTatame
Este texto faz parte do Elas SobreOTatame: uma iniciativa do SobreOTatame que aborda temas do universo feminino ao longo do ano, em textos, podcasts, encontros presenciais e convidados especiais. Tudo isso sob o comando da mulherada do site.
No segundo bloco, ocorrido entre abril e junho, a temática foi sobre Maternidade:
- Nós e nossas mães: uma reflexão sobre a relação entre mãe e filhas
- Violência obstétrica: a maternidade não deve começar assim!
- Puerpério: seis relatos de experiências sobre a desromantização do pós-parto
- 2º Encontro Elas SobreOTatame: Maternidades
- Com apoio da SEMU, Encontro Elas SobreOTatame debate sobre “Maternidades” em nova edição
- Às mães solo, com amor e empatia
Cada bloco dura três meses, com uma temática escolhida. O primeiro foi sobre Prazer Feminino e Autoconhecimento. Durante os meses de janeiro a março, vários materiais sobre esta temática foram publicados:O que te faz gozar, mulher?
Podcast SoT EP01 – Do Luxo ao Lixo: experiências em apps de paquera