Cena do clipe de Ressaca, dirigido por Rick Ramos (Foto: Reprodução).
Há quem diga que as coisas que produzo são tristes e depressivas. Alguns podem até dizer que o meu discurso, às vezes, é preocupante e pra baixo. Há quem enxergue beleza no que falo e faço e quem enxergue apenas coisas negativas. Sinceramente? Seja o que for. Eu só não quero parar de conseguir falar.
Ressaca
substantivo feminino
1.
forte movimento das ondas sobre si mesmas, resultante de mar muito agitado, quando se chocam contra obstáculos no litoral.
A concepção desse vídeo, que posteriormente virou o videoclipe da música dos talentosos Ari Sousa e Sfanio, foi até bem simples. Simples na execução. Ao melhor estilo Glauber Rocha, com uma “câmera na mão e uma ideia na cabeça”, eu saí pelas ruas de São Paulo para registrar aquilo tudo que me incomodou na minha estadia na capital paulista. Mas antes de chegarmos exatamente nessa parte da história, vejo necessidade de falar sobre como fui parar em São Paulo.
A Pré-produção
São Paulo foi uma forma de tentar sair um pouco do ambiente que eu me encontrava em São Luís. O segundo semestre de 2019 começou me tirando algumas certezas que havia construído na vida — uma ingenuidade minha, talvez.
Saí do emprego, perdi pessoas e como qualquer pessoa que vive nesse mundo moderno, não sabia para onde eu devia ir. Como a dúvida foi menor que a saudade, fui para São Paulo visitar meu amigo de infância Gabriel Jovita — que inclusive aparece no vídeo bebendo cerveja. Lá, dividimos um Airbnb no Centro de São Paulo, onde ele se tornou meu guia turístico.
Sair nas ruas do Centro de São Paulo é estar em contato com imigrantes, dependentes químicos, pessoas em situação de ruas e muito mais. Para quem pensou em encontrar um pouco de calma ao viajar, se deparou com dor, descaso e medo.
Pessoas dormindo na rua sendo acordadas por “pessoas” jogando baldes de água, ligando mangueiras. Pessoas que se abrigavam debaixo do viaduto do Minhocão sendo levados por um caminhão escrito “Limpeza Urbana”. Pessoas de todas as idades andando com seus cachimbos de crack pra lá e pra cá. Aqui começa a concepção do vídeo.
Produzindo
Numa noite, após a primeira saída pelas ruas de São Paulo, falei com Ari sobre como a cidade me abalou e afetou. Acreditava que tinha cometido um grande erro ter ido para um lugar em que visivelmente estava me deixando mais pra baixo.
Ari, bom conhecedor das minhas paranoias simplesmente falou: “Que tal tu gravar isso, amigo? Talvez a gente possa até usar pra algo”. Eu topei sem nem saber o que exatamente eu queria gravar. Sabíamos só que podia ser o clipe de Ressaca.
Na manhã do dia 12 de setembro de 2019, exatamente no dia mais quente do ano de São Paulo, resolvi sair por conta própria. Lembrava algumas ruas que havia passado no dia anterior e me confiei em conseguir voltar para o apartamento sozinho. Fui com a câmera na mão, por alguma razão sem medo algum, e com os fones de ouvido com Ressaca no repeat.
Pelas ruas: pessoas vivas, histórias, dificuldades e superação. As pessoas que aparecem no vídeo são pessoas que assim como eu e tantos outros, vieram do Nordeste. Pessoas que assim como eu, estavam desempregadas. Pessoas que estavam com fome. Pessoas que estavam esquecidas. Pessoas que não queriam ser esquecidas. Cada conversa foi um pouco de aprendizado nesse processo. Alguns assustados pela câmera, outros que fizeram questão de posar nas imagens — como os engraxates, onde todos eram de um estado diferente do Nordeste — e que partilharam seus sonhos e suas histórias de vida.
São imagens que emocionam. Emocionaram a mim quando fiz e depois quando tive que montar cada imagem.
Pós-Produzindo
A parte mais difícil do processo tenha sido transformar todas essas imagens em uma narrativa. Ari precisou vir na minha casa e dar um “tapa na minha cara” pra eu sair de um estado onde tudo havia perdido o sentido. Digo até que esse dia em que ele passou a manhã comigo foi talvez o divisor de águas numa então melhora que viria me ocorrer. Ele me falou sobre botar pra frente o vídeo e que iria me fazer bem me ocupar com algo de trabalho.
Ele coberto de razão, me incentivou a começar. Voltei a sentir o tanto que senti na minha viagem olhando essas imagens. Fazer cada uma dessas histórias se entrelaçarem foi o grande desafio. Enquanto montava o vídeo, cada imagem ia encaixando perfeitamente com cada verso da música e quando dei por mim, já havia contado toda a história que queria.
Vendo o primeiro corte, uma surpresa: esse talvez tenha sido o primeiro trabalho que realizei que me fez ter orgulho de tudo que faço.
O que eu falo e faço não é depressivo e triste. O que eu falo vem do cotidiano, vem do banal e tudo o que passa no dia-a-dia das pessoas. O simples me inspira. Com o comum eu sinto alcançar as pessoas. Sendo direto e sem muita firula. Apenas ser sincero.
Sinceramente? Seja o que for. Eu só não quero parar de conseguir falar.