Arte Drag: estranhamento, estética e resistência

A artista maranhense Dominica (Foto: Divulgação/Ayrton Valle).

Ru Paul’s, Vera Verão, Pabllo Vittar, Salete Campari, Dimmy Kier, Léo Áquila Natasha Racha, Tália Bombinha, Michelle Summer, Nany People e Silvetty Montilla, o que esses nomes carregam em comum? Além da trajetória de luta e resistência na comunidade LGBT, todas essas pessoas compartilham a paixão pela Arte Drag. E eis que apresento mais um nome a vocês: Carlos Antonio Dominici G. Junior, mais conhecida como Dominica, 13 anos de carreira.

Iniciou no teatro da escola, após um convite começou a se montar em uma boate, posteriormente recebeu convites para fazer recepção e shows que foram surgindo. Nesse sentido, ela foi conquistando seu espaço até que começa a vender e produzir as próprias apresentações.

Dominica (Foto: Arquivo Pessoal).

Em 2013, ganhou o título de Rainha do Bate-Cabelo do Maranhão, onde permaneceu seu reinado por dois anos. Em 2014, Dominica foi consagrada Rainha do Bate Cabelo Norte e Nordeste. Porém, cansada das dores que sentia em fazer os shows, ela participou, a convite de um amigo,do Concurso Miss Maranhão Gay, onde foi a vencedora da edição 2014.

No ano de 2015, participou de dois concursos: Miss Brasil Gay Universo-SP e Miss Word Gay Brasil-CE, representando nosso estado. Dominica nos revela que desistiu deste último concurso no Ceará, porque, de acordo com ela, o título já estava vendido, o que a possibilitou ficar somente em segundo lugar.

Foi a partir desse episódio que, em 2017, Dominica decidiu abandonar o mundo de Miss e “se jogou” nas festas como DJ. Em 2018, lançou sua primeira música de trabalho, chamada Mais Que Danada, com clipe produzido em 2019.

Até o presente momento, Dominica vem trabalhando como DJ, compondo músicas e planejando novos videoclipes: “Considero-me como uma drag que é polida, bela, festeira e muito dedicada a conseguir meus objetivos. Quanto à estética, me vejo usando o que me deixa confortável. Apesar de sempre estar buscando novidades, acabo escolhendo o que me faz sentir bem”, disse a artista.

A segunda década do século 21 nos traz muitos questionamentos, dúvidas, reflexões, medos, interesses e espaço. É notável que o espaço virtual tem sido o mais usado pelas pessoas, principalmente os jovens da conhecida Geração Z, a geração marcada por ser “livre” em suas escolhas, no uso de seus corpos e linguagem – a geração talvez mais informada de toda história da humanidade.

É nesse contexto que a Arte Drag ganha mais força e representatividade no Brasil, tendo em vista a influência mundial que a maranhense Pabllo Vittar causa em seu público, não só por meio das suas canções, mas na moda e comportamento.

Historicamente, é nebulosa a origem do termo drag queen, ou da concepção desta arte, mas desde a Grécia clássica até os dias atuais, homens personificam a imagem feminina em diferentes aspectos, da maneira mais realista ao total estilizamento da forma.

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O próprio Chico Anysio (heterossexual) em seus mais de 50 personagens femininos concebeu a visibilidade televisa desta arte nos anos 70, 80 e 90 do século passado. Sabe-se que a drag queen sofreu metamorfoses reais tanto em sua estética como em sua função, mas nunca perdeu seu principal objetivo – a grande arte do estranhamento.

Muitos estudos a partir da sociologia e das novas teorias sociossexuais (Teoria Queer) apresentam em suas pesquisas que existe um grupo de pessoas que se travestem por um uso funcional do ato em si.

Dominica em cena do clipe “Mais Que Danada” (Foto: Reprodução/YouTube).

Sobre isso, Guacira Lopes Louro fala: “Queer é tudo isso: é estranho, raro, esquisito. Queer é, também, o sujeito da sexualidade desviante – homossexuais, bissexuais, transexuais, travestis e drags. É o excêntrico que não deseja ser ‘integrado’ e muito menos ‘tolerado’. Queer é um jeito de pensar e de ser que não aspira o centro nem o quer como referência; um jeito de pensar que desafia as normas regulatórias da sociedade, que assume o desconforto da ambiguidade, do ‘entre lugares’, do indicível. Queer é um corpo estranho, que incomoda, perturba, provoca e fascina (LOURO, 2012, p.8)”.

Sendo assim, nesse grupo queer estão os crossdresser e transformistas/drag queens (no caso de mulheres drag kings, mas isso fica pra um próximo debate). O que difere o funcionalismo de um grupo para outro está na questão explicada por Jaqueline de Jesus: “Crossdresser: Pessoa que frequentemente se veste, usa acessórios e/ou se maquia diferentemente do que é socialmente estabelecido para o seu gênero, sem se identificar como travesti ou transexual. (…) Transformista ou Drag Queen/ Drag King: Artista que se veste, de maneira estereotipada, conforme o gênero masculino ou feminino, para fins artísticos ou de entretenimento. A sua personagem não tem relação com sua identidade de gênero ou orientação sexual (JESUS, 2012, p.10)”.

Dominica (Foto: Arquivo Pessoal).

Mas, de acordo com Dominica, qualquer pessoa pode fazer drag. Basta que seja feito com verdade e dedicação à responsabilidade que a Arte pede. Segundo a artista: “A arte é assexuada. Logo, temos sim pessoas que são héteros que fazem drags. Apesar de a maioria ser gay, devemos quebrar esse preconceito”.

E, nesse sentido, devemos tomar cuidado para não confundir arte com identidade de gênero. Ou seja, ser drag queen não é ser uma pessoa transexual ou travesti. Didaticamente identidade de gênero está relacionada à construção do que é ser masculino, feminino ou anulação do binarismo masculino-feminino. Drag queen é arte, é performance, expressão de gênero e corpo, associada sempre ao entretenimento.

“Apesar de muitas se libertarem e se perceberem pessoas trans após o ‘fazer drag‘. Eu por exemplo, admiro, mas não tenho interesse em transicionar, já que isso (ser trans) é relacionado a quem você é de verdade, e não ao que você faz”, acrescenta Dominica.

Geralmente as pessoas tendenciam em seus estigmas discursivos apontar tudo como uma coisa só. Falo isso por experiência própria. Muitas pessoas desconhecem, mas eu, Alderico Segundo, já fui uma drag queen, por um curto período de tempo.

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Fundamos um coletivo de drags aqui em São Luís do Maranhão, chamado “Aquenda-se”; “aquendar” pra quem desconhece o pajubá (dialeto LGBT) significa “trucar” (esconder) a neka (pênis) quando está montada (vestida). Mas o mundo da noite revela segredos não tão secretos e, por vezes, sombrio, solitário, falso, angustiante, carente, depressivo, ao mesmo tempo que vem acompanhado com uma energia sedutora, alegre, amigável, acolhedora, quase como um refúgio às dores, desprazeres, infortúnios e infelicidade que carregamos por sermos pessoas LGBTs.

Entretanto, não quero aqui fazer uma fala pessimista, quero apresentar a vocês minha madrinha na Arte Drag. Todas as pessoas que passam pela iniciação têm sua “mãe” e a minha se chama Dominica. Sim. Ela foi a pessoa que passei a admirar e ter como referência desde então (deixo registro de minha primeira montação a seguir):

Alika (Foto: Arquivo Pessoal).

O nome da minha personagem era (ou ainda é) Alika, um nome de origem africana que significa “a mais linda”. Se sentir a mais linda é o que nos torna drag queen. Não importa sua origem, como você se veste, a forma do teu picumã (cabelo/peruca), não importa se você dança ou canta ou é ator/atriz ou faz tudo isso junto.

Resistir com a Arte Drag me parece ser mais importante, eu, particularmente, resisti. Apesar de não ser mais uma drag queen, de maneira profissional, mas a Alika me tornou mais forte e ainda me ensina, como uma espécie de guru interno, algumas coisas que eu preciso saber sobre o mundo LGBT que, ainda, me parece bem mais GGGG do que acolhedor à diversidade e feminilidade.

Um mundo que ainda reproduz a heteronormatividade, o distanciamento econômico e social, a desigualdade de gênero e étnica, entre outros aspectos que a Arte Drag também nos ajuda a compreender.

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Para Dominica, ser drag é um ato político e este ato está carregado de responsabilidade e que toda visibilidade dos dias atuais deve ser usada para conseguirmos caminhar e não retroceder. Sim. Drag é tudo aquilo que você deseja expressar; seja com o corpo, mente, dança, maquiagem, figurinos e o mais importante, nas atitudes.

A drag deve ser vista drag, hoje, como a porta para muitas conquistas para o meio LGBTQIA+: “Agradeço sempre o espaço. Pretendo cada vez mais consolidar e expandir meu trabalho, tanto como DJ e como cantora. Em breve, espero poder lançar meu primeiro EP. Finalizo pedindo que não desmereçam nunca o trabalho do próximo. Não querem apoiar? Ok, mas não falem mal, pois já existem muitos obstáculos para quem principalmente está começando. Continuem acompanhando meu trabalho e até breve. Eu disse até breve!!”, finaliza Dominica.

Alderico Segundo Santos Almeida é sociólogo, professor, mestrando em Educação, especialista em Gênero e Diversidade na Escola, poeta e escritor. Para conhecer mais do trabalho dele, pela @ do Instagram: @_aldericosegundo

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