Cena do filme “Mesmo Se Nada Der Certo” (Foto: Reprodução).
Existe um motivo particular em não ter visto Mesmo Se Nada Der Certo (Begin Again, no título original – sim, temos mais um caso de uma tradução complicada), de John Carney, em seu ano de lançamento (2013).
E o motivo é bem besta. O filme ficou conhecido, entre tantas razões, por contar com a participação de Adam Levine (vocalista do Maroon5) “atuando” e cantando algumas faixas da trilha sonora – incluindo o single “Lost Stars“. Sou fã da banda e me dava agonia vê-los, por culpa do Levine, se afastando da pegada jazz dos primeiros discos – a última fagulha, naquela época, foi vista na sensacional Give A Little More, segundo single do mediano Hands All Over, de 2010.
É, foi uma decisão errada. Carney criou uma aventura cinematográfica que flerta, em seus 104 minutos, o tempo todo com a música. É mais que um flerte, é uma jornada musical, mesmo quando os personagens não cantam ou estão no universo da música.
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E é desse percurso envolto em musicalidade que venho me debruçar aqui. Carney, ex-baixista do The Frames, foi também diretor dos igualmente importantes musicalmente Once (conhecido no Brasil como “Apenas Uma Vez”, de 2007) e Sing Street (de 2013).
É interessante como o diretor, que trabalhou no roteiro destes três filmes citados, transformou a música em um terceiro (e importante) personagem em cada um dos longas. A música, em trilhas originais, e mesmo naquelas de artistas famosos (como The Cure e Duran Duran em Sing Street), por exemplo, também tem seus altos e baixos, com introspecção e agito de acordo com o desenrolar do roteiro.
Em Mesmo Se Nada Der Certo, o ponto central deste texto, estas fases são menos demarcadas, ao menos na concepção entre tristeza e felicidade, por exemplo. Aqui, a música vai da timidez entre os personagens centrais, vividos por Mark Ruffalo e Keira Knightley, até a sincronia perfeita quando o projeto deles os permite um recomeço mútuo.
A cena do personagem de Ruffalo, Dan Mulligan, um produtor musical com problemas na carreira, vendo a jovem Gretta James, vivida por Keira Knightley, que está em um processo de recomeço após um fim de relacionamento.
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O encontro inicial dos dois, da introspecção que Gretta canta até a forma como Dan enxerga os arranjos na música da personagem, mostra como o filme desenrola, através da outra personagem, a “música”, um triângulo de afeto que guia toda a narrativa.
A partir daí, o filme explora os sentimentos de Dan (o fim de um casamento, a escassez de ideias e a falta de jeito para lidar com a filha adolescente) e de Gretta (a sensação de explorar algo novo na vida e de arriscar, seja em uma nova cidade ou com novos amigos), mostrando que ambos estão deixando velhos fantasmas de lado. E isso é percebido enquanto a outra personagem, a música, vai ganhando características próprias.
A música em Mesmo Se Nada Der Certo começa como uma criança, engatinhando até aprender a fazer os movimentos necessários e, quando damos por conta, é um adulto tendo que lidar com seus próprios sentimentos e as consequências dele.
O vídeo de Tell Me If You Wanna Go Home é um exemplo muito claro da narrativa musical que o filme opta. A corrida foi iniciada, seus sentimentos estão ali, mas o aprendizado virá com o tempo. No momento em que isso acontece, vários elementos pessoais e ao redor de si começam a fluir, mas sem evitar que cada personagem precise tomar suas próprias decisões. E isso não é ruim.
Mesmo Se Nada Der Certo fala dos sorrisos tristes, das vezes que concordamos por concordar, de quando arriscamos, erramos e nos culpamos, de quando não pedimos ajuda – e nem nos socorrem – , mas fala sobretudo como sempre podemos ressignificar tudo isso.
A música, a terceira personagem que sempre lembro aqui, está sempre por ali pra recordar de tudo isso, ainda que em algumas cenas ela seja um fone, um acorde, um instrumento, um assobio, um sim, um não ou apenas ela mesma.