Coisa Mais Linda é uma produção brasileira (Netflix) com qualidades que abraçaram a minha atenção do primeiro ao sétimo episódio. A primeira delas é conseguir levantar debates tão atuais, retratando a virada da década de 50 para 60, no Rio de Janeiro e em São Paulo. Violência doméstica, assédio no mundo do trabalho, aborto, racismo e abandono parental. Coisa mais linda traz tudo isso e muito mais, ao desenrolar a vida de quatro mulheres: Malu, Adélia, Thereza e Lígia.
A contemporaneidade das discussões aproxima o expectador, entristece e faz refletir sobre o quanto ainda temos que batalhar diariamente pela equidade de gênero, mesmo quase 60 anos depois da época retratada.
A segunda qualidade do seriado é que ele retrata mulheres e feminismos. Assim, no plural mesmo. Diálogos e situações expõem as diferenças entre cariocas e paulistas, entre mulheres negras e brancas, pobres e ricas, heterossexuais e bissexuais. Coisa Mais Linda mostra que somos plurais, múltiplas, diferentes e, mais que isso, demonstra que essas diferenças não precisam nos separar, nos desunir.
Isso me fez lembrar um texto que li recentemente da Avtar Brah, intitulado Diferença, diversidade, diferenciação, no qual ela explica que a diferença não precisa ser um marcador de opressão. A diferença, se reconhecida e respeitada, pode gerar políticas que promovam o igualitarismo, a diversidade e a democracia.
Malu, Adélia, Thereza e Lígia são diferentes e suas relações são construídas ao longo da série questionando as opressões diárias por meio da amizade e muita sororidade. E essa é a palavra-chave de Coisa mais linda para mim: sororidade, que significa o companheirismo e a empatia entre mulheres, promovendo a união. Ela aparece nos detalhes e não é idealizada, redonda e clichê. Ela é confrontada, seja pelo racismo, ou por experiências passadas. Como quando a desconstruída Thereza não consegue lidar com o aborto da amiga, ou quando a Malu não consegue olhar além das suas próprias lutas e ignora as dores de Adélia, mulher negra e pobre. Ainda assim, as quatro personagens conseguem atravessar seus marcadores diferenciais e construir um todo muito bonito de apoio e respeito mútuo.
O único ponto que, pra mim, fragiliza a discussão sobre essa multiplicidade de mulheres é justamente o padrão estético feminino da mulher magra, que a série acaba por reforçar, ao não incluir atrizes gordas ou mais curvilíneas. A magreza de todas as personagens centrais não me agradou, ainda mais se pensarmos que o padrão de beleza dos anos 50 e 60 não seria bem esse.
Coisa mais linda expõe o diferente, mas pode trazer ainda mais, se corrigir esse pequeno detalhe na próxima temporada, que eu já estou aguardando ansiosamente.
Ficha técnica:
Disponível em: Netflix;
Temporada: primeira;
Direção: Heather Roth e Giuliano Cedroni;
Gênero: Drama/Romance.
Outras dicas de produções na Netflix:
Menstruação: tabu em pleno século XXI – sobre o documentário indiano Period. End of Sentence. (conhecido no Brasil como Absorvendo o Tabu);
Love, Death & Robots: do bizarro ao surreal com uma pitada de Black Mirror;
Os Defensores: dilemas, legados e destinos se cruzam.