Consumindo cultura em tempos de internet: como driblar os algoritmos?

Escolher o que acessar na internet

Reflexões e sugestões para você montar o seu “cardápio” de conteúdo na internet.

Um dos pontos altos do meu ano foi participar de uma roda de conversa no Festival BR 135, o tema era Tendências e futuro das mídias de música, cultura e comportamento na internet.

Junto comigo (representando o SobreOTatame), estavam Tony Aiex (Tenho mais discos que amigos), Pedro Antunes (Tem um gato na minha vitrola) e Fabiane Pereira (Papo de Música), feras do jornalismo musical. Entre os vários temas que surgiram na roda, um dos mais interessantes foi sobre os tão famosos algoritmos.

Será que realmente consumimos o que queremos ou somos levados a consumir o que aparece para nós?

Inclusive, a própria pergunta “como driblar os algoritmos?” foi pontuada de forma pertinente pelo Tony Aiex, que rendeu um momento de várias discussões no festival – e agora, neste texto.

Os algoritmos não surgem sozinhos: o que você acessa, curte, comenta, enfim, de alguma forma, interage e gera informações que fazem os algoritmos devolverem a você conteúdos muito parecidos com o que você consome e que, portanto, você vai continuar acessando, curtindo, comentando…

Tela inicial do Youtube com vídeos recomendados para a usuário Steffi de Castro

Um exemplo: esta é a página inicial do Youtube quando eu faço login. Temos “Humor Cult”, Música, Música, Música, Humor escrachado, ASMR, Poesia/Música e Música de novo. É o que eu consumo na maioria das vezes. E é isso que eles continuarão recomendando para mim sempre que eu abrir o youtube.

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Para que eles “acertem”, eu utilizo de mecanismos básicos: clico em curti nos vídeos que gosto, em não curti nos que não gosto ou sequer curto (às vezes, quando não gosto mesmo, clico pedindo para não aparecer mais nada semelhante — sim, existe essa função!). Além disso, você pode comentar, compartilhar e etc. É isso que vai montando o seu “cardápio”.

Imagem de uma playlist chamada "Descobertas da Semana" feita pelo Spotify para a usuária Teffi de Castro

Aqui temos as Descobertas da Semana do Spotify para mim. Funciona da mesma maneira: curto músicas que gosto, clico em não gostei nas que não gostei, especifico se não gostei do artista ou só da música.

Às vezes nem escuto essa playlist, fico por dias ouvindo outras coisas que eu mesma vou procurando e fazendo a mesma coisa, isso também altera essa playlistizinha.

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Se alguma coisa me chama atenção, principalmente se eu não conheço, me dedico um pouco mais a ouvir algum outro trabalho completo (por exemplo, enquanto escrevo este texto, estou ouvindo a Carla Casarim e amando!).

tela inicial de aplicativo de instagram, onde aparece uma foto do perfil do artista Sabotage. Há uma criança negra, cabelo black, segurando um disco do rapper

Quando abro meu Instagram, a primeira postagem que aparece para mim é uma postagem do Instagram do Sabotage. Isso me faz querer clicar na foto, saber quem é essa criança, ler a legenda, ver as hashtags, olho a capa do disco, sinto vontade de ouvir de novo e etc… É a primeira coisa que aparece porque em geral música/ilustração/feminismo são as coisas que eu vejo no Instagram — além, claro, de humor bem besta.

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Ao mesmo tempo que é bom você saber que tem um certo “controle” do que vai aparecendo para você, é também importante ter uma noção do quanto isso muitas vezes te controla, te deixa numa “bolha”. E é difícil furar a bolha. Por exemplo, eu tenho pouquíssima noção do que está acontecendo no universo da música POP, só sei que a Beyoncé é linda. 

O que fazer então para furar a bolha e driblar os algoritmos?

É comum encontrar artigos que deem dicas para influenciadores, marcas, sites e etc., para driblar os algoritmos, principalmente os que trabalham com um fluxo mais orgânico (tudo o que não é pago). Mas e nós que estamos apenas consumindo? Quais são as dicas?

É meio que “impossível” driblar os algoritmos, já que tudo o que você acessa gera informação. Talvez tenhamos que mudar a pergunta: o que posso fazer para tentar deixar o cardápio que é oferecido para mim o mais diverso possível? Ou ainda: como me aprofundar o máximo possível naquilo que desejo, para além do “cardápio”?

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São objetivos diferentes. Depois que você responder a essa pergunta, vai ficar mais fácil decidir como se comportar na internet e consumir produtos que realmente te interessam. E, olha só, até mesmo descobrir o que afinal de contas te interessa mesmo.

E, no final, pode ser que seja o que já está sendo oferecido e tudo bem, sem problemas, mas há grandes probabilidades de você descobrir muitas coisas ainda que sequer foram presentadas.

Como fazer isso então? Bora lá!

Cuidado com o hype, mas não o desconsidere

Essa é uma das primeiras lições que aprendi na roda de conversa com essa galera massa. Honestamente, pode parece um pouco de arrogância da minha parte, mas eu tenho uma tendência muito grande a não considerar nada no hype. É um erro grave e ando me policiando.

Apesar de Nelson Rodrigues há muito tempo ter dito que “Toda a unanimidade é burra”, eu preciso admitir que, às vezes, o que é “unânime” é bom sim (se existe possibilidade de haver unanimidade para alguma coisa — eu acho bem difícil). Por outro lado (e aqui entra a minha questão), o que está no hype geralmente abafa muita coisa que é tão boa quanto (até mais!) e justamente por não conseguir essa visibilidade toda naquele momento em que foi lançada, vai ter muita dificuldade de conseguir o reconhecimento que merecia— SE conseguir.

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No universo da música, por exemplo, isso é muito frequente: trabalhos incríveis são lançados no mesmo momento de outros trabalhos de artistas mais populares, mais hypados mesmo e, portanto, ficarão ali de escanteio disponíveis a uma pequena bolha. Já pensaram no quanto a gente perde?

De qualquer forma, é preciso reconhecer que tem muita gente interessante e bons trabalhos no hype do consumismo cultural. 

Opinião puramente pessoal: apesar disso, se você ouvir, assistir, ler depois não vai ter problema, eles já têm fama (risos).

Correndo, novamente, o risco parecer um pouco arrogante, mas tudo bem, o que eu quero aqui é te instigar a mergulhar um pouco mais em ti! 

As curadorias da internet

Experimente sair um pouco da tela inicial dos seus aplicativos (Spotify, Youtube, Netflix, Deezer, Instagram e etc.). Pergunte e responda para si:

  • Quem julga o que é bom?
  • Quais são os critérios?
  • Quais são os sites que mais gosto de ler?
  • Quem são os comunicadores (blogueiros/blogueiras, colunistas, jornalistas) que acompanho?
  • Quais são os principais prêmios da literatura, da música e do cinema no Brasil e no mundo na atualidade e há muito tempo?
  • Quem ganhou nesses prêmios nos últimos tempos?
  • Nestes prêmios, quem foram os indicados?
  • Quais críticos/críticas culturais acompanho?

Acompanhar esses movimentos feitos pela mídia tradicional/independente é muito bom, vale o exercício e estamos aqui para isso! É como se fosse uma grande curadoria de conteúdo.

Ah, só uma coisinha: quando falo comunicadores, não quero dizer digitais influencers, viu? Alguns digitais influencers produzem conteúdo e indicam coisas muito legais, mas nem todos os comunicadores envolvidos nesses projetos por trás das produções disso tudo são influencers. Inclusive, queria que alguém fizesse para mim uma curadoria de digitais influencers para acompanhar! Pode me mandar!

Faça sua própria curadoria também.

Aquele álbum que você gostou, quem produziu? Procure outros trabalhos do mesmo produtor. Aquele filme ótimo, quem dirigiu? Vá atrás de outros filmes sob a mesma direção.

Está lendo um livro que está gostando e no meio da leitura uma poesia, música, filme, outro livro é citado? Vai atrás.

Quem é o artista favorito do seu artista favorito? Pesquise.

Aperte o botão da sua curiosidade.

A ideia de fazer sua própria curadoria de conteúdo requer pesquisa, deve ativar seu lado curioso e muito provavelmente vai te levar a ter um contato direto com algo do qual você só ouviu falar bem pouco ou nunca ouvir falar nada, isso tudo é muito importante para responder à pergunta: eu realmente gosto do que estou consumindo ou só fui levado a gostar disso?

Todos temos uma bolha

Não daremos conta de tudo. É impossível. Nem tente, você vai adoecer. Vários livros, filmes e músicas são lançados diariamente, dentro ou fora da sua bolha, além disso, todos temos uma bolha, às vezes ela é um pouco mais eclética, outras vezes bem restrita com pouca ou muita profundidade.

Isso você quem decide.

Compartilhe o que você achou!

Compartilhar é a parte mais gostosa de todo esse processo. É compartilhando que você apresenta para aquela sua amiga a cantora que você acabou de conhecer, é compartilhando algo que pode surgir uma conversa completamente aleatória com alguém desconhecido. É compartilhando que você faz um trabalho maravilhoso ser mais reconhecido.

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Para o artista grande, talvez você ache que ele não precisa tanto (mas precisa!), mas para o artista “pequeno”, em ascensão ainda, isso vale muito!

É também compartilhando que a gente, que gosta desse trabalho de fazer curadorias, pesquisa e produção de conteúdo para vocês, sentimos nosso trabalho ser valorizado!


Se você chegou até o final desse texto, você é uma dessas pessoas que se preocupa com o que está consumindo, quer consumir mais do que gosta ou conteúdos e produções melhores e/ou diferentes. Isso é muito bom e estamos aqui para te ajudar nessa tarefa mágica.

Então, diz pra gente: onde, aqui navegando pela internet, você encontra boas dicas do que ouvir/ler/assistir? Vamos reverberar!

Steffi de Castro é psicóloga. Atua em São Luís como designer instrucional e escritora. É redatora no SobreOTatame, escreve e estuda sobre música, feminismo e comportamento. É estudante de tarô, dançarina amadora, podcaster, adora ASMR e a vida offline.

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