Crônica de um amor em queda livre

Dê o play e deixe o sentimento fluir com a leitura:

Havia uma inquietação no ar e ela não conseguia entender bem a sensação.

Tinha uma angústia no peito, aquela dor pesada, como se ela carregasse um peso maior do que podia suportar – uma dor que fazia o peito todo doer, fazia ela levar as mãos ao coração e pensar que: ou sua hora havia chegado ou aquela dor ia quebra-la até não sobrar nada.

Respirou. Doeu!

Levantou e procurou um cigarro na bolsa. Nada.

Sentou novamente, segurou a cabeça entre as mãos e lembrou daquela última declaração antes do fim. Dissera que amar a ele era como estar à beira de um precipício, sentir toda aquela sensação de liberdade; o coração pulsando; o vento no rosto e o perigo eminente da queda. Caiu.

Antes de chegar ao chão, da morte certa, lembrou de como era estar aninhada ao abraço dele, acordar naquele abraço foi a melhor coisa que havia lhe acontecido. Lembrou com certa malícia que ninguém havia lhe tocado e entendido seu corpo tão bem e rápido quanto ele. Nenhum primeiro beijo havia sido tão tímido e cheio de vontade como o deles e, claro, sorriu sentindo o vento, nenhum rosto ficara tão lindo sujo de batom vermelho como o dele. Avistou o chão, sentiu o medo pulsando e o coração pedindo um pouco mais de tempo – O coração é sempre o último a dizer adeus, mesmo sabendo que não há mais nada vivo. Agora faltava pouco, podia prever o impacto e a dor.

Caiu. Um baque surdo.

Houve silêncio naquele universo paralelo, um silêncio respeitoso. Ela, toda quebrada e cheia de fraturas expostas, avistou o céu e o alto daquele precipício de onde caíra. Sentiu os últimos batimentos daquele amor, fracos e ecoando alto. Lembrou da liberdade e do vento no rosto. Sentiu um espasmo de dor e a última lágrima cair. Fechou os olhos e foi dizendo adeus com o máximo de demora possível.

Disse adeus.

Levantou-se daquele estupor, limpou o rosto manchado de lágrimas, vestiu uma camisa velha e foi atrás do cigarro. Pensou que gostaria de ter um novo amor, algum dia. Menos avassalador, mais calmo e com menos fraturas. Mas nada, nunca mais seria, como olhar aquele rosto barbudo sujo de batom vermelho.

Joceline Conrado é psicóloga de orientação psicanalítica. Atua em São Luís como psicóloga clínica e no terceiro setor, na gestão e implementação de projetos sociais. É redatora e da área de planejamento no SobreOTatame. Se interessa por temas relacionados a gênero, psicanálise e questões raciais. Gateira e leitora compulsiva.

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