Clima de cidade do interior. Uma beira mar. Rio. Cais. Barcos e dunas. Barreirinhas, além de ser o berço de um dos lugares mais bonitos do mundo, também é palco de um festival que vem, há dez anos, marcando seu espaço no circuito de festivais gratuitos e independentes, com atrações de uma qualidade de peso – assim é o Lençóis Jazz e Blues Festival, que já está na sua décima edição.

Décima edição e eu, marinheira de primeira viagem, tive a oportunidade de vivenciar alguns dias do evento. Não sendo uma surpresa que assim seria, voltei para São Luís completamente extasiada com toda a experiência musical vivida naquele lugar. Conto o porquê.

A primeira noite teve em sua abertura o artista maranhense Renato Serra (MA), aquecendo todo mundo com seus sons no teclado para esse festival memorável.

“Porque se chamava moço, também se chamava estrada…”, assim começa o show de Lô Borges (MG), fazendo com que esses primeiros acordes entrassem na alma de todos aqueles que possuem as músicas do disco “Clube da Esquina” (1972) na trilha de sua vida, de pais à filhos, fazendo-nos mergulhar numa grande e deliciosa nostalgia.

(Foto: Ingrid Barros / SobreOTatame.com)
(Foto: Ingrid Barros / SobreOTatame.com)

Este disco atemporal e um dos maiores da música brasileira, é uma parceria do Milton Nascimento com o Lô – aliás, durante todo o show, ele fazia referência ao seu grande amigo, do qual chama carinhosamente de Bituca.

A noite foi encerrada com Jefferson Gonçalves e Gustavo Andrade (RJ/MA) destaques no Brasil e no mundo em seus instrumentos: gaita e guitarra, em que após a mistura de calmaria com êxtase do show de Lô Borges, fizeram todo mundo transformar a frente do palco numa verdadeira pista de dança, ultrapassando até mesmo o horário de encerramento diante de uma noite fantástica, cheio de harmonia e envolvimento entre os artistas e o público.

O lance de um festival em Barreirinhas é que, além do visual do Rio Preguiças ao lado do palco, você pode aproveitar e fazer os passeios para os Lençóis Maranhenses e suas azuis, verdes e belíssimas lagoas. Além, claro, dos passeios no rio ou por Caburé. São diversas as possibilidades para aproveitar os intervalos do festival. Paraíso para os ouvidos, paraíso para os olhos. Foi isso que fiz no segundo dia de festival.

Delcley Machado. (Foto: Pedro Henrique / SobreOTatame.com)
Delcley Machado. (Foto: Pedro Henrique / SobreOTatame.com)

A noite do sábado teve início com a apresentação do Delcley Machado (PA), guitarrista que teve como convidado o pianista recifense Amaro Freitas, uma das gratas revelações da música instrumental brasileira, cujo disco de estreia, “Sangue negro”, de 2016, recebeu muitos elogios da crítica especializada.

Depois, foi a fez do Pablo Fagundes (DF) e Crystilez (EUA), uma experiência musical fantástica na mistura da gaita do Pablo com o beatbox do Crystilez, este que já chamava a atenção entre o público: alto, circulava com desenvoltura, trajando chapéu e colete, fisionomia que lembra o jovem Jimi Hendrix.

As intervenções de Hip Hop, com rimas criadas na hora, e as improvisações virtuosas da gaita, além da percussão com colheres soldadas uma na outra, constroem sua identidade musical. A parceria dos dois surgiu a partir de um projeto de intercâmbio, com o brasileiro visitando os Estados Unidos e o americano, o Brasil. A química no palco é perfeita, com o beatbox de Crystilez simulando toda uma orquestra de percussão e efeitos. A determinada altura, ele prendeu um derbak entre as pernas, o que lhe deu ares de tocador de tambor de crioula.

Adriano Grineberg encerrou a segunda noite do 10º. Lençóis Jazz e Blues Festival com seu jazz ancorado de africanidades, o Maranhão incluído, sem oportunismo, isto é, não especificamente pelo fato de ele estar se apresentando por aqui. “Blues for Africa”, seu trabalho mais recente, é fruto de pesquisa sobre a influência da música africana ao redor do mundo e por vários gêneros, no que o Maranhão é, sem dúvida, um destaque, certamente merecendo um estudo à parte.

No caso particular de Grineberg, sua música é também um convite à dança, prontamente aceito por boa parte do público presente. Seria possível falar em final apoteótico, mas este ficou pra depois, quando a DJ Vanessa Serra transformou a Beira-Rio em clube de reggae, fazendo valer a velha máxima: “tudo é jazz”.

Na última noite, o Juarez Moreira (MG), reconhecido como um dos mais talentosos violonistas e guitarristas do Brasil, apresentou um passeio por diversos gêneros, incluindo novos arranjos para releituras de “Here, there and everywhere” (Lennon/ McCartney) e “Blackbird” (Lennon/McCartney), do repertório dos Beatles, ou para “Chega de saudade”, clássico dos clássicos bossa-novista, da dupla Tom Jobim e Vinicius de Moraes.

Logo após, Silvana Agla (RJ) subiu ao palco acompanhada de Kiko Chaves (violão e guitarra) e Vitor Camelo (teclado) para um show impressionante, pela diversidade do repertório, abarcando diversos gêneros, nacionalidades e línguas, e pelo inusitado dos arranjos, tendo o violoncelo por protagonista.

A DJ Vanessa Serra (MA), a exemplo das duas noites anteriores, não deixava a peteca cair. Nos intervalos, mantinha o público atento, preparando o terreno para a próxima atração, com feeling recompensado com muitos pedidos de selfies, sempre gentilmente atendidos, e de músicas. Não foram poucos os que se dirigiram até ela para elogiar-lhe as sequências.

DJ Vanessa Serra. (Foto: Pedro Henrique / SobreOTatame.com)
DJ Vanessa Serra. (Foto: Pedro Henrique / SobreOTatame.com)

Pra encerrar a noite, Fauzi Beydoun (MA) lembrou os mais de 30 anos à frente da Tribo de Jah ao comentar este novo projeto solo, dedicado ao blues, soul music e bossa nova. “O cara tá ficando velho, mas sempre é tempo de começar”, gracejou. Ao final, todos cantaram juntos, o clássico Regueiros guerreiros, um verdadeiro hino maranhense!

Nos três dias do evento, mais de 600 pessoas visitaram a exposição fotográfica 10 anos do Lençóis jazz e blues festival, que retratou um amplo leque de artistas que se apresentaram no festival – entre eles, o recém-falecido JJ Jackson. Mais de 100 estudantes participaram das duas oficinas ministradas em Barreirinhas. Nas noites de sexta e sábado pós-show, o artista Daniel Lobo (MA) também se apresentava em uma Jam Sessions no Bar Z18, localizado na avenida principal. Mais 6 mil pessoas prestigiaram as três noites de apresentações musicais no palco armado na AV. Beira-Rio.

O 10º Lençóis Jazz e Blues Festival continua neste fim de semana (sexta, 17, e sábado, 18), na Concha Acústica Reinaldo Faray (Lagoa da Jansen). Entre as atrações escaladas para o circuito São Luís, estão Ed Motta, Gabriel Grossi, Hamilton de Holanda e João Donato. A programação completa pode ser acessada no site  www.lencoisjazzeblues.com.br. Toda a programação é gratuita.

E ai, vamos lá?

Nota do editor: Realização de Tutuca Viana Produções, o 10º Lençóis Jazz e Blues Festival tem patrocínio da Companhia Energética do Maranhão (Cemar), através da Lei Estadual de Incentivo à Cultura do Maranhão, e de Banco do Nordeste e Potiguar, através da Lei Federal de Incentivo à Cultura (Lei Rouanet).

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Ingrid é maranhense, documentarista e comunicadora multimídia em temáticas que envolvem povos e comunidades tradicionais do Maranhão, Direitos Humanos e Cultura Popular.

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