Não me leve a mal, é véspera de Carnaval, mas tomando partida desse lugar de fala e desse ambiente de escrita, e partindo da análise seca do material que lançamos semana passada e que reverberou de um jeito maravilhoso e forte, concluí que ainda há a necessidade de falar sobre assédio:
Parece existir uma carência de sempre retornar ao a-b-c-d para educar não apenas aos homens, mas a outras mulheres, com menos privilégio, com menos voz.
E talvez esse incômodo e necessidade de fala surja não apenas pelo meu desejo e das outras mulheres de ter um Carnaval limpo e sem uso de mãos impositivas sobre nossos corpos, mas, principalmente, pelo desejo de perpetuação de um cotidiano sem assédio, seja no Carnaval, no São João, no trabalho, no dia a dia, na vida.
Imagino que, daqui a quatro décadas, tenhamos outras militâncias lideradas pelo movimento de união feminina, com mais mulheres, com mais vozes e com menos violência. Mas penso nesse futuro como resultante do presente, do ativismo, em não se calar.
Como ocorreu em 2017, com a criação do Times’s Up, idealizado por atrizes de Hollywood, uma enxurrada de denúncias contra grandes nomes da indústria cinematográfica – e não eram casos recentes. Sabemos da dificuldade em fazer frente a quem está em posição superior, o medo das ameaças, de não ser ouvida e ter sua palavra deslegitimada, mas é preciso resistência para que as denúncias sejam levadas em frente. E foram!
Oprah Winfrey deixou claro em seu discurso durante o Globo de Ouro que os tempos hoje são outros:
https://www.youtube.com/watch?v=ByoNHBETGLY
No Brasil, temos nossa própria gigante midiática, com seus mini gigantes que acreditam poder ter tudo e todas mesmo na força ou do braço ou do verbo que submete o menor hierarquicamente, mas depois chora dizendo que errou. E as mulheres daqui também se levantaram e fizeram frente e continuam fazendo.
A palavra falada e escrita não volta vazia. Então, acaba que essas mulheres maiores, no sentido figurado, porque elas têm um alcance maior de fala e privilégios, essas mulheres tomaram para si a luta e tem influenciado outras mulheres a não se calar. É preciso falar!
Uma amiga disse que já não lê matérias sobre assédio se elas não trouxerem o testemunho de uma vítima no ato da fala, mas a questão é que desse ponto de vista espera-se que aconteça, mas partindo do ponto da prevenção, tem-se que falar exaustivamente para que não existam vítimas. Os abusos em Hollywood datavam da década de 90 – ou seja, muitas décadas foram necessárias para que algo pudesse ser feito, para que nomes fossem expostos.
Nossas empresas, nosso dia a dia, o cotidiano está cheio de relações de assédio, de submissão, de imposição, podemos falar da institucionalização do assédio e do machismo na sociedade, é um problema estrutural dos modos de viver, porque desfaz a ideia de que o agressor é um estranho esperando no canto mais remoto da rua e torna ele nosso colega de trabalho cheio de mãos e cantadas maliciosas, e só se desfaz a base da resistência, da luta, da voz ativa.
Mulheres se sentem mais seguras quando encontram ancoragem em outras mulheres. Corajosas são as que se expõem pensando em evitar que outras tenham as mesmas vivências de dor.
Então, falaremos sobre assédio. No Carnaval, na Páscoa, no São João, em feriados e dias úteis. Quantas vezes forem necessárias e pelo tempo que for necessário. Não nos calaremos!