Eu leio, você escreve – Precisamos discutir essa relação

Era uma conversa normal de bar (Veneto, para os mais íntimos), sou aquela pessoa apaixonada por boas conversas [de qualquer tipo] e digo sempre: as melhores teorias de dominação mundial surgem naqueles momentos, entre uma cerveja e outra.

Pois bem, os assuntos foram rolando no modo aleatório, em tempos de crise política, social e ideológica, fala-se sobre tudo. Na mesa, a maioria tinha alguma relação direta ou indireta com a escrita e falava sobre deixar um legado, sobre problematizar os assuntos certos e ajudar nessa construção de ideais – Influenciar positivamente.

O que me deixou no modo “repense” foi um assunto que entrou e passou batido: A responsabilidade pessoal e intransponível de quem escreve, sobre/para você, que está lendo esse texto. Boa parte das nossas convicções e ideologias são formadas com base naquilo que lemos, que absorvemos e internalizamos como conceitos.

Veja só.

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Será que posto esse textão? Mando aquela indireta? Li isso mesmo? (Foto: Reprodução / petebritney)

Você que escreve, já parou para pensar no looping de emoções que circulam a pessoa que está lendo seu texto [pensar mesmo, pow! Colocar na balança o real motivo para aquilo ser lançado no mundo]? E você, que ler, já tentou medir o grau de influência emocional que um determinado texto lhe causa? [Leia um texto por aí, de qualquer lugar ou livro, pense nele e só nele por uns cinco minutinhos e volte aqui!]

Pegou a sacada?

É um jogo não mensurável. Por exemplo, aquele carinha ou aquela guria que escrevem muito bem sobre amor e relacionamentos não conseguem prever a forma como isso vai te atingir. Se o efeito for o inverso do esperado, quem segura as pontas?

Quem vai dizer pra aquela guria que tem problemas com relações interpessoais que ela não precisa se sentir mal por não atender as expectativas do outro? Quem vai dizer pro guri com tendência suicida que perdeu o emprego e a namorada, tudo antes dos 30 e depois dos 25, que ele não é um fracasso depois de ler um texto sobre “Como ser bem sucedido antes dos 30”?

Como leitora assídua, esses questionamentos me acertaram como um soco de direita ao perceber que minha estrutura emocional já fora desestabilizada por leituras que não cabiam em mim, mas que naquela hora eu quis que coubessem. Como alguém que escreve [rascunha-se], minha preocupação e cuidado com as palavras redobraram. Nenhuma palavra deve ser lançada como verdade sem ser pesada em uma balança de criticidade. Likes e comentários não mensuram estado emocional.

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Aposto que você já ficou assim lendo coisas por aí pela internet. (Gif: Tumblr / Reprodução)

Precisamos ser autocríticos das nossas leituras e escritas. Queremos entender de amor, política, cinema, moda, sexo, relacionamentos e uma infinidade de coisas. E sem perceber, sem que seja visível, deixamos de nos pensar e começam a pensar-nos e ditar as regras sobre como devemos nos sentir e ser. Ou não.

Pois bem. Aos escritores, fica o pedido de auto-análise e autocrítica – pessoas, cheias de conflitos leem os seus textos, pense nos dois lados da moeda. Aos leitores, e aqui me incluo, não permita que palavras alcancem o teu emocional sem pesar se tua estrutura aguenta a carga extra e se vale a pena absorver o que não te impulsiona pra frente.

No mais, se aplicar direitinho, isso vale para a palavra escrita e a falada, ou seja, isso vale pra todas as áreas dessa vida de meu Deus.

Até porque, assim como palavras destroem, outras salvam a vida de alguém.

Joceline Conrado é psicóloga de orientação psicanalítica. Atua em São Luís como psicóloga clínica e no terceiro setor, na gestão e implementação de projetos sociais. É redatora e da área de planejamento no SobreOTatame. Se interessa por temas relacionados a gênero, psicanálise e questões raciais. Gateira e leitora compulsiva.

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