#ForaBolsonaro: quando a Morte usa faixa presidencial

Outdoor em Corumbá, no Mato Grosso do Sul, faz alusão do governo Bolsonaro à Morte (Foto: Reprodução/Internet)

E se a morte fosse uma pessoa, como ela seria?

Na Grécia antiga, a morte era representada por Tânatos, filho da Noite e neto do Caos. Ele possuía asas e olhos e cabelos prateados, sendo conhecido por sua beleza, além do seu coração de ferro e suas entranhas de bronze. Sobre Tânatos, conta-se de quando foi enganado por um mortal.

A história começa quando a ninfa Egina, filha do deus dos rios, foi sequestrada e o seu pai saiu em sua busca. No caminho, encontrou Sísifo, rei da região da Tessália e conhecido por ser um dos mais inteligentes dentre os mortais. Sísifo, em troca de favores da divindade fluvial para a sua cidade, que sofria com a seca, dedurou que o responsável pelo sequestro teria sido ninguém menos que Zeus, o Deus dos deuses.

Irritado por ter sido descoberto, Zeus determina que Sísifo seja mandado ao reino dos mortos e determinou a Tânatos o papel de buscá-lo. Diante da Morte, Sísifo passa a elogiar sua beleza e lhe oferece um belo colar, que, na verdade, é uma coleira que lhe aprisiona. Com isso, ninguém mais morria e o mundo entrou em desequilíbrio. Coube a Ares, deus da guerra, agir e libertar Tânatos da sua prisão.

Alguns anos depois, já velho, ao saber que estava perto de morrer, Sísifo pede a sua esposa que não lhe enterre. Chegando ao reino dos mortos, solicita uma audiência com a sua rainha, Perséfone. “Minha rainha, estou ultrajado. Minha esposa não cumpriu suas obrigações e deixou meu corpo sem sepultamento”. Com isso, conseguiu autorização para voltar por três dias, vingar-se de quem lhe “ultrajou” e cuidar dos ritos fúnebres. Obviamente, era tudo parte do plano e ele não voltou.

Fugiu por mais um tempo, com sua esposa, até ser conduzido novamente para o reino dos mortos, onde sofreu uma terrível punição: teria que, pela eternidade, carregar uma enorme pedra montanha acima somente para vê-la rolar novamente até a base. A pena cumprida por Sísifo virou sinônimo de trabalho inútil, mas carrega bem mais significados. Também simboliza a resistência e astúcia diante daqueles que têm a nossa morte como certa nos seus grandes esquemas.

No Brasil, a personificação da morte tem nome e sobrenome, usa terno e faixa presidencial, não é nobre ou bela, mas certamente tem parentesco com o Caos.

Se já não estava claro, hoje, após os primeiros dias da CPI da COVID-19, está mais do que nunca evidente que a morte dos mais de 428 mil brasileiros é um projeto de governo.


Para ficar apenas no plano deliberado de negativa de vacinação dos brasileiros, podemos observar isso através de uma rápida cronologia:

Em abril de 2020, o Brasil foi convidado para fazer parte da COVAX, uma Aliança Mundial de Vacinas, podendo estar entre os 5 primeiros países a receber a vacina, com direito a encomendar 200 milhões de doses. Em 4 de maio (7.025 brasileiros mortos por COVID), o presidente Jair Bolsonaro se recusou a fazer parte da aliança.

Em 30 julho de 2020 (91.377 brasileiros mortos por COVID), o Instituto Butantan ofereceu ao governo federal a possibilidade de aquisição de 60 milhões de doses da vacina a serem entregues a partir de outubro. Nunca obtiveram resposta do governo.

Em 15 de agosto de 2020 (107.297 brasileiros mortos por COVID), a Pfizer ofereceu ao Brasil 70 milhões de doses, com a entrega das primeiras remessas para dezembro. O Presidente negou o pedido, alegando cláusulas leoninas.

Em 18 de agosto (110.019 brasileiros mortos por COVID), o Instituto Butantan fez nova oferta ao governo brasileiro, com promessa de 45 milhões de doses em dezembro e 15 milhões no primeiro trimestre de 2021. Mais uma vez sem resposta.

Em 12 de setembro (131.274 brasileiros mortos por COVID), a Pfizer envia nova proposta em carta endereçada ao Presidente, ao Vice-Presidente, ao então Ministro da Casa Civil, Walter Braga Netto, ao então Ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, ao Ministro do Estado da Economia, Paulo Guedes e ao embaixador do Brasil para os Estados Unidos, Nestor Forster.

Em 7 de outubro (148.304 brasileiros mortos por COVID), o Instituto Butantan manda novo ofício ao governo federal, reiterando a oferta. A resposta vem duas semanas depois com o então Ministro da Saúde, Pazuello anunciando a compra da Coronavac, para, no dia seguinte, Bolsonaro desautorizar a compra da “vacina chinesa de João Doria”, apontando que “não será comprada”.

A carta da Pfizer só foi respondida em 9 de novembro de 2020 (162.638 brasileiros mortos por COVID), após o ex-secretário de Comunicação da Presidência, Fabio Wajngarten, ser comunicado por pessoa fora do governo de que a Pfizer ainda não havia obtido resposta.

Em 9 de dezembro de 2020 (179.032 brasileiros mortos por COVID), após o governo do Estado de São Paulo anunciar seu plano de vacinação, é que finalmente o governo federal anuncia que apresentaria um plano de vacinação com utilização da Pfizer.

Em 7 de janeiro deste ano (200.163 brasileiros mortos por COVID), a Pfizer divulgou nota revelando que vem desde agosto oferecendo a vacina para o governo federal. Somente em 19 de março de 2021 (290.525 brasileiros mortos por COVID), o governo anunciou assinatura de contrato com a Pfizer.

O presidente da República e os seus deliberadamente se recusaram a tratar a vacinação do povo brasileiro com a urgência que o assunto merece. Deliberadamente escolheram arriscar a vida de milhões de pessoas e promover o caos para utilização política. Para culpar governadores e prefeitos. Para atingir a falsa promessa da imunização de rebanho de Osmar Terra. Para “salvar” uma economia que se preocupa com os números antes da vida.

Cabe a nós, que ainda estamos vivos, enquanto estamos vivos, fazer como Sísifo. Utilizar nossa astúcia e resistirmos contra aqueles que usam a máquina pública para promover o caos e a morte mesmo sabendo que acordar hoje no Brasil seja rolar a pedra ladeira acima, sabendo que ela inegavelmente vai cair. Mas nossa teimosia não nos pode deixar por vencidos. Eles insistem em nos matar. Temos que insistir em não morrer.

Coronavírus

Além desta matéria, estamos desenvolvendo outros materiais sobre a pandemia do coronavírus – clique aqui para ler todos. Leia, abaixo, alguns posts abordando o assunto:

A peste que nos assola: uma reflexão sobre pandemia e solidariedade

São Luís: vídeo mostra como Centro ficou durante a quarentena do coronavírus (COVID-19)

20 Notícias boas em meio a pandemia do coronavírus (COVID-19)

Arnaldo Vieira Sousa é doutorando em políticas públicas pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Advogado e professor. Contato pelo e-mail: vieira.arnaldo@hotmail.com

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