“Forte” (Sfânio) e as dores que nós compartilhamos

O cantor e compositor maranhense Sfânio (Foto: Mika Mendes /Divulgação).

Abro os olhos, eles pesam, tento levantar e termino em outro atraso casual. Isso é tipo vício, bebida quente que eu não paro de abraçar. Minha mente chegou ao serviço, mas meu corpo enrolado no lençol ainda sonha. É quando minha mãe diz: “tu enrolas tanto para sair de casa”. Aquilo ecoa como uma partida incansável de squash, ou outro passatempo sem graça – se é que existe algo mais solitário que vencer a si mesmo, nunca entendi esse jogo. Quero sorrir, mas os remédios acabaram. Quero sair, mas minha terapeuta cansou de mim, foi atender outro paciente, sem espaço na agenda. Por falar nisso, ainda é setembro.

Ainda é setembro?

Tudo amarelo.

Rebobinando.

Uma notificação, todos nós estávamos empolgados com os Sessions que rolavam aqui. Jonas tinha acabado de me falar sobre a gravação com o Sfânio. Alguma coisa me animava mais do que o normal, ele tinha um dos fuscas azuis mais legal da cidade. Duas amigas estavam com a gente. Amizades boas de ver, que vira e mexe a vida guarda no bolso. Sempre imagino que, numa cidade pequena, quando as vizinhanças amorosas não se veem é porque a rotina cegou os prazeres. Chegamos, gravamos e foi foda. Sfânio vai para sacada e a gente começa a falar da vida. Pausa.

Ouvir é muito mais que ficar em silêncio. Sim, isso todo mundo já sabe. Mas empatia não é só espelho, eu cheio de clichês no dia, comecei a arremessar tudo pela janela. As coisas que ele falava doíam em mim, parecia eu. Uma hora confundi com todas as vezes que enfrentei tanta depressão: sumiço, atraso, indisposição, falta de cor. As músicas, as frases, a arte. Tudo isso a gente esquece quando começa a dor. Parecia um filme repetido, parecia… parecia, sei lá. Faltou o ar. Outra crise, dessas que vem sem gatilhos.

“E olhos no mundo se fecham,

E a noite é quando amanheço.

Parece que hoje não chove,

Parece que hoje não vai chover

Parece que hoje eu não morro”.

Dois anos depois, lutas e sem tanto Prozac, ouvi uma música nova dele. Eu sou mais forte. Em um mês tão simbólico, de tanta gente que mata leões amargurados, de tanta gente que engole sapos amargos, uma música é sempre recomeço.

Não, eu não vendo pílulas de felicidade, mas se eu levanto da cama, todo meu café e vou ao trabalho é porque nesse dia estive bem, mesmo em guerra. Uma guerra que pode ser infinita, mas que não precisa ser eternamente cruel. Significa que pelo menos, por hoje, estive curado. Talvez a depressão não acabe nunca para mim, mas sempre que existir brechas, quero sorrir, sempre que houver um espaço, quero cuidar de mim, me abraçar, tipo aquelas cavadinhas que o goleiro deixa o gol livre. Não dá para romantizar tudo isso, não dá para descuidar. E sempre que um amigo quiser desabafar, por favor, mande mensagem.

Tem dia que a dor do outro faz a gente pensar que seguir é o melhor caminho. Por quê? Porque o que se alimenta de solidão, se enfraquece com amor e carinho.

Obrigado por todos que se preocuparam comigo.

Se cuidem, cuidem dos seus. Ouçam Forte, novo single de Sfânio:

Designer de madrugada, Diretor de arte a tarde e músico nas horas vagas. Provador oficial de suco de uva integral, Pedro é um guri que desce a rua aos domingos num fusca 86 bege para fazer slack na praia. Idealizador do Instante Perdido e o filho mais novo do Sobre o Tatame.

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