“Homens?” e o que as mulheres têm a dizer sobre a série

A série “Homens?” (Foto: Divulgação/Comedy Central).

Passeando um pouco pelas plataformas de streaming em um fim de semana de tédio, me deparei com a série “Homens?” na Amazon. Na sinopse, havia algo como: “um grupo de quatro amigos se reúne para resolver o problema de um deles que está broxa. E daí começa a saga em busca das respostas”. Bom, nada muito atraente, né?! Mas como o Fábio Porchat estava no elenco, pensei que talvez pudesse dar umas boas risadas e tentar relaxar um pouco. Então, dei uma chance.

De forma resumida e para não dar muitos spoilers, o personagem do Porchat (Alexandre) não consegue mais ter nenhuma relação sexual e passa a conversar com o seu pênis, representado pelo ator Rafael Portugal (e diga-se de passagem, a aparição dele são os momentos mais engraçados da série). Os três amigos do Alexandre, personagens muito diversos e que carregam estereótipos bem marcados de suas masculinidades nada saudáveis, estão o tempo inteiro compartilhando a “dor” do amigo e tentando ajudá-lo dando os conselhos mais bizarros (porém comuns) que se possa imaginar.

Um começo quase que frustrado

A série “Homens?” (Foto: Divulgação/Comedy Central).

Logo nos primeiros minutos do episódio, me deparei com vários peitos, bundas, muito sexo e todo aquele mundo de conversas e linguajar que já estamos acostumados: vários caras super “machões”, que só falavam de mulheres de forma objetificada, do desempenho de seus “amiguinhos fálicos” e de todo o desespero que o Alexandre sentia por estar “brocha”. Confesso que tudo aquilo me incomodou bastante. Mas bom, a série era pra homens. Eu queria o quê? 

Quis dar mais uma chance e continuei o episódio (afinal, eram só 27 minutos). Como grande solução para resolver o problema do Alexandre, os amigos pensam em algo completamente inédito (sarcasmo ligado): “levar o Alexandre em uma casa noturna”. Lá, eles encontram a personagem Tainá (Lorena Comparato), a garota de programa escolhida para resolver o problema.

Como era de se esperar, nada acontece. E tomando as dores do Alexandre, um dos amigos faz uma piada menosprezando a Tainá como se a culpa de nada ter acontecido fosse dela (aqui eu já tava desistindo de assistir) e então, ela deu uma resposta mais ou menos assim:

Eu acho triste vocês acharem que uma garota de programa vai solucionar um problema que está na cabeça de vocês. E quem está com problema é ele, mas todos vocês estão no mesmo barco. E que se não pararem de agir feito uns idiotas, “brochar” vai ser só a primeira coisa antes de tudo desabar.

E foi nessa fala que eu percebi que de fato existia um problema: “o problema está na cabeça”. E o problema não era o Alexandre e a ereção, mas tudo o que estava ao redor disso, todo o tabu que é reverberado sobre: homens acham que “perderam a sua virilidade”, as mulheres geralmente pensam “isso aconteceu porque foi comigo, porque não sou boa o suficiente”.

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Me dei conta da quantidade infindável de problemáticas, expectativas erradas e frustrações que circundam esse cenário e que são prejudiciais para as duas partes. E será que de fato damos atenção à essas questões ou são apenas situações que terminam em mesa de bar?

Sobre o que realmente era

Rafael Portugal e Fábio Porchat em “Homens?” (Foto: Divulgação/Comedy Central).

Ao longo das duas temporadas, somos lançados a uma série de temas: homem que é sustentado por mulher, casais descobrindo o relacionamento aberto, o preconceito de alguns homens em se relacionar com mulheres que já ficaram com muitos caras, as diferenças ideológicas entre as gerações, os tabus ao redor do aborto, a relação tóxica do machismo transmitido de pai pra filho e sim, por mulheres também, e tudo isso sem deixar o lado cômico e a profundidade do desenrolar dos temas.

Me deparei com cenas tão cotidianas vividas comigo, com meus amigos, com homens com quem já me relacionei e que por muitas vezes não tive empatia, não soube lidar ou não tinha subsídios para contribuir com alguma desconstrução, tanto minha quanto do outro. E confesso que ter contato com essas temáticas, abordadas através de uma visão masculina,  me trouxe um certo desconforto e uma revisitação sobre como, de fato, eu enquanto mulher, posso contribuir para abordagens menos machistas.

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E buscando entender como essa série tocou outras mulheres, através de uma busca no Twitter, conversei com seis mulheres que compartilharam comigo suas reflexões após terem assistido “Homens?”.

A visão delas

“O grande trunfo da série é que eles discutem masculinidades, o que geralmente não acontece, porque alguns homens teimam em discutir feminismos. Então, o meu destaque é pra discussão das masculinidades. Acredito que é bom olharmos pelo prisma das masculinidades o que acaba refletindo nas nossas relações com os homens. Toda essa questão dos traumas e as sociabilidades em que eles acabam se constituindo. É uma oportunidade de compreender, a grosso modo, o que há por trás e quais os conflitos que estão por trás de um ´cara escroto´ ou de ´uma atitude escrota de um cara´. Quero ressaltar que não é passar pano, mas é visualizar e acessar coisas que não ficam evidentes pra nós”.
Juara Castro.

“No decorrer da segunda temporada eu tive vários questionamentos, que nascemos de uma sociedade machista e que homem é moldado para agir a ser o macho alfa , e a busca por externalizar uma masculinidade tóxica. Todavia, a minha visão, em totalidade, é de que a série, mesmo querendo desmistificar a visão machista, ainda mantém essa vertente, pois a maioria dos personagens são do sexo masculino e por as personagens femininas terem pequeno destaque”.
Rayssa Baldez.

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“Eu achei a série legal de um modo geral, tentou “desconstruir” alguns estereótipos criados pelo universo masculino. Mas eu me senti muito tocada naquele discurso liberal da mulher poder ser o que quiser, mas muito voltada pro aspecto do corpo da mulher que na verdade eu tenho analisado mais como um viés que beneficia o machismo, sabe!? Por outro lado, eles abordaram pautas interessantes sobre a fragilidade masculina mesmo, de que o homem não precisa estar no lugar do “machão” pra ser hétero. Até falar da responsabilidade do homem na decisão e apoio de quando uma mulher decide pelo aborto”.
Gracielle Santana.

 Giselle Batista e Fábio Porchat na série “Homens?” (Foto: Divulgação/Comedy Central).

“Eu terminei a temporada pensando: ‘Cara, a dita masculinidade consegue ser tóxica pra todo mundo‘. Também gosto de como as mulheres são representadas. Tem a megera reprodutora de machismos no trabalho, tem a mina que ele gosta, tem a esposa do cadeirante, tem a puta, tem a mina que faz o aborto, muitas mulheres. E todas elas têm histórias, vontades e visões próprias, não agem de acordo. REALIDADE, MEU AMOR! Os caras todos quebram a cara, as expectativas e eu, como audiência, também fui junto revelando a MINHA reprodução de machismo. E é de um arco perfeito (pra todos eles) porque depois ele começa a bater com a sociedade e dizer ´mano, isso não tá certo´, mas ao mesmo tempo ninguém sabe de nada. O importante é continuar no processo”.
Luna Carolina.

“Então, a série a princípio me deixou incomodada. As falas machistas, a forma pejorativa que a maioria dos homens falam da mulher. Mas o massa é que, ao longo do tempo, o Alê vai se desconstruindo e isso é importante. Na segunda temporada, a gente consegue perceber a desconstrução do Alê e como isso vai se trabalhando nele. Eu aprendi que as pessoas podem sim se desconstruir dessas mazelas, só se permitirem estar dispostos a aprender e a lidar consigo, e que nem tudo que é imposto é saudável. Digo em todos os aspectos”.
Adrielle Torres.

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“A primeira temporada passou para mim bem o ponto de vista masculino sobre os problemas da vida. O que me incomodou muito como mulher foi ver o quão superficial e rasa a mulher é vista pelo homem nessa série, o que eu acho que foi proposital para incomodar e captar os homens, porque é muito fácil um homem se identificar com qualquer um dos amigos nos papéis principais da série. Cada um tem um comportamento tóxico específico que como mulher eu já reconheci de cara na primeira temporada. Já a segunda temporada eu vi como um soco no estômago dos homens. Ela retrata muito bem alguns pontos polêmicos como aborto e como a sociedade trata isso como qualquer coisa, quando na realidade é uma das coisas mais horríveis que uma mulher pode passar. A segunda temporada humaniza a mulher de uma forma que eu tenho certeza que muitos homens se incomodaram. Achei responsável essa retratação, sendo proposital ou não, mostra o quanto as gerações anteriores agem de uma forma atrasada e se recusam a se adaptar ao novo o que é um retrato bem parecido com a realidade. Mas, pra mim, o grande acerto da segunda temporada foi o ator Yuri Marçal. Ele como ator já é excelente, mas o seu personagem mostra uma geração que está chegando, a geração que está corrigindo e que não está disposta a aceitar e passar pano para tudo que já foi passado. Para mim, o personagem do Yuri é a representatividade da esperança, esperança que algum dia iremos nos libertar dessa sociedade tóxica com crenças limitantes na qual crescemos e vivemos.
Vanessa Paz.


A série “Homens?” (Foto: Divulgação/Comedy Central).

Cada um de nós vai se identificar ou identificar alguém do nosso círculo com algum personagem ou com alguma situação abordada na série. Preconceitos, padrões e traumas que não fazem parte um mundo isolado e tem reflexos em todos os contextos, sujeitos e cenas, seja no trabalho, em casa, nos relacionamentos amorosos

Entender de fato os incômodos e desconfortos que esses pontos nos trazem nos ajudam a refletir sobre o quanto estamos vivenciando, propagando ou não dando a devida atenção a discursos e atitudes que contribuem cada vez mais para um conceito de masculinidade não saudável.

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Homens? mostra as consequências de uma série de padrões pré-estabelecidos enraizados de uma forma mais profunda do que podemos imaginar, tanto para homens quanto para mulheres. Entender que cada um de nós possui um papel fundamental no processo de desconstrução é necessário.

Um olhar atento sobre como estamos ensinando nossos meninos, como estamos ouvindo nossos amigos e como são os discursos que reproduzimos ou que ouvimos podem fazer muita diferença nas relações que mulheres e homens constroem, independente do tipo no qual se estabelecem.

Inquietude e ações conscientes para mudar!

Katherine Marjorie é administradora. Atua em São Luís como gestora de projetos e equipes de tecnologia e educação corporativa. No SobreOTatame.com, realiza gerenciamento de projetos, orçamentos e definição de estratégias. É apaixonada por viajar e descobrir coisas novas.

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