O jornalista Glenn Greenwald (Foto: The Intercept/Divulgação).
Quando iniciei como colunista no SOT, a ideia era trabalhar textos opinativos que abordassem o universo feminino, a partir de uma perspectiva feminista. Hoje, farei uma pausa nessa proposta para falar sobre algo que acho de fundamental importância, em tempos tão nefastos para as democracias: liberdade de imprensa.
Esta semana, o Ministério Público Federal (MPF) denunciou o jornalista Glenn Greenwald, um dos fundadores do site The Intercept, sob a acusação de invadir celulares de autoridades brasileiras.
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A denúncia ocorreu mesmo após o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, ter determinado que o jornalista não poderia ser responsabilizado pela publicação dos diálogos envolvendo promotores e o então juiz, Sérgio Moro (hoje, ministro da Justiça), obtidos por um hacker.
A compreensão foi de que, enquanto jornalista, Glenn Greenwald tem o direito de obter, produzir e divulgar notícias, e, qualquer ação que vise inibir isso, vai contra a liberdade de imprensa.
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Vale fazer uma observação, aqui: a Polícia Federal (PF), que estava investigando o hackeamento nos celulares das autoridades, não encontrou indícios que motivassem a investigação ou o indiciamento do jornalista. A ação de Glenn Greenwald foi de simplesmente receber as informações de uma fonte e, tendo avaliado o interesse público, publicou-as em uma série de reportagens, com a equipe do The Intercept, e, inclusive, com a colaboração de jornalistas de outros veículos, como a Folha de São Paulo e a Veja.
Pois bem, ainda assim, uma denúncia, assinada pelo procurador da República, Wellington Divino de Oliveira, incluiu o jornalista no grupo de pessoas denunciadas pela invasão do Telegram de autoridades públicas, contrariando inclusive a decisão do STF e o resultado das investigações da PF.
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Feito o devido preâmbulo, é preciso explicar que a deontologia do jornalismo orienta os profissionais a não cometerem crimes ou irregularidades para realizar matérias jornalísticas. No entanto, nada orienta sobre a fonte, afinal, a fonte, na maioria das vezes, é uma pessoa comum, não jornalista e, portanto, não pode ser cobrada a seguir códigos de ética de uma profissão a qual não pertence.
É meio óbvio, mas no atual contexto de ascensão de terraplanistas, é preciso explicar que quem comete irregularidades e crimes, não os faz para todo mundo ver. Muitas vezes, poucas são as pessoas que têm acesso a provas de tais irregularidades. Em alguns casos, essas provas são obtidas de forma irregular por pessoas absolutamente bem intencionadas ou nem tanto.
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O compromisso do jornalista nesses casos é com o interesse público. Não tendo ele qualquer relação direta com a obtenção de tais dados, um jornalista, minimamente comprometido, não pode ignorar informações doadas (não compradas), que denunciem fatos de interesse público, como são os reportados pela série Vaza Jato.
Portanto, volto à pergunta feita pelo jornalista do Uol ao porta-voz da presidência, Octávio do Rêgo Barros, no mês de julho de 2019: qual o crime cometido por Glenn Greenwald? Até hoje, não sabemos a resposta, mesmo após a necessária insistência do jornalista no questionamento.
Já a fonte, como todo e qualquer cidadão, pode e deve ser denunciada, julgada e responsabilizada por atos que sejam considerados crimes, cometidos por ela.
Qualquer jornalista que prefira ignorar um importante e verdadeiro dado, porque foi obtido de forma irregular, não estará fazendo jornalismo. No caso da Vaza Jato, as conversas divulgadas, que foram realizadas por meio do aplicativo Telegram, entre o ex-juiz Sérgio Moro e o promotor Deltan Dallagnol, bem como os diálogos entre integrantes da força-tarefa da Operação Lava Jato, expõem a conduta absolutamente distante da ética por parte de servidores públicos, além do uso político de suas funções públicas.
Uso político este que culminou em um julgamento absolutamente controverso e na prisão do ex-presidente Lula (PT), impedindo-o de ser candidato na última eleição. Ato, que favoreceu, significativamente, o candidato de extrema-direita, Jair Bolsonaro (PSL), que, depois de eleito, nomeou como ministro da Justiça, justamente, o juiz responsável pelo julgamento e prisão de Lula, Sérgio Moro.
Bem, se isso não é de interesse público, eu realmente não sei mais o que é…
Pelas felizes ou infelizes coincidências da vida, a denúncia contra o jornalista Glenn Greenwald, ocorre no mesmo mês de divulgação do Relatório de Violência contra Jornalistas e Liberdade de Imprensa no Brasil, elaborado pela Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ). O relatório concluiu que: “Os ataques à liberdade de imprensa explodiram em 2019, em razão da frequente e sistemática ação do presidente da República, Jair Bolsonaro, para descredibilizar os veículos de comunicação social que fazem Jornalismo e os jornalistas”.
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Foram registrados pela Fenaj 114 casos de descredibilização da imprensa e 94 de agressões diretas a profissionais, totalizando 208 casos de violência. O número é 54,07% maior do que o registrado no ano de 2018, quando ocorreram 135 casos de agressões a jornalistas.
O presidente Jair Bolsonaro (PSL) foi responsável pelos 114 casos de descredibilização da imprensa, com ataques a veículos de comunicação e a profissionais, e por outros sete casos de agressões verbais e ameaças diretas a jornalistas. No total, foram 121 casos envolvendo somente o presidente do país, em seu primeiro ano de mandato.
Sobre o relatório da Fenaj, o pronunciamento do presidente foi este:
Aparentemente, o presidente tem muita dificuldade em responder questionamentos de jornalistas sem aumentar os números de agressões. Quem perde é o povo brasileiro, que, mais uma vez, fica sem respostas.
Para finalizar, faço duas perguntas: que democracia esperam construir com uma imprensa coagida, descredibilizada e violentada? E, só para insistir mais um pouco, qual crime foi cometido por Glenn Greenwald?
Em tempos de perseguição aos jornalistas por fazerem jornalismo, como diz a música: é preciso estar atento e forte!
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