Lola, escreva mais, escreva…

Há mais de mês, eu venho maturando como escrever este texto. Já faz um tempo que não me sinto assim em frente ao computador. Isso porque a prática jornalística do dia a dia ajuda a automatizar essa relação com a escrita de diferentes formas.

A questão é que nenhuma palavra que eu escreva, aqui, ajudará a dar a real dimensão do incômodo que sinto, desde que assisti a palestra da Lola Aronovich, proferida na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), a convite do Laboratório de Estudos de Gênero e História.

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Para quem não conhece, Lola Aronovich é professora universitária e blogueira feminista, argentina, naturalizada brasileira. E foi, justamente, por sua atuação na blogosfera, desde o ano de 2008, com o blog “Escreva, Lola Escreva”, que ela teve a sua vida modificada completamente.

Por combater a misoginia, homofobia e racismo por meio do blog, Lola Aronovich passou a ser perseguida, chegando a receber ameaças de morte, sofrendo injuria, calúnia e difamação, com a viralização de fake news sobre ela e, até mesmo, sobre o seu marido.

A luta

Foram estes ataques virtuais que obrigaram Lola a começar uma verdadeira batalha para conseguir que as pessoas responsáveis fossem devidamente punidas. Além de enfrentar o descaso e a falta de compromisso que muitos cidadãos brasileiros normalmente encontram, quando precisam do judiciário, tal batalha esbarrou inclusive na ausência de uma legislação própria para os crimes que estavam sendo cometidos contra ela.

Dez anos se passaram até que, em 2018 fosse criada a Lei Lola, que atribuiu a responsabilidade de investigar crimes de ódio contra mulheres na internet à Polícia Federal. Até então, não havia quem investigasse.

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A palestra da Lola é angustiante porque a saga até que lei fosse aprovada foi marcada por ataques diário; acusações absurdas, como a de que ela teria feito um aborto em uma aluna em sala de aula; e ameaças, inclusive de bomba na universidade na qual ela é professora, em troca de sua demissão.

Alguns dos responsáveis pelos ataques foram presos e isso ajudou a esclarecer a existência de grupos de homens que se sentem protegidos no mundo do chans da deepweb para promover conteúdos misóginos e criminosos. Nesses ambientes, são comuns, por exemplo, textos ensinando como estuprar mulheres.

Ataque ao feminismo

A visão feminista de Lola incomodou esses homens. Chega a ser absurdo pensar que a simples defesa de uma sociedade mais justa entre homens e mulheres possa incomodá-los a ponto destes cometerem as piores atrocidades. A história vivida por Lola nos prova que é possível e,mais que isso, que é mais comum do que a gente pensa esse tipo de conduta. Estes homens estão entre nós, trabalham, estudam, muitos têm famílias. E isso é angustiante.

É absolutamente angustiante que nós mulheres precisemos dizer, diariamente: “não nos matem, não nos violentem e não nos diminuam”. Lola Aronovich nos mostra que nesse contexto calar não é uma opção, precisamos dizer e, se não ouvirem, precisamos gritar.

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Sim, a palestra de Lola nos deixa aflitas. No entanto, a calma, paciência e o irretocável bom humor desta mulher, não nos permite perder a fé. Tanto, que demorei para amadurecer oque escrever e como escrever aquilo que senti assistindo a palestra, mas finalmente saiu.

Porque acho que, ao fim, a lição aprendida por mim é não desistir e, dentro do possível, resistir com bom humor, pois mulheres felizes são perigosamente afrontosas em tempos tão tenebrosos.

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Jornalista por paixão e formação; doutoranda em Jornalismo, pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC); e mestre em Ciências Sociais, pela Universidade Federal do Maranhão (UFSC). Fascinada por imagens, lugares e pessoas. Feminista desde criancinha!

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