P A R A T U D O, que hoje eu venho apresentar pra vocês uma R A I N H A, sim, Si [porque já sou íntima] é uma artista que tive o prazer de conhecer o trabalho há uns dois anos, desde o primeiro quadrinho já fiquei I N L O VE [porque ela lacra, queridos].
Brincadeiras à parte, Sirlanney tem o poder de tocar a alma. Ela, por meio de seus desenhos e a forma como compartilha suas experiências [tão nossas], é mágica, e a capacidade de traduzir em seus quadrinhos essa dor e essa revolta [que conhecemos tão bem] a torna uma artista contemporânea que vale a pena admirar e apoiar.
Sirlanney Freire Nogueira é cearense, 32 anos, em sua página usa o pseudônimo: Magra de Ruim, título também de sua primeira publicação, fruto de um financiamento colaborativo no Cartase.
Como podem ver, sou suspeita pra falar, mas vamos ao que interessa, ela veio aqui no nosso Tatame, compartilhar um pouquinho da sua trajetória, vem ver!
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Sobre O Tatame: Quem é a Sirlanney Nogueira, ou devemos chamá-la de ‘Magra de Ruim’?
Si: Pode chamar de Sirlanney mesmo, mas a maioria me chama ‘Si’ porque é mais simples, nos eventos de quadrinhos algumas pessoas me chamam de “Magra”, eu acho engraçado. Eu sou uma menina do interior do Ceará, que tenta fazer arte e literatura através dos quadrinhos, para alcançar o coração das pessoas. Às vezes eu acerto.
Sobre O Tatame: Como é ser mulher, nordestina e quadrinista? Existem preconceitos no meio artístico?
Si: Eu acho que o meio que tem menos preconceito é o meio artístico! Já se convencionou há décadas que o nordeste tem muito a contribuir culturalmente com o Brasil. Você tem na música a importância de um Caetano Veloso, Luiz Gonzaga, que inventou todo um novo estilo musical (forró), até os tempos mais recentes da galera do Mangue Beat, na década de 90. Na literatura temos nomes como José de Alencar, Rachel de Queiroz e mais recente, meu conterrâneo Xico Sá. Então, mesmo quando você tá no sudeste, você percebe que as pessoas param e escutam: interessados em ouvir o que a fala nordestina tem a dizer. Mas talvez, sim, talvez eu tive que ralar mais, ou tenho menos oportunidades por ser nordestina, mas provavelmente é muito mais uma questão de classe que de localização geográfica. Quanto a ser mulher, é inegável as barreiras, vem desde casa, acho que me levariam mais a sério se eu fosse homem e fizesse quadrinhos. No cenário dos quadrinhos nacionais também, eu sempre me pergunto: Onde eu estaria se eu fizesse quadrinhos como eu faço, com a visibilidade que eu tenho, se eu fosse homem? Certamente seria considerada o novo gênio da literatura, ou algo do tipo. Não sei, tem um machismo sutil ainda no meio dos quadrinhos e cultura nerd, onde parece que a mulher não pertence e sempre parece mais amadora, mesmo fazendo o mesmo trabalho, ou melhor que um homem!
Sobre O Tatame: Seus quadrinhos abordam temas delicados, como relações de gênero e sexualidade, questões étnico-raciais, política, feminismo, amor, ansiedade, depressão e diversas mazelas do mundo moderno. De onde vem a sensibilidade pra lidar com assuntos tão polêmicos?
Si: Acho que vem mais da coragem de me expor, somada a uma imensa vontade de fazer algo que vale a pena ser feito. A coragem de me expor são as histórias que passam pelo viés das minhas próprias experiências. Eu não sei a priori exatamente que aquilo vai funcionar, na maioria das vezes eu estou só exorcizando meus demônios mesmo. A outra parte, de “fazer valer a pena“, são pelos temas políticos, como feminismo, que julgo que não posso me omitir, então eu leio sobre o assunto, discuto com amigos, faço um esforço no sentido de sentir que também tenho algo a dizer. Então não é só sensibilidade, mas obrigada!
Sobre O Tatame: A temática majoritária dos seus quadrinhos é feminista. Quando surgiu os questionamentos sobre o patriarcado na sua vida? Existiu algum momento decisivo pra você perceber que é “Sem patrão”?
Si: Uma vez eu conheci um argentino astrólogo, em alguns poucos minutos de conversa ele perguntou qual era o meu problema, se meu pai tinha morrido quando eu era criança, ou algo assim. Uma amiga que estava na conversa e entendeu o que ele quis dizer, falou: “O sol dela é na casa 1” e ele disse: “tá explicado”. Parece que quem tem o sol na casa um é super autocentrado e dono do próprio nariz. Conto isso para dizer que eu sempre tive essa personalidade rebelde, que não sabe lidar bem com autoridades, numa sociedade patriarcal, autoridade quase sempre significa “homem”. Lá em casa também era uma casa de mulheres, de forma que homem sempre foi uma coisa muito estrangeira para mim. E ainda hoje acho muito irritante quando um homem quer se impor apenas pelo fato de ser homem. Eu sei que o homem fica intimidado quando a mulher tem algum poder. Eu tive namorados, amigos, patrões, eu sei como eles são. E sei que se a gente não ficar alerta, se a gente não continuar lutando politicamente pelos direitos iguais, vamos continuar em desvantagem, desde o contexto mais simples e familiar, ao mais complexo e social. O quadrinho é minha arma de guerra!
Sobre O Tatame: Você costuma receber relatos de seus fãs, comentando sobre a identificação com seu trabalho? Existiu algum em especial que te marcou?
Si: Sim, eu tenho essa imensa sorte! É muito difícil dizer qual o que mais marca, sério, não tô fazendo a Xuxa! haha É sempre muito especial cada comentário de identificação que recebo. Não enche barriga? Não enche. Mas receber um: “Muito obrigada por ter dito isso!” Faz valer a porra toda.
Sobre O Tatame: Como sua família encara seu trabalho como quadrinista?
Si: Existe a intuição ou sei lá o que, mas minha família de alguma forma sempre soube que eu tinha essa inclinação para as artes, ninguém ficou surpreso. Ficaram mais surpresos quando eu disse que ia estudar moda. Aos 12 anos eu já tinha várias poesias da minha autoria, todas muito ruins, claro, mas eu falava para a família como se fosse algo importante. Eu lia Machado de Assis e Clarice Lispector, já na pretensão megalomaníaca de substituir eles. Se você perguntar para qualquer um da minha família, minhas irmãs, primos, pai, mãe, eles vão dizer (não sem pesar): A Laninha, tadinha, sempre foi artista.
Sobre O Tatame: Existiram momentos em que você teve vontade de desistir? O que mais te faz continuar?
Si: TODO dia eu penso em desistir, mas acho que penso de brincadeira, porque nunca desisto. Penso em como seria ter uma vida mais simples, com menos altos e baixos. Uma vida assim, um concurso público, salário fixo, plano de saúde… não é minha vocação. Eu não tenho tipo um diploma de advogada ou médica, sabe? Isso é a única coisa que sei fazer e estudo há anos, não dá pra mudar da noite pro dia e virar uma burocrata, por mais colorida que a vida fosse.
Sobre O Tatame: Quais são os próximos projetos? O que os fãs da Magra de Ruim devem esperar para 2016?
Si: Eu sigo com a página de quadrinhos (Magra de Ruim) e com o Apoia.se, onde os leitores podem financiar meu trabalho, me ajudando a escrever o novo livro, Homens. Demora muito fazer um livro, tem roteiro, estudo de personagens, rascunhos, desenhar e arte-finalizar cada página… Precisa de muita paixão e determinação. Se não sair no finzinho do ano, sai no começo de 2017. Eu fiz a primeira preview de Homens (Marco) e gostei muito, você pode ter um exemplar pela loja www.loja.sirlanney.com, ou pela editora Tribo. Ah! Daqui a pouco tem uma surpresa, mas ainda é segredo. Pode ser? Acompanha a página Magra de Ruim no Facebook e o Blog que conto tudo!
Sobre O Tatame: O que você acha do cenário nessa área no nordeste e que recado você compartilharia para os artistas da região Norte e Nordeste?
Si: Todo mundo vai concordar: mudou muito nos últimos anos. Praticamente o Sertão virou mar! Principalmente pela força dos quadrinhos feministas no país todo, o reflexo desse movimento aqui no Nordeste foi lindo. Pelo menos falando do Ceará, a gente tem vários coletivos, vários nomes novos e de muito talento. Eu já acho que é uma grande família, tenho muito carinho por todos. Qual recado?? É sal! A gente se garante <3
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Abaixo deixamos uma galeria com alguns dos trabalhos da Sirlanney: