Mais rotas e menos vidas: o ‘caso’ do porto no Cajueiro, em São Luís

Foto: Ingrid Barros/SobreOTatame.com.

Por Sérgio Muniz, em colaboração ao SobreOTatame.

Reintegrações de posse, mandados de despejo e expulsões, venda ilegal de terras tradicionalmente ocupadas, violências generalizadas e assassinatos são parte da rotina histórica de inúmeros povos e comunidades tradicionais que formam a população do Maranhão.

Essas são algumas estratégias recorrentes do processo de estabelecimento da chamada ‘Era do Desenvolvimento’, em curso há décadas em nosso Estado.

Leia também | São Pedro não é Lollapalooza! A Casa das Minas não é show!

Decorrente desse processo, nos últimos 10 anos, temos assistido um impacto intenso e virulento, com as conveniências das gestões estadual e municipais, sobre nossos ecossistemas, reservas ambientais, terras indígenas e um conjunto de territórios pertencentes a povos e comunidades tradicionais.

Moradores do Cajueiro foram impedidos de entrar nas próprias casas. Cobertura fotográfica por Ingrid Barros/SobreOTatame.com.

A justificativa é o ‘progresso’ econômico, a geração de receitas para o Estado, uma suposta ‘melhoria’ na qualidade de vida do povo maranhense. O (D)esenvolvimento é oneroso, contraditório e demagógico. É como um lobo vestido de ovelha. E o que tem nos custado a busca desse projeto?

Os moradores da comunidade do Cajueiro, na zona costeira sudoeste da ilha de São Luís podem, por experiência própria, contar os custos do tal desenvolvimento.

Leia também | MOQUIBOM: força e resistência quilombola no Maranhão

E mais do que isso, podem encontrar semelhança do termo com outras palavras como guerra, terror, medo e destruição. Há cinco anos, tratores, caçambas, escavadeiras, óleo diesel, seguranças armados e demolições começaram a se justapor ao contexto das relações tradicionais de vizinhança, de finalidades extrativistas dos recursos naturais e a um importante sítio arqueológico presente em várias áreas da Reserva Extrativista de Tauá-Mirim, área que abrange outras comunidades dessa região da ilha.

Moradores do Cajueiro ficaram revoltados com a ação da polícia.
Cobertura fotográfica por Ingrid Barros/SobreOTatame.com.

A comunidade se tornou parte dos interesses do capital estrangeiro multinacional. Para as empresas WPR São Luís Gestão de Portos e Terminais Ltda (atual TUP Porto São Luís S/A) e a China Communications Construction Company (CCCC), que representam esse capital e a realização do porto, o território do Cajueiro é a possibilidade de maximização de seus lucros e cifras monetárias por meio do escoamento de mercadorias.

Leia também | Balaio de Resistência – a força da economia criativa

Para as famílias que vivem nos núcleos Parnauaçu, Andirobal, Guarimanduba, Morro do Egito e Cajueiro, que compõem o território, aquele é seu lugar de vida e morte.

Momento exato em que uma das moradias da comunidade do Cajueiro foi destruída. Cobertura fotográfica por Ingrid Barros/SobreOTatame.com.

O capitalismo como modo de produção amparado na exploração e mercadorização da vida e de todos os seres do planeta tem buscado ocultar sua face mais perversa emoldurando sua fachada com jargões desenvolvimentistas, como a sua falaciosa preocupação com justiça e equidade social.

Para atender ao chamado dos grandes latifundiários agropecuaristas do Maranhão e outros Estados, a construção do porto na região em questão foi apresentada como saída, rota de escoamento de grãos e outros produtos. Como ‘obstáculo’ a esse empreendimento, estavam mais de 80 famílias e suas casas, levantadas ao longo de gerações, sob um chão que abrigou outras gerações.

Leia também | Mulheres negras e o protagonismo na cena cultural brasileira

Nesse contexto, as articulações políticas da comunidade, bem como os atos reivindicatórios dos moradores nos últimos anos são reveladores de um sentimento de desconfiança do sentido de justiça, que aprenderam a relacionar ao Estado, ao poder público e às leis que os regem. Por dois motivos:

  • 1-) Pelo fato de que o mesmo Estado que concedeu em 2014 a posse legal do território aos moradores ter concedido à empresa WPR São Luís liminar favorável solicitando reintegração de posse de uma área que a empresa afirma ser legalmente sua;
  • 2-) Ver a força armada do Estado à serviço de um empreendimento privado, em muitas situações agindo como escolta privada das empresas, como na ocasião do lançamento da pedra fundamental, que marcou simbolicamente o início efetivo das obras do porto em 2018 e da violência injustificada contra os moradores da área que protestavam no dia 12 desse mês¹ em frente à sede do governo.

Essa é a “justiça de quem paga mais”.

Diante desse quadro, o que podemos esperar dessa parceria entre Estado e iniciativas privadas do capital multinacional? O que podemos esperar do mercado global?

Mais rotas e menos vidas…

¹Nesta semana, moradores da comunidade Cajueiro, na zona rural de São Luís, tiveram suas casas derrubadas para a construção de um porto privado na área, após uma ação da polícia militar (PM-MA). O processo de remoção foi autorizado por uma decisão judicial de 2018, que beneficia a empresa portuária Tup Porto São Luís S.A – entretanto, já existia uma sentença judicial de 2015 que garante a posse da terra aos moradores do Cajueiro. Na comunidade, vivem dezenas de famílias que vivem a partir das pesca artesanal, extrativismo e agricultura familiar. Durante a ação da PM-MA, os moradores do Cajueiro sofreram violência física, ao serem recebidos com gás de pimenta nos olhos, bombas de gás lacrimogênio e balas de borrachas. No mesmo dia, à noite, moradores foram protestar e realizar uma vigília, em frente ao Palácio dos Leões. Os manifestantes pacíficos foram dispersados pela PM novamente com bombas de gás lacrimogênio.


Nota editorial: o SobreOTatame.com é um site que produz conteúdos de cidadania, comportamento e cultura. Por meio dos conteúdos que publicamos, acreditamos na informação como força de educação e discernimento.

A decisão de publicarmos o texto do antropólogo Sérgio Muniz, também pesquisador do grupo LIDA (lutas sociais, igualdade e diversidades) da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), é devido sua análise crítica e embasada sobre a comunidade em questão e sobre sua pesquisa em assuntos similares, referentes ao Estado.

Esperamos que o material possa levar informações e reflexões a cerca deste lamentável episódio ocorrido na comunidade do Cajueiro.

administrator
Cidadania | Comportamento | Cultura. Criamos conteúdos e acreditamos que o palco de luta é a vida, o nosso tatame de aprendizados diários. #SobreOTatame

VOCÊ TAMBÉM PODE GOSTAR

Inscrever-se
Notificar de
guest
0 Comentários
mais recentes
mais antigos Mais votado
Feedbacks embutidos
Ver todos os comentários