Oswaldo, o personagem, e o quadrinista maranhense Beto Gomez (Montagem: SobreOTatame/Fotos: Divulgação/Birdo/Arquivo Pessoal).
Quando assistimos a algum desenho animado, tudo é tão fluido e mágico. Nos divertimos tanto com aqueles personagens (pelo menos para quem ainda aprecia isso depois dos 20 anos, risos), que se pararmos pra imaginar ou conhecer a preparação e as etapas da produção por detrás do que estamos assistindo, nossos heróis passam a ser toda a equipe envolvida na animação – do roteiro à finalização, passando pela gravação das vozes.
Claro, se o desenho for de altíssima qualidade, tanto em criatividade quanto em humor e acabamento estético – e ainda mais se dentro dessa equipe existir um conterrâneo nosso. É o caso do maranhense Beto Gomez, quadrinista, animador 2D (e especialista em sanduíche de atum, como consta em seu perfil do Twitter), que atualmente trabalha na Birdo Studio (São Paulo, SP) e é um dos diretores da série animada Oswaldo, produção brasileira que consta na grade de programação nacional do Cartoon Network.
A série, idealizada pelo publicitário carioca Pedro Eboli e lançada em 2017, nos traz as nonsenses e divertidas histórias de um pinguim antropomórfico, adolescente, ingênuo e egocêntrico, encontrado na praia de Ipanema ainda bebê por um casal carioca, e que agora, segundo a sinopse oficial, “precisa encarar seu maior desafio: frequentar o 6º ano do colégio”.
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A série animada já se encontra na 3º temporada (cuja estreia foi no dia 6 de janeiro deste ano), é exibida na TV aberta através da TV Cultura e a primeira temporada está disponível pela Netflix. A produção do Oswaldo acabou no fim do ano passado, contabilizando 52 episódios ao todo (13 episódios por temporada) – a inédita quarta temporada irá estrear em breve.
Abaixo, confira o papo que tivemos com Beto Gomez pelo WhatsApp a respeito de Oswaldo:
SobreOTatame: Li uma entrevista com Pedro Boli, criador do Oswaldo, no blog P de Pop, do Estadão (a versão on-line do Estado de S. Paulo). Lá, ele fala de uma das mensagens fortes da animação, da metáfora do não pertencimento, de “abraçar nosso lado pinguim” (nosso lado estranho) em um ambiente de descobertas e conflitos, como o ensino fundamental. “Oswaldo não tenta ser aquilo que não é”, diz Eboli. “Pelo contrário. Ele sobe na cadeira e grita pro mundo quem é, com defeitos e tudo”. Mas e você? O que você teria a dizer sobre o Oswaldo e a série em si?
Beto Gomez: “O Oswaldo é o personagem principal, leva o nome da série, mas é divertido reparar que tudo é composto por vários outros personagens com características distintas, que nos mostram as diversas formas de viver essa época do ensino fundamental. Acho que a gente não é uma coisa só, então eu gosto de ver a pluralidade ali, as pequenas identificações que podemos ter com os vários personagens. É um ‘mexidão’ de referências, meio parecido com esse período da vida”.
SOT: Em “Oswaldo”, você começou no design de personagens e na animação – hoje, é um dos diretores da animação, ao lado de Antônio Linhares. Você dirigiu a segunda, a terceira e a até então inédita quarta temporada, que não tem data de estreia ainda. Nos conte um pouco a respeito dessa transição e do trabalho de um diretor de animação.
BG: “Isso. Na primeira temporada da série, eu acabei participando de várias etapas durante a produção dos 13 primeiros episódios. Trabalhei como animador, fiz design de personagem, supervisionei animação e, no final da temporada, fiz o storyboard e direção de arte da sequência musical no episódio 13 ‘Me pego lá fora‘.
Foram etapas que eu já tinha desempenhado durante meus anos no estúdio, e que a Birdo e o Pedro Eboli confiaram pra me pedir pra fazer em ‘Oswaldo‘. Foi a primeira vez que desempenhei tudo em um só projeto, o que me levou a virar o diretor da série pros 39 episódios seguintes, junto com o Antônio Linhares.
Dirigir uma série é um trabalho de observação geral: você toma decisões em todas as etapas do processo de produção, conversa com todas as equipes (roteiro, gravação de voz, storyboard, cenários, desenho de personagem, animação, trilha etc.), participa de reuniões, responde e-mails e equilibra tudo pra chegar na visão do projeto.
Em ‘Oswaldo‘, como comecei a dirigir a partir da segunda temporada, tinha muita coisa pra seguir e continuar explorando dos personagens. Foi uma ampliação do universo já que uma linguagem já tinha sido criada na primeira temporada.
Eu vejo a direção de uma série muito como saber trazer as diversas influências e pluralidade das pessoas talentosas que integram a equipe durante as várias etapas que envolvem. É preciso estar atento pra manter uma linearidade no projeto, claro, mas com espaço pra se questionar e buscar soluções fora também”.
SOT: O que se deve (ou o que se deveria) levar em consideração ao fazer animação hoje, para crianças e adolescentes brasileiros que nasceram no final da primeira década do séc. XXI? Há uma tendência em também não deixar de fora um possível público adulto, não? Pergunto isso porque enquanto presenciei, na 1º temporada de “Oswaldo”, coisas relacionadas a três ou quatro gerações atrás (jogo de bafo, video game de cartucho), reparei também, claro, que o desenho trabalhou com coisas bem atuais, como vídeos virais da internet.
BG: “’Oswaldo’ é um universo que tem celular com internet e videochamadas, mas com crianças que alugam fitas de videogame na locadora. Eu acho que isso nunca existiu no mundo real, mas é uma mistura de nostalgia com atualidade que ajuda a conversar com gerações diferentes.
Acho importante as séries não tratarem a nostalgia com tanto respeito, levantando o dedo do ‘naquela época é que era bom’. Eu acho bom o movimento de questionar e observar o que fizemos antes e evoluir a partir dali. Manter atualidade e se relacionar com a geração mais nova tem muito a ver com isso – e claro, baixar o Tik Tok (mas eu nem baixei porque nem entendo a timeline disso)”.
SOT: Para os jovens, principalmente os do Maranhão, ou para qualquer pessoa que quer trabalhar no mercado de animação, que está crescendo cada vez mais no Brasil, o que você aconselharia? O que você teria a dizer? Que tipo de “caminho das pedras” (perdão pela expressão clichê) você indicaria?
BG: “Lá em 1999, em São Luís, quando terminei a escola, eu não sabia nada sobre animação, nem que era uma profissão, então eu demorei muito pra entrar na área. Fiz Desenho Industrial na Universidade Federal do Maranhão (UFMA), trabalhei na área, depois larguei, morei fora e só em 2011, depois de muito tempo, que virei animador.
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Hoje dá pra encontrar tutoriais grátis no YouTube, cursos on-line com um preço acessível (se não for tão acessível, dá pra juntar um grupo e dividir a compra de um curso e fazer as aulas em conjunto), entrar em contato com profissionais da área pelo Instagram, Twitter, e-mail, pesquisar influências. Eu aconselho tudo isso! Depois vem os tradicionais: praticar bastante, ter paciência e se comunicar bem, que é útil pra tudo na vida.
No geral, tá um pouco mais fácil de conseguir acesso a esse tipo de informação – que é um dos passos. Mas a gente ainda esbarra na necessidade das tecnologias, de um computador, de uma mesa digitalizadora, que envolvem um custo alto e não acessível a todos. Contudo, há movimentos ótimos rolando pra ajudar quem não tem condições. O Pongo, por exemplo, é o idealizador do projeto Ctrl S”.
Oswaldo
Querem conhecer o mundo de Oswaldo? Abaixo, o link dos episódios da primeira temporada da série. Boa aventura!