(Foto: Equipe SobreOTatame.com/Divulgação).
Eu poderia começar dizendo do extenso currículo dessa artista, mas fica difícil resumir os 17 anos de premiada carreira da cantora de voz ímpar e versátil.
Maria Rita já ganhou mais de 10 Grammys Latinos (considerando também os prêmios nos quais teve participação), teve músicas emplacadas em cerca de 20 novelas e filmes (Encontros e Despedidas como tema da novela Senhora do Destino e Agora Só Falta Você na trilha do filme norte-americano Ladrão de Diamantes, por exemplo), dividiu palco com nomes como Andrea Boccelli, Gilberto Gil, Jorge Drexler, Melanie Gardot, Calle 13, Paulinho da Viola, Arlindo Cruz e Zeca Pagodinho, só pra listar artistas dos mais diferentes gêneros e nacionalidades.
Ela passeou por diversos estilos musicais, como bossa, rock pop, reggae, MPB, jazz, mas o samba foi como um bichinho que picou e ali deixou sua marca, vamos falar dele mais a frente.
Esse texto será escrito de forma diferente, como requer a grande artista que foi entrevistada por nós, a cantora Maria Rita, filha de nossa eterna Elis Regina. Portanto, o dia 23 de fevereiro de 2020, um dia que não será mais o mesmo para quem esteve ali naquela sala de hotel a escutar cada palavra de luz que essa mulher colocou à disposição de nossos ouvidos, olhos, câmeras, microfones, celulares, caneta e papel.
A propósito, foi o único dia que não caiu uma gota sequer de chuva! O sol resolveu aparecer e ficar até às 19h, sério! Os raios de sol ficaram guiando a Maria Rita que iniciou seu percurso num fim de tarde lindo, pedindo permissão para as rainhas Yemanjá e Oxum, cantando Reza.
Então, de início, conforme alguns vídeos já rodam as redes sociais, entregamos um Kit que continha um chapéu de vaqueiro, um CD com músicas e camisa do Grupo Boi Mirantes da Ilha, presidido pelo poeta Eduardo Gau, a quem agradecemos imensamente!
Interessante é que ela estava com um vestido de coreira (dançarina de tambor de crioula) em tecido de chita – nossa primeira emoção foi ver a simplicidade e o cuidado com que ela recebeu nosso presente. Uma coincidência!? O certo é que ela agradeceu, seus olhos já estavam marejados com o nervosismo de cantar aqui (exatamente, ela estava muito nervosa em cantar aqui e dizia a todo momento sobre tal sensação), e na hora ficou ainda mais cintilante alegando ter recebido um boizinho da cantora Alcione, e que deixaria o chapéu ao lado dele.
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Sobre a cantora Alcione, ela continuou: “[…] sabe que uma vez ela foi ao meu show, tava bem na frente do palco, pegou minha mão, beijou e deixou a marca do batom, até hoje eu me arrependo de não ter tatuado o beijo dela, mas quem saber um dia eu tatuo o beijo dela aqui […]”. E acarinhava a mão como se a ainda sentisse o beijo de nossa “Marrom”.
Ali, observamos o quanto que ela admira a música e cultura maranhense, tanto que ela fez questão de levar para a avenida Beira Mar o clássico Não deixe o samba morrer, tendo sido uma das primeiras músicas a ser cantada.
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Sobre o samba perguntamos o que este gênero musical representava para ela:
“[…] o samba me completa, o samba é o entendimento de mim mesma, o samba me permite mostrar pro público o que eu sou porque eu tenho a veia dramática, de fato a minha vida tem isso, as minhas vivências, minha experiência pessoal, mas tem também o deboche, tem a graça, tem a alegria, e o samba é um movimento que me traz essas possibilidades de interpretação enquanto intérprete e o swing, a batucada, os sons dos instrumentos, aquela coisa de pele. Então, desde quando o samba me acolheu, eu não vivo mais longe disso”.
Alguém ainda duvida que ela seja uma sambista?
Continuando nossa conversa eu não pude deixar de falar sobre política com ela. É notório para quem acompanha a cantora Maria Rita que ela herdou não só a música mas o posicionamento crítico de oposição a toda forma de opressão, nesse sentido eu perguntei o que ela deixaria como recado a todas e todos nós (mulheres, negros/as, índios/as, LGBTs, ciganos/as, todas as pessoas perseguidas por esse governo fascista que aí se encontra na política federal). Ela então respira muito fundo e dispara:
“Coragem! Coragem, coragem, a gente precisa buscar uma rede de proteção uns nos outros, até mesmo nos estranhos, digo é que às vezes, de dois anos pra cá, a gente percebe que essas nossas relações pessoais mesmo as nossas relações familiares se romperam. A gente tá vivendo um período estranhamente dividido, onde um povo tão tradicionalmente e historicamente sofrido que sempre teve em nossas expressões culturais uma maneira de se unir, de se entender, e mesmo isso hoje em dia me parece que não tá vingando […]”.
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Ela então olha pra todos ali, e profundamente nos meus olhos segurando a minha mão continua:
“[…] A cada dia, eu olho pra mim mesma, olho meus filhos, e observo como estou tentando criá-los nesses tempos estranhos, e olho pros meus amigos das minorias (como você colocou) e eu oro por empatia e muita coragem, e a gente tá junto!”.
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Nesse momento, ela aperta ainda mais minha mão, eu começo a chorar: é inevitável segurar já que ela me puxa para perto dela e cruza seus braços com os meus encerrando assim:
“A gente põe a mão no ombro um do outro, e eu me lembro que logo depois veio aquela história de ninguém solta a mão de ninguém, eu falo que agora ninguém tá soltando o braço de ninguém!”
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Então, galera, o recado foi dado, ali eu pude enxergar ao vivo um trecho da letra imortalizada na voz da Elis, que a própria Maria Rita chegou a cantar no encerramento do circuito da avenida Beira Mar, uma canção composta por Belchior que diz o seguinte:
“Minha dor é perceber é que apesar de termos feito tudo o que fizemos, ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais”.

Mas não vamos nos entregar, fazer a revolução é preciso. E o que seria revolucionário senão o próprio Carnaval? Podemos verificar que não só aqui no Maranhão, mas no Brasil afora as pessoas se colocaram em estado de irreverência para expressar suas críticas políticas, sociais e econômicas, contra uma cultura patriarcal, misógina, homofóbica, classista e racista. Nos inspiremos mais nessa mulher que é um símbolo de luta, de música e resistência.
Sendo assim, não vamos deixar que o fim do Carnaval interrompa o nosso espírito revolucionário. Continuemos nossos atos políticos, continuemos acreditando que depois desse tempo escuro de inverso a primavera chegará e será colorida, linda, libertária e emancipatória.
Até breve Maria Rita!
E abre alas que o São João quer passar, equiô!
É pra reunir! É pra guarnicê!
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