O batalhão do Boi de Maracanã (Foto: Diana Gandra).
Maranhão sem São João. Esta é uma realidade que a pandemia do Covid-19 tem trazido, ao menos no plano material. Na cidade de São Luís, não veremos bandeirinhas, pessoas brincando nas festividades, arraiais e os tantos grupos populares que se preparam ao longo de boa parte do ano para realizar os rituais juninos, bem como se apresentar nos diversos cantos da capital maranhense durante o São João. Não ouviremos os diferentes batuques, sopros, barulhos e cheiros de bombinhas. Comidas típicas, só se for em casa ou em pequenos grupos.
Aglomerações em essência, visto que são movimentos coletivos, grupos de bumba-meu-boi não vem podendo realizar as atividades que desenvolvem regularmente desde que a pandemia chegou ao Maranhão, para a tristeza afetiva de toda a cidade, mas com a plena convicção de que a ausência, nesse momento, é fundamental.
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Atividades como a realização de ensaios foram totalmente paralisadas. Outras como a confecção de instrumentos e bordados caminha a passos bem mais lentos do que normalmente – já que a entrega pode ser somente ano que vem, o que compromete a renda das pessoas que realizam esses trabalhos.
Em 21 de março de 2020, o governador do estado do Maranhão, Flávio Dino, publicou o primeiro decreto que proíbe aglomerações e, o que incluiu ensaios de grupos de bumba-meu-boi. Desde então, a dinâmica de atividades não foi a mesma.
Conversamos com representantes de alguns grupos de bumba-meu-boi. Nesta série, que será dividida em três matérias, vamos mostrar como alguns grupos do sotaque de Matraca, estilo mais antigo encontrado na Ilha de São Luís, estão encarando este momento.
Boi de Maracanã
O Boi de Maracanã é um dos maiores e mais famosos representantes de bumba-meu-boi do Maranhão e do país. Localizado na zona rural, na região do Maracanã, o grupo existe desde o final do século XIX e foi morada de um dos cantadores mais conhecidos do bumba-meu-boi: Humberto de Maracanã, que ficou à frente do grupo por mais de cinquenta anos e a autor de um dos grandes hinos maranhenses, a toada “Maranhão, meu tesouro, meu torrão”.
Um grande líder para a comunidade, Humberto era também um artista versátil, que compôs músicas para diversos gêneros musicais, como samba, forró e carimbó. Suas canções foram gravadas por diversos artistas, como Maria Bethânia e Alcione.
Humberto faleceu em 2015 e, hoje, o grupo tem como presidente Maria Soares, que era esposa de Humberto, e como principais cantadores, seus descendentes Ribinha de Maracanã, Humberto Filho e Emanuel Victor.
Conversamos com Ribinha de Maracanã e ele nos contou como o grupo tem enfrentado este momento, que nunca aconteceu na história recente. Ribinha nos contou que as datas mais significativas para o grupo são o Domingo de Páscoa, quando acontece o lançamento de novas todas dos cantadores, o dia do primeiro ensaio, ensaio redondo, batizado do Boi, morte (que ocorre no Dia dos Pais). Nestas datas, nada aconteceu.
“Nós já éramos para estar ensaiando porque o ensaio do boi começa na véspera do Dia das Mães, no mês de maio – tradicionalmente, o segundo sábado de Maio é o nosso primeiro ensaio. A gente faz uma prévia no Domingo de Páscoa para dar lançamento das novas toadas. Como não houve também liberação, não tinha como a gente fazer. Aí não teve Domingo de Páscoa, nem ensaios. É provável que não terá também a temporada junina. O que para nós é um momento único, que nunca teve antes na história”, disse Ribinha.
Já a parte religiosa, está sendo sendo pensada. “Segundo as pessoas que cuidam mais dessa frente, ainda estamos vendo como vai ser. Pode ser de forma bem restrita, isolada, bem limitada”, comenta o cantador.
Outra modificação causada pela necessidade do isolamento foi a convívio entre as pessoas do grupo, que agora se dá basicamente por ligações e via grupo de WhatsApp.
“Não é aquele contato de todo dia, na associação do boi, aos finais de semana, almoçando junto, tomando um café, uma Jussara, trabalhando fazendo manutenção das roupas dos instrumentos, enfim, por enquanto todo mundo em casa. Alguma vezes, duas ou três pessoas vão lá na sede resolver alguma coisa rapidinho. Mas a gente tá assim obedecendo as normas de isolamento e distanciamento sociais e a questão da quarentena”, acrescenta Ribinha.
A inexistência das apresentações no período junino ocasionou, também, a redução no ritmo de trabalho de algumas atividades, como manutenção e confecção de indumentárias, que agora é realizada pelos artesãos em suas casas – e não mais no barracão – e em menor volume.
“O investimento, para ser feito, tem que ter a garantia de que o boi vai brincar, vai apresentar, que já tem aqui uma apresentação para Secretaria de Cultura, apresentação para os arraiais privados, um patrocínio da lei de incentivo. Nós não temos como criar custos, débitos, diante de uma incerteza, sem saber como a gente pagar isso. Então, o momento mesmo é como se o ano fosse neutro em relação ao Boi se apresentar de forma presencial. Quando o Boi está se apresentando, a gente tem um apoio daqui, um apoio dali, uma apresentação, tem um contrato, tudo que a gente consegue financeiramente ir administrando dentro de um trabalho que está acontecendo”
Ribinha de Maracanã, cantador.
Do outro lado, o grupo tem utilizado o momento para investir em sua presença on-line: já alcançou mais de mil inscritos no YouTube e os cantadores marcam presença nas redes, postando toadas que falam sobre o momento que estamos atravessando.
No dia 9 de junho, Maria José, presidente do grupo, fará uma Live sobre a liderança feminina à frente do grupo; já no dia 13 de junho, o Boi realizará a primeira live pelo canal do YouTube do grupo, com os cantadores Ribinha de Maracanã, Humberto Filho e Emanoel Victor.
O cantador Ribinha do Maracanã e um pouco das suas toadas que encantam nas lives do Boi de Maracanã (Vídeo: Divulgação).
A atividade será solidária e os fundos arrecadados irão para a fundação Antônio Bruno, que trata de crianças com câncer, bem como para moradores da área rural da Ilha.
“E eu falo de comunidades da zona rural porque o próprio Boi, ele é composto por várias comunidades da zona rural de São Luís e também pessoas de comunidades dos outros municípios de dentro da Ilha, como, por exemplo, pessoas da Raposa, Paço do Lumiar, de toda a Ilha de São Luís. Então agora nós estamos aderindo a esses projetos virtuais porque a lógica é as pessoas ficarem em casa, se resguardando se cuidando”, analisa Ribinha.
O cantador, inclusive, tem participado de outras atividades on-line, como a da Festança Junina, prévia que ocorre no Ceprama, e esse ano foi transformada em live. “É uma forma de entretenimento. É uma forma das pessoas se divertirem em casa e eu acho que as pessoas se divertem, batem matraca em casa, batem pandeiro, enfim, é um negócio bom”, pontua.
Já que as atividades do grupo não estão regulares desde o início do ano, Ribinha falou, também, sobre a necessidade de pensar no próximo ano. “Se nós formos analisar, já é junho, depois já é julho. O ano acaba rapidinho e tu não percebe. Quando a gente pensar que estamos vivendo uma temporada que poderia acontecer, nós já estamos trabalhando para o próximo ano, se Deus nos permitir isso. Quando chegar em julho, as pessoas vão dizer assim já acabou a temporada. Então, vamos nos preparar para o próximo ano. Agora, não é fácil. A gente sabe que nunca é a mesma coisa”, finaliza Ribinha.
Mais do São João do Maranhão
Durante o mês inteiro de junho, traremos um material especial sobre o São João do Maranhão. O objetivo do SobreOTatame é trazer à memória os dias alegres que já vivemos e ainda viveremos, dar voz aos principais atores e atrizes dessa época e alimentar o nosso amor por essa festa.
Abaixo, alguns dos materiais produzidos este ano:
– O São João do Maranhão não para nunca!;
– Nina é, Nina foi, Nina sempre será: o batalhão do Boi de Nina Rodrigues;
– São João em tempos de isolamento social: Caio Zito cria versões alternativas de bumba-meu-boi;
Já aqui, outros materiais especiais do SOT: