Olá, saudações de outro tempo!
Como vai você, ser-do-futuro?
Então, por aqui, no presente em que escrevo, tudo vai bem. A temperatura está amena e o tempo tá com cara de que vai cair um pé d’água! Por aí, já deve ter chovido, né? Ou tudo não se passou de uma peça pregada pelos céus para que todos nos apressássemos em retirar as roupas do varal, e cancelássemos o churrasquinho de legumes ou o dia de praia? – A propósito, aqui é domingo.
Pô, é curiosão pensar no caráter quântico dos registros. Imagina só: nesse(s) momento(s), matemáticos e físicos estão suando o cérebro pra caçamba em busca de comprovar a existência e o porquê dos buracos de minhoca, referendando possíveis interferências entre multiversos – ou, em outras palavrinhas, a galera tá tentando sacar e influenciar mundos paralelos, e, quem sabe, até dar uma esticadinha pelos múltiplos espaços-tempos.
Já que estamos falando nisso, bora divagar rapidão: pensa só nos pacotes de viagem do futuro. Sério! Ao lado das ofertas de visitar o Rio de Janeiro para tirar umas fotos com as estátuas de Drummond e de Vinícius, as agências de turismo passarão a fornecer a possibilidade de encontrar pessoalmente o Carlos no banquinho (num pacote premium, quem sabe, até tomar um sorvete com ele) e ver o Moraes bebericando pela orla. O cérebro teima em inadmitir, eu sei. É natural, fomos condicionados a pensar desse jeito. Mas, e lá minha bisavó diria ser possível realizar uma vídeo-chamada intercontinental? O que pensaria meu tátara-tátara-tátaravô (sempre quis escrever essa palavra!) sobre um troço metálico de toneladas ser capaz de atravessar oceanos? Que seríamos sem a ousadia de imaginar ser possível? Parte do que convencionamos ser “loucura”, é simplesmente futuro.
Então, a parada é que, há séculos incontáveis – desde quando alguém decidiu pintar um bisonte em grutas, gravando a importância milenar da magia no cotidiano, e descrevendo à posteridade partículas de si – o espaço-tempo é fraturado. Quero dizer, tão presente e tão presentes quanto os raios de sol recém-chegados à Terra, e emitidos pelo astro há precisamente 8 minutos e 19 segundos. São o ‘gauche’, quando se lê suas estrofes, e o ‘poetinha’, ao botar pra tocar uma bossa, ambos feixes oriundos de algumas décadas, micro existências autônomas. Assim, pinturas rupestres, a música, o texto e seu perfil no Instagram são exemplos de fissuras temporais – verdadeiras eternizações de pedaços de si. Isso é comunicar-se, é se dissolver no mundo, é ultrapassar fronteiras datáveis, transgredir as leis newtonianas da física, quando estamos aqui e acolá ao mesmo tempo. O corpo é uma fração da existência.
No mesmo sentido, porém, de percepção mais delicada, caminham nossos gestos, ações e tudo aquilo que nos adjetiva. Por exemplo: esteticamente, pareço com meu pai, me porto como minha mãe, me manifesto a partir de digitais das pessoas que passaram, dos livros que li e do que presenciei a mais, bem como o que a memória e o inconsciente conseguiram guardar. Quantos habitam em nós mesmos?
Ao mesmo tempo em que nessa soma de circunstâncias nunca se têm os mesmos fatores e resultados, logo, todos somos matematicamente únicos, também vivemos um momento de desconstrução da ideia de morte, reforçando nossa natureza indissociável, uma vez que a existência extravasa o corpo (ou ânimo corporal) com efeitos eternos. Afinal, compartilhamos traços, vivências, e construímos, em conjunto, o que cada um convenciona chamar de ‘eu’. Assim, cada novo contato simboliza o privilégio de abrir as portas a um novo universo de tempos, acrescendo mais um ingrediente à mistura do ser, e, finalmente, modificando os modos de pensar e sentir através dos quais se vivencia o mundo.
A cada oito anos, todas as células do corpo humano são substituídas. Ou seja, em média, o brasileiro vive em cerca de nove corpos diferentes por registro civil. Somos os mesmos? “Tudo muda, exceto a mudança”, professava Heráclito.
Por tais motivos, todo e qualquer juízo está fadado à imperfeição, ao relativismo entre mundos e tempos. Dessa forma, num mesmo segundo, o jiló pode ser sentido através de mastigações sorridentes e caretas desgostosas, o ranger da motocicleta pode ser ouvido com felicidade pelo dono e com extrema irritação pelo meu tio. O significado do mundo depende dos olhos de quem o vê e de como o sente. Verdades são convenções relativas.
Existir é o ciclo perpétuo de dissoluções mútuas e interseções temporais, é reencarnar a cada instante num mesmo corpo, e permanecer ao eterno em efeitos.
Estes somos nós, partículas finitamente infinitas.
*
De um passado,
G. Líquido.