(Ilustração por Rayanderson)
Eram umas 3 da manhã. Fazia algum tempo que eu não pegava em um sono profundo. Parecia que naquele dia o destino não escreveria algo diferente, mas eu ia tentar. Acordei meio tonto e embriagado de algumas noites mal dormidas.
Coração palpitando.
Boca seca.
Tremores.
Falta de ar.
Não me orgulho quando perco as batalhas para ansiedade. Eu entro em campo sabendo exatamente quem é o monstro que vai sair da porteira do outro lado. Pego a minha toalha vermelha e quase grito um “vem, eu estou pronto”. Mas sempre que termino de gritar, acabo estirado no chão, apertando a coluna para saber se está tudo bem. Respiro fundo e conto as costelas, uma a uma.
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Nesse dia, não seria tão diferente, eu vi nos olhos dela.
Peguei a guitarra e tentei ignorar os sinais, mas acabei caindo no desespero do ciclo vicioso. Comecei a falar só.
– Será que eu surtei?
Afinal, depois de 6 anos, o que você espera de mim?
(Silêncio)
– Eu não vou gritar, nunca funciona.
(Silêncio)
Por algum momento, parecia que alguém soprava uma solução drástica. Eu sempre lembro da voz da minha mãe nesse momento dizendo para não confiar em estranhos. A infância é um gota de prozac para mim, 10 mg mais ou menos, mesmo eu odiando remédios.
– Judite?
– Oi, Pedro.
Sério, eu enlouqueci. Alguma coisa cortou o silêncio. Podia ser o medo? Sim, podia. Mas também podia ser uma crise depressiva cansada de vencer todos os jogos que a gente jogava. Isso deve ser entediante, eu odiava o modo “easy” depois que descobria os truques do meu mega system.
– São 3h da manhã.
– Por que Judite, Pedro?
– Você gostou? Vem do latim, significa judiar.
Seis anos. A vida de um filho que já sabe falar. Uma copa e meia. Uma reeleição. Seis sóis em leão. Não confunda, não são seis dias.
Seis anos e ela nunca tinha respondido nada. Mas agora, talvez pelos fitoterápicos, ou talvez pela mistura dos chás que não se pode combinar, eu ouvia o outro lado.
Diálogos.
Mentira. Monólogos.
Monólogos porque o terreno fértil que tudo acontecia ficava dentro da minha cabeça.
Peguei caneta e papel e escrevi tudo que acontecia. Na busca desesperada de encontrar alguém que me desse a mão, ou que me dissesse que não enlouqueci, publiquei. Como uma blogueira desesperada que tomou um detox que fez o efeito reverso, acabei me expondo.
Por que falar de depressão e ansiedade é tão difícil? Eu queria me responder isso.
Foi quando alguém gritou a mesma dor do outro lado e me perguntou porque eu não fazia uma tirinha. Droga, eu não sei desenhar. E com a disposição que ando, nunca vou aprender.
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Monólogos com Judite era o título no caderno. Uma semana depois era um quadrinho. Transformei minha dor em uma história, mas eu não sou um vendedor de pílulas de felicidade, nem coach de ninguém. Não é grosseria, é um conselho de quem sente dores também.
O desfecho daquela noite? Eu descobri o ponto fraco da minha ansiedade.
Se eu estou em paz eterna? Não.
Eu sei que eu não descobri nenhuma cura definitiva, nenhuma fórmula mágica. Mas se eu levanto, tomo meu café e vou ao trabalho, significa que, por um dia, eu venci a guerra. Uma guerra cansativa, repetida, mas que nem por isso precisa ser tão dolorosa.
Significa, para mim, que, nesse dia, eu estive bem e, por um momento, curado.
Com vocês, um novo projeto: monólogos com Judite.
Ah! Achei a fenda que me traria de volta.
Câmbio, desligo.
Veja, abaixo, a ficha completa do episódio piloto do Monólogos de Judite:
Direção: Rick Ramos;
Roteiro: Pedro Henrique, Jonas Sakamoto e Joceline Conrado;
Câmeras: Eduardo Felipe, Mika Mendes e Jonas Sakamoto;
Figurino: Henrique Coutinho;
Som: Patrícia Adelia;
Atores: Katherine Marjorie (Judite) e Rick Ramos (Pedro);
Ilustrador: Rayanderson.