Nota do Editor: Quem acompanha Diego Pires em sua rede social, já conhece. Além de ser o fundador do Movimento Sebo no Chão, ele é um excelente contador de histórias. Enquanto navegamos pelo feed, de repente somos captados para dentro de uma crônica divertida e de um mundo que é dele, mas que também é nosso. Assim, nos identificamos, rimos e nos emocionamos com suas deliciosas histórias, por vezes dignas de um roteiro de cinema, numa leitura leve e diria até informal. Em tempo de diversos softwares, Diego também faz ilustrações com o tradicional Paint.
Um dia perdi a cabeça por causa de uma coisa que nem me lembro, sei que era uma terça-feira, em outubro talvez, e mesmo sem cabeça, sai andando pelas ruas à procura da minha cabeça, achei uma orelha, à direita, e passei a ouvir os comentários das pessoas que passavam do meu lado esquerdo, olha aquele cara andando sem cabeça, absurdo, nunca tinha visto isso na minha vida, deve ter sido por causa de alguma mulher, já ouvi falar de outros casos, olha aquela lenda da mula sem cabeça, existe mesmo! Me dá um autógrafo. Vou levá-lo pra um circo de horrores. Um homem sem cabeça é muito charmoso, qual seu telefone? Senhor, eu vi tua cabeça descendo um córrego de esgoto aqui próximo, tua cabeça está num museu empalhada com visitação só pela manhã, nem dei muita atenção pros comentários, deixei pra lá, só sei que perdi minha cabeça por causa de alguma coisa que nem me lembro, caminhei mais na frente e achei um olho, o esquerdo, podia ver agora que as crianças ficavam meio assustadas no início quando me viam, tinha uns pestinhas que jogavam pedras, outras corriam atrás de mim, curiosas, onde foi parar sua cabeça?! Não pude responder, pois estava sem a minha boca, então tentei gesticular com os braços e mãos como os mudos fazem, era engraçado, expliquei que perdi a cabeça numa terça-feira, por causa de alguma coisa, mas não me lembrava do que era, já tinha achado uma orelha e um olho, estou na busca da boca, do nariz, da testa, do cabelo, do cérebro, vocês podem me ajudar a achar, estão espalhados por ai, eu acho? Entenderam o recado e correram atrás, desafiadas. Sentei numa calçada e esperei. Umas dela trouxe minha boca, me disse que achou numa lanchonete comendo um pastel de carne de sol, por isso ela tão tava oleosa, fumei um cigarro e filosofei, se eu não tenho cabeça, sou uma festa, se tenho uma, sou uma besta. Veio mais uma criança e me trouxe meu nariz, me disse que achou ele fungando o cangote da sua mãe, que suspirava, com ele voltei a sentir o cheiro das coisas, na cidade, muita fumaça e gasolina, a cidade intoxica, decidi naquela hora que devia ir embora pro mato, morar na beira dum rio, mas precisava ainda achar o resto da minha cabeça, como iria sem meu cérebro, nem sei como to conseguindo pensar, se estou sem o cérebro? Talvez, se pense com o coração também, concluo, então não preciso tanto assim do cérebro, concluo novamente. Avistei com meu único olho, uma criança vinda com meu cérebro nas mãos, empolgada e gritando que achou num jardim de casa cheia de minhocas, peguei o cérebro e pensando com o coração o comi me lambuzando todo pelos cantos da boca.