(Arte: Depto. de Estado/Doug Thompson).
Este ano, o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, 3 de maio, teve gostinho de fascismo com retrogosto de ditadura, conservada em um barril cuidadosamente guardado nos porões do neopentecostalismo, desde o ano de 1964.
Nesta data, a equipe jornalística do jornal O Estado de S. Paulo foi insultada e agredida. O fotógrafo Dida Sampaio, que já recebeu dois prêmios Esso e três Vladimir Herzog, recebeu socos e chutes enquanto tentava fotografar o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) cumprimentando os manifestantes, que pediam o fechamento do Supremo Tribunal Federal (STF), em frente ao Palácio do Planalto.
Na mesma semana, o presidente ao ser questionado por um jornalista, gritou e repetiu, sem qualquer pudor: “Cala a boca, não perguntei nada. Cala a boca, cala a boca!”. Aqui, vale lembrar que, no início deste ano, a Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) divulgou o Relatório de Violência contra Jornalistas e Liberdade de Imprensa no Brasil.
Nele, a instituição concluiu que: “Os ataques à liberdade de imprensa explodiram em 2019, em razão da frequente e sistemática ação do presidente da República, Jair Bolsonaro, para descredibilizar os veículos de comunicação social que fazem Jornalismo e os jornalistas”.
Em 2019, a FENAJ contabilizou 114 casos de descredibilização da imprensa e 94 de agressões diretas a profissionais, totalizando 208 casos de violência. Trata-se de um registro 54,07% maior que o do ano de 2018, quando ocorreram 135 casos de agressões a jornalistas.
O presidente Jair Bolsonaro foi responsável pelos 114 casos de descredibilização da imprensa, com ataques a veículos de comunicação e a profissionais, e por outros sete casos de agressões verbais e ameaças diretas a jornalistas.
Foram 121 casos, envolvendo somente o presidente do Brasil em seu primeiro ano de mandato. Mesmo com a divulgação desses dados, as agressões continuaram e, até mesmo, foram acentuadas, como se pôde perceber no episódio desta semana.
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Em um país democrático, a liberdade de imprensa é um valor fundamental. Sabe quem historicamente trabalha para calar a imprensa? Regimes ditatoriais. A ditadura militar brasileira entre elas.
A Comissão de Anistia do Ministério da Justiça entregou, em 2014, à Comissão da Verdade e Memória dos Jornalistas, da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), um estudo que analisava mais de 50 casos de jornalistas perseguidos na ditadura.
O relatório final da Comissão Nacional da Verdade apontou que mais de 20 mil pessoas foram torturadas durante o período da ditadura militar, no Brasil, e reconheceu 434 mortes e desaparecimentos políticos somente entre os anos de 1946 e 1988, a maioria deles no período ditatorial. Não há revisionismo histórico que apague essa mancha de sangue na história do país.
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Ainda que a secretária de cultura, Regina Duarte, tenha zombado e minimizado, em entrevista à CNN, dizendo: “Cara, desculpa, eu vou falar uma coisa assim, na humanidade não para de morrer… por que que as pessoas ohh ohh ohh?”.
Tempos estranhos esses nos quais a gente tem que explicar a diferença entre mortes naturais e assassinatos oriundos de torturas praticadas em regimes ditatoriais. Regina, não há paralelo, taokei? Talvez, falando assim você e seus asseclas da extrema-direita entendam.
Para que tudo isso ocorresse e não houvesse oposição, os militares realizavam um controle rígido da imprensa. Notícias foram censuradas e, ironicamente, substituídas por receitas de bolos. Jornalistas foram “suicidados”, como Vladimir Herzog, que deu nome ao prêmio recebido três vezes por Dida Sampaio.
Em resumo, só saia na imprensa o previamente combinado, como Regina Duarte bem sabe, afinal, foi isso que ela cobrou dos jornalistas da CNN, quando as perguntas foram incômodas demais. “Não foi combinado isso. Eu achei que era uma entrevista com você Daniel. Começam a entrar pessoas e desenterrar mortos”, bradou a secretária.
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Como bem frisou William Randolph Hearst: “Jornalismo é publicar aquilo que alguém não quer que se publique. Todo o resto é publicidade”. Não estamos aqui para combinar perguntas e acalentar o povo com mentiras confortáveis. Calar a imprensa é calar a sociedade. É não saber lidar com o contraditório, com a oposição. Isso não é admissível em uma democracia. Ainda estamos em uma, ou não estamos? Quem apoia ou pratica a violência contra jornalistas tem dentro de si um fascistinha pronto para sair do bueiro.
Todo mundo tem o direito de se opor ao que é divulgado pela imprensa, de não gostar e não acreditar. E esse direito de ter e externar uma opinião só é possível em um regime democrático. É bom deixar claro. Parece tolo ter que explicar isso, mas, quando chegamos ao ponto de vivenciar protestos pedindo a volta do Ato Institucional Número Cinco (AI-5) – que proibia a realização de manifestações políticas –, vemos que o raciocínio óbvio é algo muito distante para quem ainda defende a extrema-direita brasileira.
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Finalizo, aqui, com uma memória de infância. Quando eu era criança, aos fins de semana, sempre visitava a minha bisavó, Carmem Silva. Não houve um fim de semana sequer que eu chegasse na casa dela e não tivesse uma edição do Jornal Pequeno e outra do jornal O Estado do Maranhão, periódicos historicamente concorrentes e com linhas políticas completamente opostas. Aprendi, desde então, que devemos ler de tudo e usar as nossas lentes para filtrar os conteúdos. Só assim adquirimos uma consciência crítica sobre o mundo.
Então, como jornalista que sou hoje, digo que mais vale construir uma leitura apurada e crítica do mundo, do que limitar as produções jornalísticas, porque elas não falam aquilo que você quer ouvir. Jornalismo bem feito, muitas vezes, traz verdades incômodas, mas, extremamente necessárias para a sociedade. A ignorância é confortável, mas mata. A prova disso é o momento que estamos vivenciando, no qual, acreditar em mentiras, negar as orientações da imprensa e minimizar a pandemia, têm alavancado o número de óbitos pela Covid-19.
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Calar a imprensa não é solução para nada. Só favorece ditadores e mentirosos, mas, assim como na ditadura, uma hora, não vai ser mais possível esconder os esqueletos no armário.
E a quem insiste em defender a censura, respondo com versos do também jornalista, Mário Quintana: “Todos esses que aí estão/ Atravancando meu caminho/ Eles passarão…Eu passarinho!”.
Jornalismo e liberdade de imprensa
Para falar mais sobre este assunto, nesta quarta-feira (13), às 19h, eu entrevistarei o Secretário de Estado de Direitos Humanos e Participação Popular, Francisco Gonçalves, que também é professor do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) e doutor em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
A entrevista será transmitida em uma live no Instagram, no perfil do SobreOTatame. Aguardo vocês!