O furacão Dzi Croquettes: resistência e revolução contra a ditadura

O grupo Dzi Croquettes (Foto: Divulgação).

Em 1964, o Brasil sofre um duro golpe militar, levando ao fechamento do Congresso Nacional, acabando com a liberdade de expressão civil e levando ao desaparecimento, prisão e assassinato de muitas pessoas. E, a partir de 1970, em contrapartida, inicia-se uma série de movimentos de mudança, para fugir de padrões e buscar o novo, o desconhecido.

Essa contracultura abriu espaço para questionamentos sobre a realidade, a ruptura ideológica e a transformação social. É nesse contexto que 13 homens super talentosos, excêntricos, conhecidos como os Dzi Croquettes –  e que usavam a dança, o teatro e a música – criam, sem pretensão alguma, um movimento de resistência em pleno período ditatorial no Brasil.

O grupo se tornou um símbolo internacional de revolução no teatro, na cultura e na sexualidade. Como um furacão, este grupo fez as instituições tradicionais se recriarem em suas inseguranças morais e valores, causando um impacto profundo nos conceitos, inclusive de família.

Leia também | Arte Drag: estranhamento, estética e resistência

Nessa perspectiva, o próprio grupo formava uma grande família, com papéis definidos de mãe, pai, filhas, tias, sobrinhas, e governança. Um estilo muito próprio de conviver e ter que lidar com as diferenças e indiferenças uns dos outros.

O grupo Dzi Croquettes (Foto: Divulgação).

O Dzi Croquettes era um grupo de desobedientes e debochados que encarava a ordem do regime militar ou qualquer outro tipo de opressão, com inteligência. Trajados, propositalmente, com sapatos de salto alto e roupas femininas, exibiam as pernas cabeludas e a barba cultivada pelos homens do grupo, criando um visual psicodélico, andrógino, divertido e colorido. Uma mistura constante entre elementos que conhecemos como construtores de uma identidade masculina e/ou feminina.

Possivelmente, este grupo de arte abre caminho para o que é conceituado, nos anos de 1990, como pessoas Queer. Atualmente, inclusas na sigla LGBTQIA+. As pessoas identificadas no gênero Queer rompem com qualquer perspectiva nos moldes binários de entendimento do corpo e da expressão de gênero, consequentemente, com qualquer tentativa de normalidade estabelecida pelos padrões heteronormativos.

Leia também | LGBTQIA+ e Literatura: uma conversa sobre representatividade e representação

Há cinco anos, numa tentativa de conversar com a escola sobre Educação Sexual e Sexualidade, criei o projeto Curta Diversidade e utilizei produções audiovisuais para o debate. Então, já que estou falando em Dzi Croquettes e cinema, deixo aqui minha primeira indicação: o documentário-filme (1h30min) que carrega o nome da trupe artística, produzido e dirigido por Tatiana Issa, filha de Américo Issa, cenógrafo, com apoio técnico do Dzi Croquettes.

O documentário conta com depoimentos de Ron Lewis, Gilberto Gil, Nelson Motta, Marília Pêra, Ney Matogrosso, Betty Faria, José Possi Neto, Miéle, Aderbal Freire Filho, Jorge Fernando, César Camargo Mariano, Elke Maravilha, Cláudia Raia, Miguel Falabella, Liza Minnelli (grande admiradora e amiga do grupo), Pedro Cardoso, Norma Bengell, entre tantos, e ainda dos integrantes originais do grupo, ainda vivos: Claudio Tovar, Ciro Barcelos, Bayard Tonelli, Rogério de Poly e Benedito Lacerda.

Leia também | Livres, leves e canceladas: quem está pronto para julgar?

A produção traz, ainda, alguns registros em vídeos e fotos dos que já se foram: Wagner Ribeiro de Souza, Cláudio Gaya, Reginaldo di Poly, Bayard Tonelli, Paulo Bacellar, Carlinhos Machado, Eloy Simões, Roberto de Rodrigues e Lennie Dale.

O grupo Dzi Croquettes (Foto: Divulgação).

De acordo com os artistas e amigos que acompanharam o grupo do início ao fim, eles não formavam um espetáculo gay. Eles criavam uma possibilidade de se viver a sexualidade em cena. Isso porque havia uma revolução de comportamento, interação sexual e de valores morais, em relação à masculinidade e feminilidade. Outros termos são usados para definir os espetáculos da companhia, tais como: sensuais, fortes, intensos,  geniais,  glamorosos, pioneiros, besteirol etc.

O documentário nos provoca, também, reflexões sobre a diferença entre travestidos e travestis (lembram de outro material meu no SOT, abordando Arte Drag?), homofobia, discurso biomédico sobre homossexualidade (Aids), discurso sociocultural sobre homossexualidade (como constroem sua sexualidade) e desafios psicológicos de se construir como pessoa homossexual naquela época (problemas com aceitação, depressão, uso abusivo de drogas etc.).

Leia também | Seis filmes para entender a luta contra a homofobia

Uma produção, que ganhou 25 prêmios internacionais, atingindo o patamar de documentário mais premiado da história do Brasil, não deve ficar fora da lista de audiovisuais a serem assistidos por pesquisadores de gênero e sexualidade, como também deveria ser parte do conteúdo histórico da formação cultural brasileira, para que todos e todas possam ter acesso, a começar pela escola.

Tenham um bom filme e me contem como foi!

Alderico Segundo Santos Almeida é sociólogo, professor, mestrando em Educação, especialista em Gênero e Diversidade na Escola, poeta e escritor. Para conhecer mais do trabalho dele, pela @ do Instagram: @_aldericosegundo

VOCÊ TAMBÉM PODE GOSTAR

Inscrever-se
Notificar de
guest
0 Comentários
mais recentes
mais antigos Mais votado
Feedbacks embutidos
Ver todos os comentários