Na última semana, a gente falou sobre a monetização no Youtube e como a vontade de agradar esse sistema mudou a forma de criação de conteúdo no site. Hoje, falaremos de uma vertente de vídeo que mais tem gerado retorno: o ódio.
“Tu já viu esse vídeo?”
O Youtube também é espaço político. Não só porque a aba “Em Alta” apresenta nos últimos seis meses diversos vídeos, como “A Mamata Acabou”, em suas mais diversas variações. O Youtube é político principalmente porque ele te dá a oportunidade de produzir.
A ideia de termos que sempre nos alimentar de informação através dos grandes meios de comunicação é algo que definitivamente ficou para trás. O Youtube te dá o suporte e você só precisa produzir. Claro que nem sempre isso quer dizer que o meio de informação “alternativa” é a melhor informação.
A disputa de espectros da política estabelecida no país nos últimos tempos desaguou para o Youtube – e para a internet, de forma geral – e o resultado disso foi uma eleição que passamos no “Mas eu vi que ele disse isso”; “Mas e o partido de vocês?”; “Esquerdopatas!”; “Coxinhas!”.
Em uma conversa recente com um colega de trabalho, ele disse não lembrar de ter visto algo tão intenso como a última eleição. Não tenho idade suficiente pra responder isso, mas com certeza sei como a internet tem responsabilidade nessa sensação.
Tom, Tom, Semi-Tom, Tom
A primeira vez que ouvi falar de Nando Moura foi através do canal Coisa de Nerd, do Leon Martins. É um vídeo até muito difundido na comunidade do Youtube como uma prova de como o Nando Moura não tem base nenhum do que ele fala. Mas antes, um breve resumo – breve mesmo, porque não preciso falar dele.
Nando Moura é um músico e professor de música, que há alguns anos posta vídeos no Youtube. Sem segmento específico, ele já postou videoaulas de guitarra, vídeos Anti-PT e Anti-Dilma, reviews de notebook e smartphones. Atualmente, ele posta vídeos com frequência tratando de assuntos variados, mas a maioria de política pró-Bolsonaro.
Mas o grande diferencial deste personagem é sua facilidade de arranjar tretas. Para aqueles que estão acompanhando a série de textos, nós sabemos como é difícil fazer um conteúdo 100% original, né? Treta é original. É pífio. Mas é original.
Voltando ao Coisa de Nerd, a treta em questão aconteceu quando em uma série de tweets, Leon crítica as pessoas que colocam o nazismo como “de esquerda”. Nando Moura questionou o canal, respondendo com outro vídeo mostrando várias “provas” de como o nazismo era de esquerda.
E como resposta, eles gravaram esse vídeo. (Link pro vídeo original)
Eu falei que essa foi a primeira vez que ouvi falar de Nando Moura. Mas ele já era uma pessoa conhecida no Youtube pelo mesmo motivo: treta. E foi exatamente dessa forma que ele ganhou popularidade, seguidores e, principalmente, começou a criar uma sensação de guerra no Youtube.
Boa parte das confusões geradas entre Nando e vários outros personagens do Youtube acontecem por divergências políticas e ideológicas. Mas o grande problema nessas acaloradas discussões recai na forma que Nando Moura traz as informações: deturpadas, não confirmadas ou falsas.
Isso é Fake News
Em tempos em que defensores de Terra Plana aparecem de todos os cantos, fica bem claro como ideias erradas ou falácias tomaram conta do Youtube.
Claro, sempre houveram boatos que rodavam nas redes. Alguns que sazonalmente aparecem. Gosto de lembrar da famosa carta, pós-eliminação da Seleção Brasileira na Copa do Mundo de 1998: “Se as pessoas soubessem o que aconteceu na Copa do Mundo, ficariam enojadas”. A carta sempre reaparece a cada nova eliminação brasileira no torneio mundial e conta como a CBF se vendeu em troca de facilidades na próxima edição de uma Copa.
Hoje em dia, as coisas pioraram. A velocidade de disseminação de notícias corrobora para boatos se espalharem e se transvestirem de verdade. A última eleição não deixa mentir. Com o vídeo então… se tornou bem mais eficaz do que mandar uma carta de eliminação ou então as famosas correntes do Orkut. O vídeo tem um agravante: ele te dá o poder da oratória, da persuasão visual.
E foi através disso que, por exemplo, hoje tem gente falando que Stalin ganhou dois Nobéis da Paz. Cortesia do próprio Nando Moura, que distorceu algumas informações. Mas esse é o exemplo recente. Vários outros vídeos foram feitos, vistos e aceitos como verdade. Pelo mesmo motivo que espalham tantas fake news: ninguém checa, ninguém questiona e isso acaba se disseminando e se tornando “verdade”, ou pós-verdade.
Uma geração de pessoas nos comentários do Youtube, no Twitter, Instagram, que estão se digladiando usando argumentos políticos que foram retirados de vídeos de pessoas como Nando Moura, como Bernardo P Küster e Diego Rox.
Claro, existem extremismos dos dois lados. Mas esses exemplos fazem um desserviço para a comunidade do Youtube. Dizer que não houve censura na época da Ditadura Militar, quando na época existia uma Divisão de Censura de Diversões Públicas, é tratar a história como uma foto de Instagram que você muda os filtros a partir do que se adeque melhor para quem posta.
Respirem
Nando Moura, hoje, junta milhões de inscritos, em seus vários vídeos, atacando e processando vários outros Youtubers que tem pensamento contrário dele. A sensação de divisão e ódio parece se tornar cada vez mais nítida.
Recentemente, tivemos um exemplo que pouco me agrada falar. O ódio no Youtube enquadrou o Sr. Nilson Izaias como pedófilo. Acusações que surgiram naquela velha prática de vizinhos na rua: eu conhecia o amigo da prima do irmão da tia de quarto grau dele, e me disseram que ele já fez isso.
Ele, fazendo slimes e tomando café em seu canal, recebeu uma grande visibilidade pela sua simplicidade. Mas bastou acharem um comentário que ele havia afirmado ter votado no Bolsonaro para começarem a atacá-lo. Atacaram um senhor de 72 anos fazendo slime no Youtube.
Eu entendo, eu sei o que isso representa. O quanto isso representa. Mas o ódio não pode ser propagado. Mentiras, como as acusações que fizeram, não podem ser propagadas. O mundo está bipartido, mas é nessas horas, nesses vídeos que vemos que nem tudo é só tristeza e dor. É ver um senhor dizendo “que é o dia mais feliz da minha vida”, por ter conseguido fazer um slime.
É sobre isso que vamos falar próxima semana: canais que te fazem respirar.