De longa data, a sexta-feira 13 tem sido associada ao azar na nossa cultura. As possíveis origens são diversas. Em uma delas, a antiga aversão babilônica ao número 13. Em outra, a morte de Jesus em uma sexta-feira, após a santa ceia, que contou com 13 presentes, sendo um deles o traidor.
Na versão mais comentada, foi em uma sexta-feira, 13 de outubro de 1307, que, em tempos de crise econômica e visando se apossar do dinheiro dos templários, Filipe IV, Rei da França, uniu-se ao Papa Clemente V em uma ofensiva contra a Ordem dos Pobres Cavaleiros de Cristo do Templo de Salomão (os templários), prendendo e torturando vários deles, inclusive o seu líder, o Grão Mestre Jacques de Molay.
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Sob tortura, diante da prisão ilegal, os templários foram forçados a confessar sodomia, beijos obscenos, blasfêmia, adoração a Baphomet, dentre outras coisas. Sob a justificativa da necessidade de punição desses atos, os bens dos templários foram confiscados e eles foram queimados em praça pública, sendo eternamente associados ao satanismo no imaginário popular, a partir de uma campanha de fake news, de caráter falsamente moralista e com amplo apoio de setores religiosos reacionários, mas cujo objetivo era colocar o patrimônio dos templários sob a disposição do rei da França e acabar com um possível adversário.
A nuvem da Sexta-feira 13 no Brasil
No Brasil, em 13 de dezembro de 1968, uma sexta-feira, o governo autoritário dos militares editou o Ato Institucional n°. 5. Tudo começou a partir de uma campanha de fake news, de caráter falsamente moralista e com amplo apoio de setores religiosos reacionários, que serviu de mote ao golpe civil-militar de 1964 (a partir da propagação da falsa ameaça comunista representada por João Goulart) e de justificativa para que, em 1968, o setor “linha dura” do regime militar pressionasse o Presidente Costa e Silva a tomar medidas mais rígidas de combate à oposição.
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Isso após o Congresso Nacional decidir não suspender a imunidade do deputado Márcio Moreira Alves, por ter feito um discurso clamando a população a boicotar o desfile de 7 de setembro e as mulheres, em especial, a recusarem-se a ter relações com os militares, de modo a fazer com que os militares silenciosos, discordantes do regime, se posicionassem.
O Ato Institucional nº. 5 (AI-5), ou o “golpe dentro do golpe”, inaugurou a segunda fase do regime ditatorial – o período de maior violência e perseguição aos opositores do regime, também conhecido como “anos de chumbo” (1969-1974). Nas suas disposições, o AI-5 previa, dentre outras coisas, o fechamento do Congresso Nacional por tempo indeterminado.
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O Presidente tinha a possibilidade suspender direitos políticos por 10 anos e cassar mandatos eletivos federais, estaduais e municipais, existia ainda a possibilidade de o Presidente decretar o Estado de Sítio e prorrogá-lo, decretar o confisco de bens por enriquecimento ilícito, a suspensão do habeas corpus nos casos de crimes políticos, contra a segurança nacional, a ordem econômica e social e a economia popular e, por fim, a exclusão da apreciação do Judiciário de todos os atos praticados de acordo com o AI-5 e seus Atos Complementares, bem como seus efeitos.
Lênio Streck levanta dados de que o Ato Institucional atingiu diretamente 1.577 cidadãos brasileiros: suspendeu 454 pessoas em cargos eletivos; aposentou 548 funcionários civis; reformou 241 militares; demitiu sumariamente 334 funcionários públicos; cassou 6 senadores, 110 deputados federais, 161 deputados estaduais, 22 prefeitos, 22 vice-prefeitos, 22 vereadores, 3 ministros do Supremo Tribunal Federal.
O AI5 afastou 23 professores da USP, 10 cientistas do Instituto Oswaldo Cruz; proibiu ou mutilou cerca de 500 filmes de curta metragem, aproximadamente 450 peças teatrais, mais de 100 revistas, mais de 500 letras de músicas e mais de 200 livros.
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Além do fechamento do Congresso Nacional por um período superior a dez meses, o AI-5 teve como consequências a prisão imediata de Carlos Lacerda e Juscelino Kubitschek, a cassação de diversos mandatos políticos e um sem número de pessoas presas, torturadas, em exílio forçado, mortas ou desaparecidas.
É importante lembrar que Carlos Lacerda foi um dos maiores articuladores políticos da instabilidade no país e do Golpe Militar que se seguiu e, no entanto, por discordar posteriormente da Ditadura, teve o mesmo destino do seu opositor, o ex-Presidente Juscelino Kubitschek. Um claro exemplo de aplicação concreta do ditado espanhol: “Cria corvos e eles te comerão os olhos”, ou, como se diz em algumas regiões do Maranhão, “não cuspa pra cima que não lhe caia na cara”.
Diante das últimas notícias repercutindo a defesa do AI-5 por parte de setores do governo e do próprio filho do Presidente, é preciso que lembremos constantemente do que aquela Sexta-feira 13 representou para o país e do quanto está em risco quando se esquece do passado recente e se diminui a gravidade das barbaridades perpetradas durante a ditadura militar.
Do contrário, será cumprida a profecia de Millôr Fernandes, para quem “O Brasil tem um enorme passado pela frente”.
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