Considero livros e leituras algo muito pessoal. Leio uma pequena dezena de livros ao ano e normalmente converso sobre eles com pessoas específicas. Mas “O Amor nos Tempos do Cólera”, do meu insuperável e fantástico Gabo [Gabriel García Márquez], precisa ser refletido de um jeito mais amplo. Isso porque além de órfã depois do fim, senti que não entendia nada ou bem pouco sobre o amor.
Ouso arriscar que García Márquez sabe escrever sobre o amor como mais ninguém. Mas dessa vez, ele esqueceu de avisar que ao ser apresentada a Fermina Daza e Florentino Ariza, eu seria confrontada com um amor devoto de “cinquenta e um anos, nove meses e quatro dias”.
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Gabo foi magistral ao comparar o grande sintoma do mal estar da América Central – o cólera – ao amor, como se o fosse a própria doença, deixando aqueles que por ele foram acometidos a morrer, morrer de amor! Parece estranho pensar isso aqui, do auge da geração do desapego, e do vem fácil, logo, vai fácil.
Na história, Florentino se apaixona por Fermina, os dois começam a trocar cartas e juras de amor eterno [o primeiro amor desperto tem mesmo dessas coisas avassaladoras], mas o pobre rapaz não era o pretendente que o pai havia projetado para a filha, e portanto, indigno demais para a dama caribenha. O amor então lhes é anulado e sepultado primeiro pelo patriarcado. Fermina viaja. E ao regressar o primeiro encanto já não existe, e Florentino passa a ser só um pobre rapaz aos olhos da moça; dessa vez é ela quem lhe parte o coração ao se casar com Juvenal Urbino.
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Florentino amou Fermina com amor eterno. Porém não lhe foi submisso, viveu a própria vida e construiu sua história, seu nome, sua herança e seus amores. Porque sim! como nos diz o próprio Garcia Márquez: “Pode-se estar apaixonado por várias pessoas ao mesmo tempo, por todas com a mesma dor, sem trair a nenhuma”. E sempre havia Fermina, aquela a quem ele devotara o coração.
Esse foi o estranhamento causado, a devoção, a eterna espera pelo incerto que não nos parecia certo; devo confessar que tive raiva da criatura, o Florentino. Onde está teu amor próprio, homem? Questionei. Mas havia aquela certeza cega sem jamais fracassar, que eles estariam juntos ainda que na velhice.
E assim tive que lhe destinar um pouco de admiração e respeito.
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Em tempos de amores líquidos e em que o cólera já não assusta mais, será que não temos saído perdendo com a má construção das nossas relações, tornando-as frágeis e efêmeras? Será que já não estamos vivendo o equivalente ao cólera em relação ao amor, e estamos nos tornando mais propensos a defesas e finais não dolorosos, ao desapego, e ao “melhor não arriscar”? Será que Florentino poderia ser uma inspiração em pleno séc. XXI? Ou tornou-se obsoleto amar assim? Tantas questões… Tantas questões…
Mas eles triunfaram em seu amor. Porém não tardiamente, como pensei antes, e sim em tempo, onde mais uma vez o Gabo me ensinou uma lição: “Coisa bem diferente teria sido a vida para ambos se tivessem sabido a tempo que era mais fácil contornar as grandes catástrofes matrimoniais do que as misérias minúsculas de cada dia. Mas se alguma coisa haviam aprendido juntos era que a sabedoria nos chega quando já não serve para nada.
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A gente sabe que dá medo arriscar e ter fé “cega” em algo – no amor, nos sonhos, na vida, em tudo – mas, “tente, ainda que você esteja morrendo de medo, ainda que depois se arrependa”, apenas se dê uma chance. Poderia ser só a Joceline dizendo, mas foi o Gabriel García Márquez, deem um crédito a ele.
Emocionante.