O que te faz gozar, mulher?

Do culto a penetração à descoberta do prazer feminino. (Arte: sabrina gevaerd)

Eu não sabia muito bem por onde começar esse texto. Passei alguns dias lendo e vendo vídeos a respeito, numa busca nervosa de bons modelos de abordagem para o assunto. Não vinha nada. Até que um dia, assim despretensiosamente, no balanço de um ônibus lotado, ouvi um amigo dizendo ao outro: “Cara, eu vou comer essa mulher!” (enquanto mostrava uma foto no celular).

Aí me veio um insight:

De onde raios vem essa história de que o homem come a mulher?!?

Pensa comigo, quem come alguma coisa está se satisfazendo no ato de alimentar-se de um outro corpo.

Seja de uma torta de morangos, um galeto, um biscoito, pizza de ontem, coxinha, picolé, brigadeiro ou… uma mulher (?!?)

O “comer” no sexo está ligado a quem penetra quem; e quem penetra quem é um parâmetro usado para definir quem é ativo ou passivo numa transa. Uma mulher que penetrou outra, “comeu fulana”; uma mulher que penetrou um cara, comeu “cicrano”; um cara que penetrou outro cara, comeu beltrano; e claro, um cara que penetrou uma mina, comeu a mina.

O fato é: “Comer”, seja no sexo ou na alimentação, é sempre algo ativo, e é sempre um ato de prazer, onde o que é comido serve à satisfação das necessidades de outrem.

O lance é que ao associar fazer sexo a comer alguém, e comer alguém ao ato de penetrar uma pessoa, acabamos centralizando a sexualidade numa perspectiva androcêntrica.

O prazer foi construído sob a forma da anatomia dos homens, logo, o orgasmo está focado na penetração, e isso leva a gente, desde muito cedo, a entendermos o prazer sexual a partir de uma perspectiva masculina. Culturalmente fomos ensinados que quem tem o poder de penetrar, tem o poder de saciar-se ativamente.

Esse foco na anatomia masculina coloca a penetração como a finalidade do sexo, ou como a grande responsável pelo ápice do ato sexual. Nasce disso o culto à penetração como essa coisa mágica capaz de fazer todo mundo gozar, rs!

Se eu tenho algo contra a penetração? Não, não. Se tenho algo contra, é contra esse reducionismo sexual no qual a gente se meteu, que nos ensina a dar um valor inestimado ao prazer da penetração, quando, na verdade, o prazer pode ir muito além; englobando uma infinidade de toques, afetos, experiências, sentimentos e o mais básico de tudo: englobando corpos e anatomias diferentes.

https://www.instagram.com/p/BsOYeStlhbA/

Falando em anatomia, ainda se ignora muito o corpo feminino, e todos os caminhos que nossos corpos nos oferecem para sentirmos prazer. Temos diferentes tipos de orgasmos (clitorianos, mamários, vaginais…), temos orgasmos múltiplos, temos até ereções… E mesmo com tantas oportunidades disponíveis, ainda assim o prazer é luxo para poucas desfrutarem (leia mais a respeito: O orgasmo feminino parte II: Por que não estamos falando sobre ereções femininas?).

O desinteresse pelo nosso prazer e bem-estar sexual paralisou, por longos anos, estudos e debates mais aprofundados sobre a anatomia do corpo feminino e sobre a nossa sexualidade, tanto que o clitóris somente veio a ser investigado pela ciência nas primeiras décadas do século XX (Você não leu errado, é século VIN-TE mesmo!). Dá uma olhada aqui: ‘Medo do clitóris’: uma breve história dos livros médicos que apagaram a genitália das mulheres.

(Fonte: culturacoletiva.com)

Precisamos redescobrir as possibilidades orgásticas do corpo da mulher urgentemente, para que o prazer mútuo seja uma realidade para mais pessoas. Se um dos objetivos principais deste século é a igualdade de gênero, então temos que incluir o direito à liberdade de sentir prazer nessa agenda revolucionária também!

Uma vez um rapaz me disse, em tom de reclamação, que eu sou muito politicamente correta na cama. Eu pedi para que ele me explicasse o que queria dizer com aquilo, ao que ele respondeu: “Por exemplo, uma vez tentei puxar teu cabelo e te dar um tapa, e você me respondeu com um: NÃO ROLA.

O curioso para mim nessa queixa é o fato do rapaz vincular a minha vontade ao “politicamente correto”; como se o meu NÃO fosse apenas para fazer valer um posicionamento político; como se fosse um capricho feminista da minha parte, e não a minha verdadeira vontade. Esse tipo de pensamento me assusta! Os homens estão tão acostumados à satisfação que, quando ouvem o nosso “não”, buscam alguma forma de diminuir a nossa vontade.

O que eu respondi ao rapaz? Bem, eu respondi que a esta altura eu já sabia que não curtia tapas e puxões, e que isso tinha muito mais a ver com a minha própria história de vida; sobre como eu aprendi a sentir prazer, do que propriamente com o politicamente correto. Outras mulheres podem sentir prazer nisso, e isso vai depender do universo de cada uma.

https://www.instagram.com/p/BfA7bVcH2lK/

Cada corpo, uma história, e não estou aqui para julgar nenhuma delas.

Certamente , depois dessa resposta, o rapaz continuou me achando politicamente correta (ou irremediavelmente chata); mas acho isso ótimo, porque meu corpo é um animal político, e qualquer posicionamento meu sobre ele será igualmente político!

Por falar em posicionamento, sabe a máxima “meu corpo, minhas regras’? Eu repeti (e repito) essa máxima muitas vezes, porque ela é absolutamente necessária, não apenas em se tratando de sexualidade, e sim do próprio direito de existir livremente. Mas um dia, pensando especificamente sobre sexo, me perguntei: quais são mesmo as minhas regras quando o assunto é o meu prazer?

https://www.instagram.com/p/BTbytAah50m/

Regras sobre nosso corpo precisam fazer sentido genuíno para nós. Precisam nos fazer sentir bem na pele e por debaixo dela.

Confesso, fiquei um tanto constrangida ao notar que, naquela época, aos 24 anos, eu não sabia bem as minhas regras! Putz! Foi um choque.

Não é que eu fosse uma total forasteira no meu corpo, mas percebi que me faltava a tomada de consciência sobre este corpo que sou eu!

Faltava saber nomear as coisas, descrever os sentimentos, as emoções, as vontades, e até mesmo saber melhor do funcionamento da minha vulva, do meu clitóris, da minha vagina, do meu útero… Era muita coisa pra saber!

Desde então tenho tentado me manter atenta sobre onde está o meu prazer. Não é algo assim tão óbvio, mas tenho aprendido a não colocar nisso um peso maior do que tem. O prazer é algo natural, viemos ao mundo com corpos que nos permitem senti-lo. O que a gente precisa é reaprender a naturalizar o prazer, deixando de lado certas convenções que a cultura nos ensinou a vestir como se fossem trajes de gala: socialmente desejáveis, porém, desconfortáveis.

O que venho aprendendo é que desnudar-se para o gozo é um processo valioso de amor-próprio que nos coloca sob controle de quem verdadeiramente somos!

https://www.instagram.com/p/BF1qgJJMavO/

Diz aí, mana: O que te faz gozar?

Essa matéria é parte do projeto #ElasSobreOTatame, conheça mais aqui. Durante os meses de Janeiro a Março trataremos a temática Autoconhecimento e Prazer Feminino. Acompanhe nossas redes sociais.

Vamos conversar aqui nos comentários!

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Ludovicense. Psicóloga.Professora de Filosofia da rede pública de ensino.Poetisa por capricho. Ajudo a construir histórias, enquanto vou fazendo a minha.

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Louis Sodré
5 anos atrás

Texto incrivel, Larissa <3

Marcella Medeiros
Marcella Medeiros
5 anos atrás

É preciso falar sobre o prazer sentido por nós mulheres! Parabéns por iniciar o tema! Penso, que o prazer inevitavelmente perpassa pelo autoconhecimento para assim transbordar na autonomia! Na infância tive a oportunidade de ter aulas sobre Educação Sexual, à época tinha uns 9 anos e lembro de olhar com curiosidade e encanto as imagens que representavam as genitais, meses depois a disciplina foi retirada da grade curricular, e a querida professora não mais a vi. Anos depois, fiquei sabendo que alguns pais em nome da moral e dos bons costumes pediram a retirada da disciplina e consequente demissão da professora. Foi o que aconteceu. Por séculos, a educação (como a conhecemos e transmitida até hoje), a religião e tantos outras instituições e mecanismos de controle, ditam as regras sobre nossos corpos e sobre os prazeres das mulheres. Mas, assim como antes, ainda hoje, cada vez mais mulheres, estão mergulhando em si mesmas, olhando-se no espelho, admirando-se, tocando-se na alma, no espírito, na pele, no corpo inteiro em brasa!

Adriana Coimbra Rolim
Adriana Coimbra Rolim
5 anos atrás

Muito legal, como eu disse, pra eu contar o que me faz gozar, tu vai ter que vir aqui tomar um café. Uma parte interessante é que já ouvi ” tu e muito cheia de tabu “, quando eu não quis fazer sexo anal (naquele momento). Depois fui refletir sobre isso, e pensei, na verdade, eu não sou “cheia de tabu”, eu só não tava animada pra fazer aquilo. E doa a quem doer, se eu não quiser fazer, eu não faço. Se não tiver bom, eu não quero. Depois dessa decisão, eu gozo bem mais rápido. Rs’ Será que é egoísta?!

Larissa Abreu
Larissa Abreu
5 anos atrás
Responder para  Adriana Coimbra Rolim

Mana, pois vou aí tomar esse café, que inclusive a senhora está me devendo, pronto, falo mesmo! Segundo: Melhores decisões: Se não quero não faço. Se não está bom, nãoquero ! A gente se sentir livre para externar nossas vontades nos faz sermos melhores pra gente e para os outros também. É como uma amiga me disse hoje: Amor-próprio é também altruísmo, pois preciso estar bem comigo mesma, pra ser o bem do outro! Olha que massa! Então , não, não é egoísmo.

Steffi de Castro
5 anos atrás

Esse processo de descoberta, para mim, tem sido tão enriquecedor, não somente no que diz respeito a descobrir o que me dar prazer, mas também a perceber como eu acabo validando discursos machistas a partir do momento que exijo dos homens que eles tenham X e Y posturas e atitudes e o quanto isso, no fim das contas, faz mal pra todos que estão na relação. Excelente texto!

Larissa Abreu
Larissa Abreu
5 anos atrás
Responder para  Steffi de Castro

A gente acaba validando alguns discursos….por que afinal de contas crescemos ouvindo e aprendendo eles. Mas com paciência com a gente mesma e com coragem pra enfrentar esses discursos a gente chega além disso tudo!