Vruum…
Vruummmm…
Vrum…
Faz quanto tempo desde a última vez que nos vimos? Senti saudades exatamente na Curva do 90, a 60km/h dentro de um Fusca 86 bege. Então, voltei. Precisava mesmo falar com vocês.
“Vai quando a gente não trai
O que a gente gente quer bem
Deixa o que sobrou pra trás
Vai duas vidas a mais
Te fizeram capaz
De ferir tua visão
Vai quando a gente não vem
Leva sempre um porém
Dentro do teu coração”
(Trilha de hoje)
Tem dias que dirigir Fusca é como entrar numa máquina do tempo. Mas, antes disso, queria alertar que a chuva pode calar o som do teu carro, cuidado!
O ano ainda não tinha terminado, depois de levar Prince, George Michael e muitos outros, não satisfeito, calou o coração do meu Fusca. O motor? Não, o meu rádio.
Antes do fim de ano, é quase um ritual chover em São Luís, apesar do período de chuva constante ser outro. Ignorando isso, liguei o carro e fui correr por aí. Não havia sinais de fumaça, mensagens no celular e muito menos nuvens que precedem aquele ar de chuva – mesmo que tivessem, a gente costuma ignorar. Guarda-chuva é elemento raro por aqui antes de março/abril. De repente, como de costume, tudo fecha e o que não era promessa, vira dívida. Quitada, inclusive.
O meu limpador de para para-brisa foi e voltou… Parou.
O meu som tocou duas músicas… Também parou.
O que me restava fazer? Parar.
“Pode chover, pode esquentar
A noite cai
Pode tremer, relampejar
A festa é popular”
Estava decidido ficar ali até a chuva – que conseguiu levar duas partes importantes do meu carro – passar. Mas o vício é uma tortura quando o silêncio é gritante. Peguei o Smartphone, e graças as novas frequências dei o play no último disco que eu tinha baixado. Ouvi alguém perguntar por onde Amanda estava? Obrigado pela dúvida. Há uma hora dessas, ela já tinha descido e estava fuçando, tentando reativar o pára-brisa.
Depois de eu ter tentando sem sucesso, ela conseguiu um último suspiro de vida, não limpou tudo, mas pelo menos desembaçou a paisagem inconstante que a gente encarava enquanto ficávamos parados escutando um disco pelo qual a gente tinha acabado de se apaixonar. Para um voyeur, aquilo era quase um ménage.
Tradução para o maranhês: Para um maroca, aquilo era praticamente uma suruba.
Achei o disco do Barro no portal “Hominis Canidae”, foi como um tiro na alma que no corpo atingiu a espinha. Enlouquece, te faz dançar, dá arrepios. A primeira música traz um groove que te faz ter orgasmos múltiplos pelos ouvidos. O CD todo é um ritual que conduz ao nirvana. Sem exageros. Barro significa para mim o limite entre a tensão e a calmaria. Um CD plural. Na mesma noite, depois de ficar encucado com tudo que aconteceu naquele dia, corri no bate-papo e chamei uma grande amiga que está no Sul fazendo o doutorado para apresentar a ela o CD que eu havia descoberto. Ela me confessou que o dia tinha sido um furacão: saudade de casa, correria de tese e desencontros amorosos. Noutro dia, fui surpreendido com o comentário de que a música foi o mantra que a fez pegar no sono. Não entendam mal, a música não fez ela dormir. E fez. Mas o significado, neste contexto é totalmente positivo. Não é sobre ser chato e pacato demais e sim sobre trazer paz, outro elemento que as músicas dessa obra têm.
Pequena nota esclarecedora: Cantor, compositor e produtor musical, Barro inicia sua carreira solo em 2016. Nascido em Recife, o músico sintetiza influências da sua cultura com uma sonoridade pop. Elementos estes que exploram combinações entre os instrumentos eletrônicos e samplers nas experimentações ao vivo. Ao vivo, Barro canta, toca guitarra, violão de 7 cordas com pedais. A sua banda é composta pelos músicos Ricardo Fraga (bateria, sampler, spds e baixo) e Guilherme Assis (baixo, sintetizador, teclado e sampler).
“Depois de ouvir “Miocárdio” é necessário um cardiologista.”
Quase insisto no trocadilho, mas eu tenho certeza que o RH vai marcar dois pontos negativos para mim e a audiência vai despencar. Sendo objetivo, esse foi simplesmente um dos melhores discos que ouvi em 2016 e acho que pode ser uma ótima referência para quem busca um som que traduz o nordeste em 2017: CALOR. Não o calor da luz solar, nisso a gente perde feio pro Rio que tá com a sensação de 50ºC. Digo o calor entre as pessoas, o calor de querer fazer e fazer. Mesmo que os recursos não sejam os “top de linha” do mercado, mesmo que a grana seja tão curta quanto o medo de botar a cara para bater. Isso é nordeste, precisamente isso é o som que vem do Recife. O que ecoa por aqui é isso, é “feeling”.
É pegar na guitarra, no violão com vontade.
É tocar a bateria como se ela fosse a última.
É puxar nos vocais a tradução do que acontece no peito.
Não menosprezando o que acontece nos outros lugares. É apenas a ressalva do que é identidade daqui.
Onde estávamos mesmo? Ah sim! Enfim. Conseguimos sair de onde estávamos presos. O momento se eternizou com a trilha. O dia poderia ser traduzido como o dia que o meu fusca perdeu duas peças e eu ganhei um sorriso e vários motivos para agradecer pela vida e quem me rodeia. Pode parecer otimista demais, mas existem momentos e sensações que a música dá um “return”, quando se dá o “play”. Contrastante, mas verdadeiro.
O dia não poderia terminar melhor.
A trilha não poderia ser outra.
Agora tenho que ir.
Câmbio, desligo.
Adorei o sentido de “calor do nordeste’… tenho entendido isso como nunca. Ele faz falta… ele traz paz. 😉
A gente está de braços abertos! Haha