Na segunda-feira, um dia após protestos em todo país, eu, conversando com a diarista que trabalha comigo e minha esposa há mais de cincos anos, perguntei: “Dona Maria, o que a senhora achou deste movimento do povo nas ruas?”. Ela: “Ô meu filho, eu estou por fora. Estou com a minha filha doente e, desde a semana passada, não consigo um exame pra ela no sistema público de saúde. Uma correria pra cá e pra lá. Não tive tempo de ver nada. Lula foi preso?”. Fiquei surpreso. Logo dona Maria, que é tão antenada aos fatos. Sempre ligada nos telejornais – principalmente nos noticiários policiais.
Depois deste dedo de prosa, regado com café e torradas, fui preparar nosso almoço e me peguei pensando, por mais de 40 minutos, no momento político que atravessa nosso país. Cheguei à conclusão: o pobre foi à lona mais uma vez!
Para início de conversa, não tenho partido político – apesar de admirar, sim, algumas pessoas que fazem política – e a intenção deste texto não é levantar bandeira de esquerda ou direita. Por favor, desliga esse caps lock e, se você procura alguém para brigar aqui na internet, pare de ler agora este texto.
Voltando ao assunto. Acompanhando e vivendo esse momento histórico, acredito que nosso país nunca mais será o mesmo. Como escreveu o poeta Black Alien: “Dias melhores virão e dias piores também”.
“Tempestades passaram e passarão, e outras vêm que vêm”
Apesar de ter ficado evidente que a maioria das pessoas que foram às ruas, vestidas com camisas da seleção brasileira, são de classes sociais favorecidas, não acho esse um argumento plausível para diminuir o movimento, como também acredito que não o enobrece. Conheço rico honesto e rico corrupto. Assim como também conheço pobre trabalhador e pobre desonesto. Vi foto de babá negra cuidando de filho de branco e babá branca cuidando de filho de negro virar o centro do debate na internet. Não quero relativizar as cenas, pois acho que vivemos em um país extremamente racista e classista, mas vejo empobrecimento na discussão, que acaba se tornando evasiva e politicamente polarizada.
O âmago do problema, em minha opinião, não é esse. A questão é: Quem vai assumir o comando do país? Voltaremos para o oito ou oitenta? Apanhamos durante anos nas mãos do PSDB. Cansamos. Demos oportunidade para o PT (leia-se também PMDB) – pensei que estávamos no caminho certo. Errei. Apanhamos novamente. Agora, diante do esfacelamento moral e administrativo do atual governo, vejo as portas se abrindo, mais uma vez, para os oportunistas. Fico preocupado. Mas, em contrapartida, tenho visto também muita gente de alma boa brigando por uma sociedade mais justa.
E no meio deste tiroteio ficam as donas Marias, que não têm tempo de ir para as ruas pedir mudança. Não podem gastar a passagem para ir até a Avenida Litorânea – avenida da orla da cidade de São Luís em que passa apenas um ônibus e, aos domingos têm metade da frota circulando – protestar em detrimento da saída para o serviço na segunda-feira. Compra uma camisa com as cores do Brasil ou faz a feira da semana?
Pobre não canta hino nacional e nem exibe bandeira do país para chamar atenção. Pobre fecha a rua com pneu queimado, galho de árvore e o que mais encontrar pela frente. Então, enquanto uns lutam por uma via asfaltada, água limpa para beber e o mínimo de dignidade ao procurar um hospital público, quem pode fazer algo a mais deveria parar de enaltecer juiz, polícia federal e ministério público – que estão apenas fazendo o que são pagos para fazer –, e se tocar na real: como era não pode voltar a ser e como está não pode ficar.
Sei que uma crise afeta todas as camadas sociais, umas mais e outras menos, é lógico. Portanto, quem teve oportunidade de ter um ensino com o mínimo de qualidade, o que no Brasil é um privilégio, deveria lutar para que a maioria no futuro tenha a mesma chance de entrar neste ringue em pé de igualdade.
Depois dessa, muita coisa vai mudar, mas, infelizmente, o pobre continua na lona.