Ilustração de Marco Melgrati.
O esforço de encontrar as palavras certas para falar sobre os dias em que vivemos parece cada vez maior. De um lado, o desejo de retornar à normalidade dos dias passados. De outro, a certeza de que seja lá o que o futuro reservar, não será igual ao que já tivemos.
Ontem, um conhecido voltou pra casa, após dias de internação, recuperado da doença e cheio de esperanças. Hoje, um novo medicamento apresentou bons resultados em testes preliminares e parece que a vitória definitiva está cada vez mais próxima. O governador anunciou a prorrogação da suspensão das atividades e o otimismo já começa a gritar que os problemas se aproximam do fim, só porque o Decreto estabelece uma data. Mas será que é assim?
Em uma das tirinhas da série “a vida secreta dos otimistas”, do cartunista André Dahmer, o personagem fala para os leitores “Todo dia vocês falam que chegamos ao fundo do poço. Otimistas, vocês não aprendem nunca?”.
Como não lembrar dos nossos representantes institucionais, que insistem em dizer, a cada nova barbaridade do Presidente da República e seus asseclas, que dessa vez o Hitler tupiniquim passou de todos os limites e que nada fazem a não ser esticar cotidianamente o conceito de limite, transformando qualquer indignação em notas de repúdio, enquanto o fascismo segue sua escalada.
O filósofo Walter Benjamin criticou, de forma precisa, o otimismo da social-democracia alemã, que via a ascensão do nazismo como algo passageiro e sem lugar na história linear do progresso da humanidade. Se de um lado, a única saída possível do fundo do poço é para cima, é preciso se ter claro que, em determinadas situações, ainda é possível cavar e se enterrar ainda mais. O progresso não é uma regra histórica inafastável e a humanidade não caminha inevitavelmente rumo ao sucesso.
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O fascismo se alimenta da nossa omissão e da nossa indevida visão e desejo de que as coisas voltarão a ser como eram com a maior brevidade possível. De outra banda, a pandemia que nos assola não parece encontrar fim próximo e pode ser só a primeira leva de uma série com efeitos ainda mais devastadores, devido não só ao modo predatório com o qual temos nos relacionado com a natureza, como também com os riscos de doenças antigas e desconhecidas retornando do degelo causado pelo aquecimento global.
Se não combatermos as duas coisas com a máxima urgência, fica cada vez mais distante se vislumbrar um retorno às nossas vidas com algum resquício do que entendíamos como normalidade.
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São muitas as incertezas e inseguranças. Todo dia somos sobrecarregados de notícias ruins. E nós podemos ouvir os seus passos, cada dia mais próximos. Hoje a doença bateu à porta do vizinho. Ontem, o desemprego bateu à porta do amigo. As nossas noites de vigília involuntária parecem não adiantar para nada a não ser para aumentar o cansaço e a sensação de impotência diante de um destino inevitável. Mas será que é assim?
Se o otimismo não nos serve como categoria válida de análise da realidade, igualmente não devemos sucumbir ao pessimismo e imaginar que tudo está perdido.
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Não é nenhuma novidade a curiosidade dos seres humanos com as notícias ruins. Mas elas nunca chegaram até nós com tanta velocidade e frequência. Através dos smartphones, a nossa conexão com o que acontece ao redor do mundo se tornou quase integral. E apesar de coisas boas e ruins acontecerem o tempo todo, são as ruins aquelas replicadas com maior interesse.
Um estudo recente, publicado no ano passado na revista Science Advances, chegou à conclusão que a exposição exagerada a notícias ruins é um problema de saúde pública, levando ao adoecimento físico e mental e a um ciclo de estresse, em que a pessoa se submete ainda mais ao contato com esse tipo de notícia e piora ainda mais seu quadro, mesmo que no seu cotidiano nada tenha a ver com as notícias reportadas.
Ou seja, quanto mais contato temos com notícias ruins, pior ficamos.
O caminho, talvez, seja o de pensar, como a música dos Engenheiros do Hawaii (e como Gramsci antes deles), em unir o otimismo da vontade e o pessimismo da razão. Ou, ainda, como Walter Benjamin, em organizar o nosso pessimismo de uma maneira ativa, sem perder de vista que cabe a nós a transformação da realidade que nos cerca e que o nosso objetivo deve ser a felicidade de uma humanidade que se sabe sujeito da sua própria história.