Por Dayane Emmile Lopes Silva e Luiz Eduardo Lopes Silva
Um reboliço tomou conta das redes sociais locais no dia 24 de Setembro, com o lançamento do clipe do jovem rapper maranhense Marco Gabriel (Narciso Preto), intitulado: “Chato” com participação de Debora Melo e Produção de Ufami Beats.
Em sua tenra trajetória, Marco tem se mostrado um dos talentos mais proeminentes da nova geração do rap maranhense. Notadamente, uma das características mais atrativas de seu repertório está na ruptura de determinados clichês presentes no universo do Rap (pra quem não sabe, “rap” significa Rhythm and Poetry ou Ritmo e Poesia). Gabriel destoa de muitos MCs (ou Mestres de Cerimônia) que tematizam em suas letras um “mundo do crime” glamourizado. Apostando em letras politizadas como “Racista Reverso” e “Manual do Jovem Negro”, o rapper maranhense tem demonstrado um estilo flexível e dinâmico, e muitas vezes carregado de uma fina ironia, beirando o sarcasmo. Não obstante, o MC possui também criatividade o suficiente para se arriscar em abordagens de afetos mais profundos e contraditórios, como em “Carta aos meus amigos e amigas”.
No clipe recém-lançado, há vários pontos que destoam da atual normalidade da produção audiovisual do Rap brasileiro, onde 99% do tempo resumem-se ao MC cantando e gesticulando por longos e tediosos minutos para a câmera, muitas vezes se afastando da abordagem sobre o cotidiano da periferia, sem preocupações em transparecer uma posição política mais contundente, nem se comprometendo com alguma tentativa de “conscientização” da juventude.
Em “Chato”, diferentemente, o clipe dá protagonismo ao cotidiano das periferias maranhenses, seus sujeitos, rostos, gestos, sons, danças, gírias e costumes. O protagonista é a própria “quebrada” na sua heterogeneidade. O close nos diferentes rostos nos faz lembrar que cada um desses indivíduos é o sujeito de sua própria vida, o centro de seu próprio universo, apesar de cotidianamente ser invisibilizado como mais um na multidão. Alcançando mais de 10 mil visualizações nas primeiras 24 horas de lançamento (28 mil até a publicação desse texto), “negada pira!” com o clipe que destaca gírias e trejeitos maranhenses, mesclados com referências universais do cinema e da música negra, alcançando uma síntese original entre o local e o global.
O nome Narciso Preto escolhido pelo artista, indica um desejo de reafirmar sua autoestima e vaidade necessárias em torno de sua própria existência, ao mesmo tempo em que transparece um amadurecimento em saber problematizar sua condição de jovem negro e periférico no Brasil contemporâneo, que não tem medo de rejeitar algumas tendências atuais: “Imitando gringo, beat, hit, lean, drogas na night/ Vai pra lá com esses teus Traps que são ralado demais/ Vou até me calar/ Tu é o bandidão e eu jamais”. Narciso Preto em seu repertório costuma demonstrar um tênue equilíbrio de quem sabe abordar a realidade dura do “mundo do crime”, como faz em músicas como “Quadro de Disciplina” ou “Revide”, sem pagar de “bandidão”:
“Pagam um clipe pra falar de guerra/ E da minha casa eu ouço as bala/Na Paulo Frontin lá no Monte Castelo e na Rua do Peixe do Bairro de Fátima” […] “Qualquer hora é hora dessas parada ai te agarrar/ Eu sei que isso não vale a pena /Que pena tenho é de uns menor que cedo foi pra vala/ Finado Orelha, lembro, morreu aos 18 de bala na lata!”
O “mundo do crime” também está presente na letra ao abordar a fronteira desenhada acima – entre Monte Castelo e Bairro de Fátima – territórios dominados por facções rivais, divididos apenas pela estreita Avenida Kennedy, na região central da capital maranhense.
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Como cria do Bom Milagre, o MC já viu muita mãe de luto, com a disputa presente nesta fronteira. Não se ocupando em falar apenas sobre si mesmo como fazem alguns MCs, Narciso Preto traz à tona outras vozes da periferia, angulando a narrativa a partir dos olhos das coroas trabalhadoras, mães e avós moradoras das “quebradas” da Ilha: “Até hoje as tiazinha interroga, é que hoje já não é mais seguro por cadeira à noite e conversar na porta”. Esse movimento é coroado ao final com poesia arrebatadora na voz de Debora Melo, evocando as “mães pretas” que ficam em casa orando esperando a volta do filho sempre sujeito as incertezas da vida negra e periférica: “toda mãe preta carrega o dobro de treta”.
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Por fim, vale ressaltar que o clipe “Chato” anuncia que o Rap maranhense continua vivo e pulsante. Alardeando a existência de toda uma nova geração que está na ativa, produzindo e lançando um material de alta qualidade, como os manos da Ilha Clã, especialmente em sua música “Vila Embratel”, com participação de Joier, Olliver KL, Maçuka, Ciel Kaponne. Ou referências mais antigas ainda na ativa como Renegados Anti-Sistema e MCs como Mano Magrão, dão seguimento a linhagem do Rap maranhense, que vem de bandas como Clã Nordestino e do grupo de Hip Hop Militante Quilombo Urbano.
Luiz Eduardo Lopes Silva é graduado e mestre em história pela UFMA. Doutorado pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Professor da UFMA e da SEDUC na modalidade EJA prisional. Com mais de 10 anos de experiência em pesquisas sobre temas relacionados a criminalidade urbana violenta e Coordenador da Rede de Estudos Periféricos (REP).
Dayane Emmile Lopes Silva é estudante e colaboradora da Rede de Estudos Periféricos (REP), feminista e crítica cultural.
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