Arte: Aquele Eita/Reprodução.
Por Sofia de Oliveira Cardoso, em colaboração ao SobreOTatame.
Chega o Setembro Amarelo e não só as flores brotam no jardim: os espinhos também…
Mês de campanha de prevenção ao suicídio chama atenção para um tema mórbido e sério. No entanto, todos os dias dos meses do ano há notícias de adolescentes, jovens, seres humanos indo de encontro ao princípio do prazer, natural e inerente à vida: não viver mais ou mesmo se ferir em busca de aplainar um sofrimento ou dor psíquica. Sim, as pessoas se mutilam.
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O desejo de provocar dor e dano a si próprio de imediato remete à ideia do suicídio, no entanto nem sempre está clara qual a finalidade do ato. “Se você perguntar a alguém o que faz com que cause prejuízo a si mesmo, ouvirá relatos de “quero acabar com tudo isso”, “não aguento mais”, “queria sentir alívio do sentimento que não consigo explicar”.
A autolesão não-suicida envolve um emaranhado de emoções confusas, sentimentos ambíguos, muitas vezes impulsividade e dor. Ali, existe dor, embora se perceba que os nociceptores, aqueles que nos fazem chorar quando nos cortamos com papel, estejam dessensibilizados. Há dor.
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Imagina alguém que se corta com gilete ou faca? É preciso estar bem sofrido. Ninguém se corta porque simplesmente quer. Existem circuitos neurobiológicos que envolvem satisfação e recompensa e assim, o cérebro aprende que se cortar pode dar uma sensação “bacana”. Sim, parecida com aquela de quem se torna dependente químico ou se joga de um bungee- jumping. Um misto de dor e prazer que se repete em um ciclo perigoso e angustiante para quem não sabe lidar.
Então, essas pessoas não estão sabendo lidar com a dor que tem. Cortar-se foi uma saída. Por isso, um dos pilares do tratamento é ensinar a manejar a dor, o sofrimento, as emoções. Não é incomum haver associação entre um pensamento negativo, hábito danoso e desregulação de emoções. São pessoas que precisam de acompanhamento para treinar (isso mesmo, treinar) habilidades de fala, de expressão social e até mesmo corporal. Trazer à consciência aquilo que está ilegível. “Ninguém entende o que sinto”. Nem mesmo quem sente.
Por isso, a abordagem psicoterapêutica é fundamental. Um trabalho de acolhimento empático e vínculo profissional é o que leva uma alma humana à deriva ao caminho mais equilibrado a seguir.
Falar sobre temas mórbidos não é confortável. É um tabu ainda. Ninguém gosta de ver sangue pelo chão de um amigo, familiar. Pode ser aterrorizante. Nesse momento, caso passe por essa situação, tente não fazer julgamentos de cunho moral, acolha, abrace, não diga nada se não houver algo produtivo a dizer. Encaminhe a um profissional qualificado para assistir quem precisa de ajuda.
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Ás vezes, um silêncio acolhedor é um remédio que todo mundo tem em casa. Mas para quem sofre, falar é preciso. Aprender a falar também.
P.s: as ilustrações utilizadas nesta matéria são de Raquel Segal, do Aquele Eita – mais sobre o trabalho da artista clicando aqui.
Nota editorial: o SobreOTatame.com é um site que produz conteúdos de cidadania, comportamento e cultura. Por meio dos conteúdos que publicamos, acreditamos na informação como força de educação e discernimento, desta maneira, abrimos espaço para profissionais que possam tratar de temas mais especificamente.
Sofia de Oliveira Cardoso é médica psiquiatra, com atuação nos municípios de Bacelar Viana e Miranda do Norte, além de atender no Instituto Ruy Palhano. Para conhecer mais do trabalho dela, pelo e-mail: sofiacardoso49@gmail.com.
Iniciativa Elas SobreOTatame
Este texto faz parte do Elas SobreOTatame: uma iniciativa do SobreOTatame que aborda temas do universo feminino ao longo do ano, em textos, podcasts, encontros presenciais e convidados especiais. Tudo isso sob o comando da mulherada do site.
No segundo bloco, ocorrido entre abril e junho, a temática foi sobre Maternidade:
- Nós e nossas mães: uma reflexão sobre a relação entre mãe e filhas
- Violência obstétrica: a maternidade não deve começar assim!
- Puerpério: seis relatos de experiências sobre a desromantização do pós-parto
- 2º Encontro Elas SobreOTatame: Maternidades
- Com apoio da SEMU, Encontro Elas SobreOTatame debate sobre “Maternidades” em nova edição
- Às mães solo, com amor e empatia
Cada bloco dura três meses, com uma temática escolhida. O primeiro foi sobre Prazer Feminino e Autoconhecimento. Durante os meses de janeiro a março, vários materiais sobre esta temática foram publicados:
Podcast SoT EP01 – Do Luxo ao Lixo: experiências em apps de paquera