Protagonismo negro e tecnologia: o Afro Futurismo da premiada série fotográfica “Tons por Vir”

Foto do ensaio fotográfico artístico Tons Por Vir, de Ísis Furtado.

Tons por Vir: do silenciamento à utopia do existir é uma série de imagens fotográficas que venceu a última edição do prêmio Expocom Nordeste, na categoria Ensaio Fotográfico Artístico, tendo como eixo temático o Afro Futurismo, onde explora o protagonismo negro e o futuro utópico da tecnologia.

Além de trazer à superfície discussões sobre os conflitos de quem vive sob os olhos de uma sociedade racista, discute também os espaços que querem impor aos corpos negros a ocuparem, dualizados com a ideia majestosa de uma realidade a qual esta sim deve ser ocupada.

Foto do ensaio fotográfico artístico Tons Por Vir, de Ísis Furtado.

A temática afrofuturística sofreu um boom nos últimos anos e a responsável por essa disseminação é a franquia Marvel Comics, que após o lançamento de Pantera Negra, trouxe a tona às telas o mundo fantástico da tecnocultura e da ficção científica.

Wakanda é uma das mais belas representações dessa estética que combina elementos culturais, religiosos, tecnológicos com muita, mas muita ciência e tecnologia. O filme é tão inovador que foi o único da franquia a receber indicação ao Prêmio Oscar de Melhor Filme e a arrebatar três premiações da noite, como de Oscar de Melhor figurino, Oscar de Melhor Direção de Arte e Oscar de Melhor Trilha Sonora Original.

Não é pra menos: cada detalhe das personagens de Pantera Negra foi muito bem estudado e inspirado nas tradições dos países africanos. No entanto, vale a ressalva de que essa é uma temática que, apesar de ter se difundido por volta dos anos 90, acredita-se que na literatura, na arte e na música, ela já vem se fincando e desenvolvendo muito antes, mais ou menos por volta do final da década de 1950.

Foto do ensaio fotográfico artístico Tons Por Vir, de Ísis Furtado.

É justamente essa a proposta abordada pelo trabalho artístico fotográfico desenvolvido pelos estudantes universitários Antônio Bernardes, Ísis Furtado, Thiago Kalebe, Raíssa Sales e Maria Clara Cardoso, projeção do negro em um futurismo científico que se vale da ancestralidade africana.

Para isso, os estudantes usaram de uma atmosfera neon para ressaltar e criar o conceito futurístico, incluindo os adereços metalizados que nos remetem tanto aos elementos da cultura africana, quanto à tecnologia. Além de posicionar seus personagens como guerreiros em pose de soberania.

Intercom Regional 2019 em São Luís

Para quem não sabe, o Expocom (Exposição de Pesquisa Experimental em Comunicação) é uma importante premiação destinada aos estudantes no campo da comunicação e seleciona trabalhos experimentais com maior destaque no âmbito do jornalismo, cinema e áudio visual.

A entrega da premiação é comumente realizada dentro das atividades do Intercom e, este ano, o Intercom Nordeste foi realizado em São Luís e recebeu estudantes e pesquisadores de toda a região nordestina.

  • SobreOTatame: Como surgiu a ideia para o ensaio?

Maria Clara: No terceiro período, estávamos os 5 integrantes fazendo a cadeira de ética e mídia, ministrada pelo professor Ramon Bezerra. Entre uma vasta bibliografia, conhecemos dois teóricos: Muniz Sodré e Levinás. Falando de forma bem geral, os dois estudam a constituição da subjetividade humana, tendo como base para essa construção, a vinculação social. Ou seja, o “outro” e o “eu” se constituem sempre a partir das interações.

Nossos olhares, portanto, se constituem de acordo com essas interações e com a iminência de se perder no outro. Pensando nisso tudo, nós decidimos criar um ensaio fotográfico que questionasse e propusesse um novo olhar sobre corpos pretos. A ideia de utilizar o afrofuturismo veio justamente como forma de ilustrar uma pergunta “por que quando pensamos na negritude, nossa imaginação é limitada e dificilmente pensamos em algo com uma estética similar a essa que propusemos?”

  • SobreOTatame: O que seria o AfroFuturismo retratado nas imagens?

Maria Clara: O afrofuturismo é um conceito interdisciplinar. Nasceu na década de 60 nos EUA (ou pelo menos é de onde se tem os primeiros registros, mas não podemos ter certeza já que o apagamento da história negra é tão de praxe quanto a supervalorização de tudo o que é estadunidense) e passeou pela música no jazz, pela literatura, pela moda… o afrofuturismo é uma utopia criada para que os negros pudessem ser sempre protagonistas.

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No caso da utilização visual, o afrofuturismo é uma estética que mistura elementos das ancestralidades e divindades africanas, com a tecnologia, a ficção científica e outros campos que não tem como premissa a inclusão negra.

  • SobreOTatame: Quais foram os desafios de abordar essa temática dentro do processo criativo das fotografias?

Maria Clara: Acho que não diria dificuldades, mas sim pontos de atenção e cuidado. Desde orçamento para a confecção dos figurinos até o cuidado com o contato com os modelos. Tivemos que improvisar muitas coisas para conseguirmos a estética que queríamos sem desrespeitar qualquer que fossem as referências religiosas ou culturais que utilizássemos. E tivemos que passar por todo o processo sempre conversando sobre nosso objetivo, que era questionar sobre o olhar aos corpos pretos.

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Dessa forma, escutar nossos modelos se fez necessário, afinal, eles têm a vivência diária do que é sentir esses olhares na pele (literalmente). Acho que o mais importante de tudo era se manter aberto ao diálogo. Afinal, nossa bibliografia chave fala justamente sobre a importância do outro na constituição do eu. Então, como trazer isso num produto artístico sem ter isso na equipe de produção, né? Não seria possível.

  • SobreOTatame: Qual é o significado dessa premiação na vida de vocês estudantes?

Maria Clara: Acho que cada um sentiu de uma forma, mas foi unânime o sentimento de orgulho por nossa equipe. Trabalhos como o nosso buscam incentivar a ocupação dos espaços pelas pessoas marginalizadas. É isso que queremos com o questionamento sobre o olhar ao preto. Queríamos deixar nossa ajuda na luta diária de todos os que sofrem olhares de perseguição por serem da cor que são. Então, acima de tudo, orgulho e esperança. Porque queremos incentivar a ocupação de espaços e a nossa vitória já foi uma ocupação por si só.

  • SobreOTatame: Quanto as produções de vocês, há outros ensaios variados ou que aborde a mesma temática que esse?

Maria Clara: Como esse trabalho foi elaborado durante uma disciplina, somos uma equipe unida pelas circunstâncias. Não trabalhamos em outras produções juntos, mas quem sabe com esse resultado nós não repensemos isso.

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Formada em Letras pela UFMA, tem se dedicado nos últimos anos a duas atividades: estudar a poesia de Hilda Hist; e a estudar e atuar na área da fotografia. “Aleatória” de natureza, gosta de café sem dispensar um chá. Tem vários gatos, mas também um cachorro e várias plantas. Gosta de literatura e cinema na mesma intensidade que gosta de aquarelas, modelagem e, claro, de viver.

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