Puerpério: seis relatos de experiências sobre a desromantização do pós-parto

(Ilustração: Lari Arantes/Divulgação)

A maternidade é algo super idealizado, tudo muito romantizado. É como se, no exato momento em que o cordão umbilical fosse cortado, a mulher fosse desfrutar do suprassumo da felicidade.

Talvez por isso ainda sejam tímidas as discussões acerca do pós-parto, o revolucionário puerpério.

Conversamos com seis mulheres que vivenciaram essa experiência e todo seu poder transformador, e fizemos uma única pergunta: Como foi passar pela experiência do puerpério?

Jussara Máximo, 28 anos

Jussara Máximo, de 28 anos. (Foto: Divulgação/Arquivo pessoal)

“O puerpério não é fácil, já sabia disso mesmo antes de ter de enfrentar essa montanha russa emocional. Pra mim, o mais difícil foi não conseguir me ver no meio daquele corpo que era meu, mas que meio que não era; meus seios pertenciam agora àquela criança que vivia com fome.

Em decorrência da cesárea não planejada, sentia muitas dores, e o principal: o sono me foi tirado. Acho que qualquer ser humano normal encararia esses aspectos da pós-maternidade como uma sequência séria de tortura. Mas pra nós, mães, é nos apresentado como o melhor momento das nossas vidas, que ironia.

Nem tudo é terrível. Existem aqueles momentos de luz divina em que o bebê sorri e te leva ao orgasmo existencial, mas fácil não é. Passei por essa fase com muita ajuda.

Rede de apoio é parte importante disso – se você está grávida, construa a sua.

Jussara Máximo.

Família, pais, amigos, outras gestantes, gente que te entenda, te apoie e, possivelmente, suporte nos seus piores momentos. E fique com o olho no prêmio: gestar é criar um legado, a chance de construir um mundo melhor, um filho de cada vez”.

Maria Freitas, 24 anos

Maria Freitas, de 24 anos. (Foto: Divulgação/Arquivo pessoal)

“Eu preciso falar, antes de tudo, que eu sempre desejei meu filho, assim do jeitinho que ele é, com essa força, com esses cachinhos. Sempre mesmo. Eu sonhava com a gente junto. Mães e filho. Eu amo, simplesmente, amo meu bebê.

Ao contrário do que se diz por aí, e apesar do meu desejo tão forte por esse momento, a partir do momento que meu Theo nasceu, nada, absolutamente nada, aconteceu como eu esperava.

Logo que a euforia do parto passou, que fomos para casa, eu me deparei com dias sombrios. Hoje, sinto que todos os meus lutos acumulados ao longo da vida se reuniram naquele exato momento, em que eu sentia que algo em mim estava morrendo, mesmo estando diante da vida e do milagre que nascia de dentro de mim.

Eu sofria por não saber, eu sofria por não entender, eu chorava por não conseguir dar mais de mim. Definitivamente, para isso, eu não estava preparada.

Não imaginava que uma criança pudesse chorar por tantas horas clamando por mim, enquanto eu estava noites e noites e noites com sono acumulado. É realmente como correr uma maratona 27km toda noite. Eu não sabia que teria que conseguir não comer direito, não dormir, não tomar banho, não descansar, não sair de casa e ainda assim dar conta de alguém tão pequenininho, que depende de você para tudo. Absolutamente TUDO. Eu precisava de ajuda, mas não queria ninguém por perto.

Eu tive que me fortalecer e olhar bem fundo dentro de mim para encontrar meu amor por aquele menino, guardado, cultivado. Daí eu passei a enxergar a beleza dele, a sonhar de novo com o nosso futuro.

Eu tive que aprender, me dedicar, me aproximar daquele bebê. Tive que deixar morrer algo em mim, pra que aquele amor nascesse.

Maria Freitas.

E, principalmente, para encontrar dentro de mim o que eu já sabia mesmo que não estivesse preparada”.

Talídia Rodrigues, 30 anos

Talídia Rodrigues, de 30 anos. (Foto: Divulgação/Arquivo pessoal)

“Os primeiros três meses foram bem complicados. Quer dizer, até hoje é complicado. Mas os três primeiros foram bem punk. Eu tinha acabado de sair da casa da minha mãe, porque fui morar com o pai da Mawane, e aí eu não tinha muita noção do que era cuidar de casa, do que é ser dona de casa e menos noção ainda do que era ser mãe.

Então era péssimo, porque eu ficava o dia todo sozinha em casa, o pai ia trabalhar e eu ficava o dia todo sozinha com um recém-nascido. Era desesperador, eu não tinha tempo para tomar banho, não tinha tempo para me vestir, não tinha tempo para nada, nem para comer, e só comia comida gelada, porque colocava a comida e ela acordava, e eu tinha que cuidar dela, quando eu lembrava de comer, já era muito tempo depois.

Foi bem complicado. Então, geralmente pessoas que falam que estão adorando, que é a melhor fase, são pessoas com uma rede de apoio bem estruturada, porque…

(…) para a mulher que está sozinha, mesmo que esteja casada, é péssimo, é desesperador.

Talídia Rodrigues.

E eu acho que é por isso que a gente tem tantos caso de depressão pós-parto. É punk demais!”.

Delana Santos, 31 anos

Delana Santos, 31 anos. (Foto: Divulgação/Arquivo pessoal)

“Eu já tinha lido muito sobre o puerpério, já tinha ouvido falar que os primeiros dias são muito ruins. Só que, para mim, foi muito impactante a questão de ter feito a cesária. Eu nunca imaginei que seria um incômodo tão grande, e a cirurgia é violenta, porque você corta sete camadas de pele e, literalmente, quando você fica de pé, parece que está tudo solto por dentro.

Você junta esse festival de emoções com seu corpo literalmente dilacerado, seu psicológico completamente abalado, seus hormônios completamente descontrolados e uma coisinha minúscula que depende de você para tudo, por quem você quer fazer tudo, mas não tem condições físicas. É muito difícil.

Não tem nada que te prepare. Os primeiros quinze dias foram tenebrosos, uma mistura de emoções muito grande e eu oscilava muito. Sempre tive muito apoio familiar, minha mãe sempre estava junto, minha sogra, todo mundo sempre muito junto. Mas eu passei por um processo que é meu, de querer me isolar. Não queria receber visitas:

(…) queria ficar quieta, dentro da minha casa, com o mínimo de gente possível, porque estava num estado deplorável e, se eu pudesse, ficava pelada o tempo todo. Eu estava cansada.

Delana Santos.

Com 15 dias, eu me senti melhor. Era a maior felicidade do mundo com o maior desespero, a maior angústia que eu já senti na minha vida. Em mim, criou-se o sentimento muito grande de querer abraçar outras mães”.

Camila Mendonça, 31 anos

Camila Rosental, de 31 anos. (Foto: Divulgação/Arquivo pessoal)

“Eu não sei bem como te explicar, mas assim, quando tu vê uma mãe, tu sempre sabe que é cansativo. Cansativo porque tem que fazer comida, tem que lavar roupa, tem que trabalhar… Então, tu sempre relaciona o cansaço a um cansaço físico, que é sim extremamente desgastante. Mas, hoje, o cansaço mental e emocional tem um desgaste muito maior.

Acho que essa é a principal diferença e a mais grave, porque as mães ficam muito sozinhas e o desgaste emocional, que é aquela coisa que vai te abalar psicologicamente, é mais preocupante até que um desgaste físico.

Camila Rosental.

Se as pessoas te olham e tu tiver só desgastada fisicamente, elas vão te olhar e dizer: ‘Nossa, tu está muito cansada, descansa‘ ou então ‘eu vou colocar alguém pra fazer as coisas na tua casa, pra tu não ficar tão cansada fisicamente‘. Mas o psicológico ninguém se importa, não dá pra ver e se restringe as pessoas que têm contato direto com a mãe e olhe lá.

Então, acho que essa é a maior diferença. E quando eu falo mães, eu falo de todas as pessoas envolvidas. Eu sei que nem todo pai é participativo, mas quando é, o desgaste dele é similar. Só não posso dizer que é igual, porque a mãe tem alteração hormonal, então, os hormônios contribuem ainda mais para um abalo tão grande”.

Halinna de Carvalho, 31 anos

Hallina Carvalho, de 31 anos. (Foto: Divulgação/Arquivo pessoal)

“A primeira semana da Lara foi muito difícil. Eu tive problemas na amamentação dela: ninguém te diz que amamentar é difícil.

E eu não me reconhecia, pelas próprias mudanças físicas e depois as mudanças de atitudes e comportamentos. As mudanças físicas foram a princípio bem negativas. As de comportamento foram positivas porque eu descobri que tinha uma força maior do que eu imaginava, que eu era mais persistente do que eu imaginava.

Então, aconteceram coisas negativas, mas acho que as positivas se sobrepuseram. Mas esse processo da gente se reconhecer, enquanto mulher, demora.

Uma vez que você está ali, toda cortada, teu corpo tá estranho, você não consegue dormir, a tua relação com teu marido muda, além do próprio desconforto que a cirurgia te proporciona, teu corpo é diferente.

Hallina Carvalho.

Você não se sente atraente, a parte da libido fica meio adormecida porque a tua função no momento é manter aquele bebê vivo e saudável. Então, você ter relações com seu marido é uma coisa absolutamente secundária e quando você não tem um companheiro compreensível, isso acaba causando muitos problemas e muitas fragilidades dentro do casamento.

A gente encontra vários relatos de mães solo que se separaram dos parceiros, dos companheiros, dos maridos, nos primeiros meses do bebê, porque o marido não se vê no papel de pai e, especialmente, não reconhece mais a mulher que ele tinha antes que era disponível pra ele e que agora só pensa num bebê e ele fica um pouco de escanteio.

Então é principalmente isso, mas uma outra coisa também que pesou muito foi o meu papel enquanto profissional. Eu sou uma pessoa muito ativa, tinha muitos compromissos e quando Lara nasceu, senti no primeiro mês que minha vida tinha estagnado,  era como se eu não conseguisse e não fosse nunca mais capaz de retomar a minha vida no mesmo ritmo insano de trabalho, de produção que eu tinha.

Mas não. O tempo vai acalmando o nosso coração e os hormônios também vão se aclamando e aí a gente consegue entender que a vida muda mas a gente consegue voltar”.

#Maternidade

Não se nasce com um gene da maternidade, não se nasce predestinado a cumprir essa função materna. Então, ser atravessada pela maternidade deve ser compreendido em todo seu processo complexo e singular.

Ouçam as mulheres!

Quer contar como foi a experiência do pós-parto?! Mande seu relato.

Iniciativa Elas SobreOTatame

Este texto faz parte do Elas SobreOTatame: uma iniciativa do SobreOTatame que aborda temas do universo feminino ao longo do ano, em textos, podcasts, encontros presenciais e convidados especiais. Tudo isso sob o comando da mulherada do site.

Neste segundo bloco, a temática é sobre Maternidade. A medida que os materiais forem saindo, iremos listá-los sempre ao fim dos textos para que você possa acompanhar. O primeiro foi:

Cada bloco dura três meses, com uma temática escolhida. O primeiro foi sobre Prazer Feminino e Autoconhecimento. Durante os meses de janeiro a março, vários materiais sobre esta temática foram publicados:

E tudo isso culminou em um encontro presencial, que você pode conferir no vídeo a seguir:

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Joceline Conrado é psicóloga de orientação psicanalítica. Atua em São Luís como psicóloga clínica e no terceiro setor, na gestão e implementação de projetos sociais. É redatora e da área de planejamento no SobreOTatame. Se interessa por temas relacionados a gênero, psicanálise e questões raciais. Gateira e leitora compulsiva.

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Adriana Coimbra Rolim
Adriana Coimbra Rolim
5 anos atrás

Muito legal, sobre o que não falam no “conto de fadas”