O SobreOtatame conversou com sete mães sobre como têm sido viver a maternidade em tempos de quarentena (Arte: Reprodução/Monann).
Falar em maternidade é entrar em um mundo de emoções, contradições, aprendizados, alegrias e desesperos. Se a rotina das mães já é intensa, como lidar com os filhos em casa, home office, reaprendizados, preocupação com a saúde e todas as incertezas que os tempos de pandemia trazem?
Enquanto o mundo desacelera lá fora, dentro de casa tudo está ligado no 220 e acontecendo ao mesmo tempo.
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Para entender um pouco mais desse turbilhão de mudanças, ouvimos as experiências de 7 mães, em diferentes realidades, que nos relataram como estão passando por esse período da maternidade sem tréguas.
Amanda Hellen, empreendedora
Para a Amanda Hellen, esse momento tem sido positivo por conseguir passar mais tempo em casa e acompanhar seus pequenos, e dividir as atividades com a rede de apoio tem sido fundamental nesse processo.
“Teve um tempo na minha vida que eu estava trabalhando muito e quase não conseguia participar da rotina dos meus filhos. Esse isolamento social tem sido fantástico justamente por eu conseguir acompanhar o Ben (4 anos) e a Malu (9 anos) integralmente. Estamos juntos 24 horas por dia e eu só lembro disso acontecer quando eles eram recém-nascidos.
Tenho trabalhado em regime de home office, mas poder almoçar com eles, pentear os cabelos depois do banho, ajudar em uma tarefa da escola tem me proporcionado memórias incríveis.
Óbvio que me sinto privilegiada pela rede de apoio, e que proporciona que eu tenha tempo para trabalhar em home office e fazer apenas algumas tarefas, diferente de algumas mães que tem que assumir tudo da casa, filhos, trabalho, mas aqui tem sido realmente uma linda redescoberta e eu sei que eles estão felizes por estarmos tão próximos!”
Amanda Hellen, empreendedora.
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Além de todos os papéis que as mães já exercem normalmente, tiveram ainda que assumir o papel de professora e serem inseridas em um contexto totalmente novo para elas e os filhos: a educação a distância.
Lourdilene Oliveira, dona de casa
A Lourdilene Oliveira precisou reinventar a forma de dar suporte ao Enzo (8 anos) nas atividades escolares e contou com a ajuda de seu filho mais velho Andrew (21 anos) para dividir com ela essa missão.
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“É completamente desafiador como mãe, mulher e dona de casa, conciliar a rotina do dia a dia e as atividades domésticas, fora os imprevistos que acontecem. E ainda com as aulas particulares do Enzo canceladas e as pilhas e pilhas de exercícios das 11 matérias ministradas pela escola, as aulas EaD, grupos de WhatsApp, e-mail e inúmeras mensagens diárias…
Uma das minhas maiores dificuldades é relembrar o conteúdo de todas as disciplinas e ter de passar esse conhecimento de uma forma que ele possa entender, absorver e aprender. […] Desempenhar o papel de professor é algo mágico.
Aprendi de uma forma muito tradicional. E hoje é tudo muito intuitivo, avançado, muitas informações a serem processadas. Então, estou tentando me encaixar nesse mundo para que possa tornar interessante, de fácil aprendizado e que possa aguçar a curiosidade do que está sendo aprendido.
Faço uso de todos os recursos possíveis: livros, YouTube, desenhos, exemplos diversos, frutas, brinquedos, músicas… Solto a imaginação para poder fazer o que posso, mesmo diante das minhas limitações nesse momento tão delicado.
Fiz também com a ajuda do meu filho mais velho, o Andrew, a divisão de algumas disciplinas. Foi a forma que encontrei de obter um pouco de paz, descanso físico e mental. E assim vamos seguindo com fé, esperança e amor para que tudo isso termine. E que tudo fique mais tranquilo e que possamos nos adaptar a cada dia”.
Lourdilene Oliveira, dona de casa.
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Com todas as novidades de readaptação, muitas mães têm se deparado com o sentimento de culpa e a sensação de não estar dando conta.
Fernanda Moraes, funcionária pública
Reconhecer o sentimento e entender que alguns dias serão bons e outros nem tanto foi a solução que a Fernanda Moraes encontrou para lidar com esse momento.
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“Sempre no final do dia, estou mais cansada do que antes dessa quarentena. E a rotina diária é colocar a filha (8 anos) nas aulas online da escola, enquanto faço comida e arrumo as coisas; após isso, lavar as louças e roupas. A tarde, tem revisão e dever de casa, só depois coloco meu trabalho em dia.
Com tudo isso, sinto que essa rotina está aumentando minha ansiedade, e com isso vem as alterações de humor constante. Não vou mentir, se para mim está sendo exaustivo viver a maternidade constante, aliando trabalho e afazeres de casa, fico imaginando quem tem mais de um filho.
Às vezes sofro me perguntando se sou a única a me sentir assim ou pensar dessa forma. O que me conforta no final da noite é que, em meio a tudo isso, estou fazendo a minha parte e protegendo minha filha e que ela entenda que há dias que a mamãe está bem, e outros não. E assim vamos levando essa quarentena”.
Fernanda Moraes, funcionária pública.
Daniele Meira, professora universitária
Na casa da Daniele Meira, mãe de Luísa (3 anos) e Lara (8 meses), a energia das meninas tem sido um desafio, mas ela tem encontrado sentido ao ver as filhas se divertindo e poder acompanhar de perto o crescimento delas.
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“Não está sendo nada fácil! De um dia pro outro, tive que assumir várias funções (as quais de certa forma já exercia). Porém, agora, sem intervalos, sem programação, sem ter uma ‘válvula de escape…
Alguns dias são mais difíceis e a gente acha que vai pirar. Criança chorando, casa bagunçada, insegurança por não saber quando tudo isso vai acabar (e como vai acabar), a culpa (ah, a culpa…essa é a pior de todas) por não poder estar totalmente disponível para as minhas filhas, embora estejamos 24h por dia juntas…
Por outro lado, dias mais leves também existem! Eu nunca imaginei que pudesse acompanhar tão intensamente o crescimento das minhas filhas. E como elas têm crescido!…
E quando eu me vejo sentada no meio da sala com a mais nova tentando escalar a minha perna e a mais velha pendurada no meu pescoço e sorrindo, dizendo que estamos nos divertindo muito, penso que nada é por acaso, que tudo tem um lado bom… que a minha “ausência” e o meu cansaço também são formas de demonstrar amor.
Com esse pensamento, tenho tentado tornar as coisas mais simples e aproveitar a oportunidade que nos foi dada (mesmo que de forma tão dura). Não tem problema se a louça do almoço for lavada à noite, ou mesmo no dia seguinte… A pandemia vai passar e as nossas memórias ficarão para sempre. Que façamos delas momentos felizes para recordar!”.
Daniele Meira, professora universitária.
Rosângela Duarte, supervisora de vendas
Para a Rosângela Duarte, a palavra que pode resumir esse momento é redescoberta. Em cada atividade que realiza com o Heitor (9 anos), ela vai reaprendendo, com ele, a ser mãe.
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“No primeiro mês, eu fui me adaptando a todo esse novo formato de estar ensinando as tarefas do meu filho, fazer as tarefas domésticas, cuidar de cachorro…
Pra quem trabalha no varejo é muito pesado, e pra mim foi uma readaptação, foi uma redescoberta de ser mãe num período integral. Fui redescobrir como ensinar o meu filho, como conviver com ele durante todo o dia, coisa que há muito eu não fazia.
Vou buscando maneiras de distraí-lo, fazendo brincadeiras, sendo professora, ensinando as tarefas de casa, acompanhando nas aulas on-line.
Então, pra mim, essa pandemia veio, mesmo com todo o caos que a gente tá vivendo, de uma forma positiva por esse lado de voltar a ser mãe integralmente, porque o trabalho suga bastante o nosso tempo de ser mãe. Pra mim está sendo muito valioso esse período que eu tô passando com meu filho, tem sido de muito aprendizado”.
Rosângela Duarte, supervisora de vendas.
E como fazer para que os filhos entendam que, apesar de estarem em casa, em home office, as mães estão trabalhando?
Talita Souza, técnica em segurança do trabalho
A Talita Souza, mãe do Ravi (3 anos), adotou várias estratégias para que o filho possa compreender e entrar nessa rotina.
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“O maior desafio tem sido fazer o Ravi entender que eu estou em casa, mas estou trabalhando. Fazê-lo compreender que eu não posso disponibilizar muito do meu tempo de trabalho para ficar com ele.
Tenho usado uniforme em casa todo os dias para ajudá-lo a entender que isso é o home office. No intervalo entre uma reunião e outra, eu tiro e visto uma roupa de casa para as refeições.
Ter ele em casa exigiu muito da minha imaginação. Inventamos brincadeiras novas e tentamos nos ater a atividades que criem uma rotina próxima a que ele possuía quando ia para a escola; tentamos manter os mesmos horários das refeições e atividades, diminuímos o tempo que ele passa na TV vendo desenhos.
Inventamos as carinhas (triste e feliz) para indicar quando ele faz alguma coisa positiva ou negativa; as brincadeiras que estimulam o lado lúdico tem ajudado a prender a atenção dele enquanto estou trabalhando. Para mim, essa rotina tem sido um pouco mais ‘fácil’, pois tenho pessoas que me ajudam e isso possibilita cumprir as demandas do trabalho”.
Talita Souza, técnica em segurança do trabalho.
Roberta Soares, autônoma
“Organizar horários, e dividi-los: um estuda em um canto, outro estuda em outro… e eu incentivando os estudos. Não foi fácil também porque eles nunca tinham passado por isso de fazerem atividades nesse sistema. Comecei a ir acompanhando, a colocar a farda, a inserir os horários da escola com pausas para lanche, dar responsabilidades, e focar nas atividades. E foi um trabalho comigo primeiramente”.
Roberta Soares, autônoma.
A Roberta também tem apostado em um diálogo aberto com os filhos para explicar o momento que estamos vivendo e ensinar o quanto a empatia e a conscientização de cada um são importantes para a convivência dentro de casa e com os outros. Buscar ainda um equilíbrio mental no meio de tudo isso é desafiador, mas necessário.
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“Tenho conversado muito com eles, e procuro deixá-los a par de tudo. Eu relato o que está acontecendo, falo da gravidade do que está acontecendo no mundo, falo das mortes… É duro, mas foi o jeito que achei de fazer com que eles entendessem a gravidade do que estão vivendo.
Embora sejam novos, queria que eles entendessem o que eu estava fazendo, e porque que o mundo está daquele jeito. Mas eu vejo que mesmo não sendo fácil, a conscientização deles como pessoas frente à pandemia é extremamente importante.
Essa preocupação do ser humano em se cuidar, em cuidar dos que estão dentro de casa é essencial para que a gente consiga passar por esse momento. Eu faço o máximo para que a gente esteja junto, conversando. O que estou buscando no meio de tudo isso é fazer com que a nossa ligação, o nosso entrosamento se torne mais sólido.
E assim está sendo a minha experiência de maternidade solo com duas crianças dentro de uma casa: tentando equilibrar a saúde mental deles, tentando fazer com que eles entendam, e pensando em mim também, na minha saúde mental.
Preciso tentar manter a minha sanidade, o bom ânimo, pensar positivo, embora as notícias todos os dias nos mostrem que as coisas não estão fáceis, mas eu estou tentando ao máximo não perder a esperança”.
Roberta Soares, autônoma.
Enfrentar essa nova realidade é um desafio. De modo geral, as rotinas dos lares estavam habituadas a pouco contato – pais trabalhando fora, filhos na escola, em aula particular… A pandemia exigiu um novo olhar para essa configuração e a convivência diária e reorganização da rotina surgiu sem avisar. O aprendizado e a adaptação estão acontecendo em curso.
Receita pronta não existe. Tudo é novo para todos. E cada mãe, cada família, vai encontrando novos formatos, seja organizando uma rotina, inserindo os filhos nas atividades da casa, tendo diálogos abertos sobre o que está acontecendo, aproveitando para criar laços mais resistentes…
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O mais importante é encarar esse momento de forma humana, sem se cobrar e assumir que o melhor já está sendo feito.