(Arte: Reprodução/Internet).
O mês de setembro é muito simbólico para mim, não só pelo fato de meu irmão (10), irmã (15) e mãe (17) fazerem aniversário nesse mês, mas sobretudo porque fala-se na prevenção e combate ao suicídio.
De acordo com o relatório do Grupo Gay da Bahia, intitulado Mortes violentas de LGBT+ no Brasil, no ano de 2019, das 329 mortes violentas, 297 foram homicídios e 32 suicídios. Ou seja, é grave a situação da pessoa LGBTQIA+ nesse país. Principalmente, porque percebemos um aumento considerável no número de pessoas que desistem, pois foram vencidas pelo cansaço… Nem sempre o arco-íris aparece depois da tempestade (proponho então um minuto de silêncio por essas e outras vítimas que não estão nos dados, mas que formam um gigantesco número de assassinados/as).
Bom, mas nesse texto, eu não quero falar puramente da dor de ser LGBTQIA+, disso eu já falo há bastante tempo. Hoje, eu quero falar de algo pertinente à nossa comunidade colorida, a algo que faz uma diferença absurda nesse processo de prevenção que o setembro amarelo nos traz: hoje eu quero falar de FAMÍLIA.
- Dia D do Setembro Amarelo: a necessidade de conversar sobre a valorização da vida;
- Pra não dizer que não falei dos espinhos;
- Saiba como funciona a Rede de atendimento à Saúde Mental.
Falar de família é uma tarefa muito complicada para pessoas LGBTQIA+ que, assim como eu, passam por situações um tanto quanto constrangedoras, pra não dizer, até formas violentas de trato, de afeto e falta de acolhimento, em um momento ou durante toda sua vida. Mas, a intenção aqui, não é falar mal de minha família nem das impossibilidades de nós, LGBTQIA+, termos uma família. A questão aqui é tentar chamar nossas famílias de sangue para conversar, então, chamem todEs que estão por aí e sentem juntEs para ler o que tenho a dizer.
Primeiro, eu gostaria de respirar fundo e dizer que amo minha família, diga o mesmo para quem tá ao teu lado, diga: “eu te amo”. Diante de todos os defeitos que nossas famílias possam ter, a gente segue amando-as, sabe por que? Porque a gente se importa quando uma palavra machuca, porque a gente sente falta de conversar sobre nossos relacionamentos com certa “naturalidade” com nossas mães, por exemplo. Porque a gente se importa com o estilo de roupa que usamos e somos repreendidas. Porque nos importamos com a normatividade sobre nossas corpas. Porque a gente se importa com a falta de um abraço, a gente se importa, inclusive, com a ausência das pessoas para dizer “eu te amo”, pois quem ama, se importa.
Depois, vamos refletir sobre o conceito de família: o que é? Como ela se configura? Pra que serve?
Segundo o dicionário Aurélio, família significa um conjunto de “pessoas aparentadas que vivem, em geral na mesma casa, particularmente, o pai, a mãe e o filho”, ou “pessoas do mesmo sangue”, ou pessoas da “mesma origem e ascendência”. A expressão “família” vem do latim famulus, que segundo o doutrinador Miranda (2001, p. 57;58) significa “escravo doméstico”, que designava aqueles/as escravos/as que laboravam de forma legalizada na agricultura das tribos ladinas, situadas atualmente onde está localizada a Itália.
Todavia, o termo “família” foi usado primeiramente pelos romanos quando estes compreendiam que o homem, como chefe, mantinha sob controle a mulher e os filhos, bem como os escravos, já que era ele quem exercia plenos poderes sobre aqueles.
Dessa forma, a família, por ser considerada mais antiga do que o próprio Estado, e é de suma importância para funcionamento da máquina estatal, na medida em que sem família sequer haveria Estado, posto que daquela, depende este para a normalidade da sociedade.
- Saúde mental da mulher: por que a gente quer falar disso?;
- Mitos e verdades sobre suicídio;
- A realidade de uma pessoa ansiosa em seis minutos.
Então, em um primeiro momento de nossa história ocidental, a ideia de família nasce num contexto escravocrata, patriarcal, elitizado e, sim, branco (genótipo europeu). Uma ideia que certamente, não se encaixa em outras perspectivas culturais, como nas tribos africanas, nas sociedades indígenas, comunidades aborígenes e por aí vai. Mas teve seu avanço com a colonização constante ocorrida a partir do avanço do Império Romano (século 27 antes de Cristo) e mais globalmente, a partir do século XV, com a expansão marítima.
De lá pra cá, sim, insistimos no desastre em querer colocar essa ideia colonial de família em nosso cotidiano. Um primeiro e grande erro, coordenado sempre em nome de Deus, um deus cristão! E aqui chamamos atenção de como esse discurso religioso entra em outras discussões que afetam todo o processo de construção de ser LGBTQIA+. Um discurso que justifica a agressão de nossas corpas, um discurso que mata, que provoca o suicídio de várias pessoas jovens, adolescentes que tinham toda uma vida para ser feliz.
Então, se sua família é religiosa, provavelmente, aqui parou de ler o texto comigo, mas, não se preocupe, na Bíblia (livro de orientação para os cristãos), ao longo do novo testamento, em suas parábolas e ensinamentos, Jesus nos fala: “amai ao próximo como a si mesmo”.
Portanto, quem agride alguém com torturas psicológicas ou físicas em nome de Deus, não está também se maltratando? Expulsar a filha ou filho de casa, em nome de sua fé, não é expulsar a si próprio/a do amor de Deus? A pergunta central, para mim, é: até que ponto nos amamos para poder amar outra pessoa? Vocês estão, de fato, colocando os ensinamentos cristãos em prática? E essa pergunta não deve ser respondida por mim, mas, sobretudo, por quem nesse momento, parou para pensar na resposta.
Refletimos aqui, sobre a história, sobre o aspecto religioso e iremos refletir sobre o significado sociocultural que a família possui. É fato que a configuração familiar alterou nessa linha do tempo da construção de nossa sociedade capitalista ocidental. Sociologicamente, as famílias são consideradas grupos primários, onde as relações entre as pessoas são pautadas na subjetividade dos sentimentos entre elas. Sentimentos necessários para uma melhor convivência entre elas, o que antes era pensado como imposição é visto como uma escolha afetiva.
Ou seja, existem famílias chefiadas apenas por mulheres, quando o homem abandona, mas a mulher escolhe ficar com filhos para criar. Famílias onde os netos são criados pelos avós, famílias homoafetivas, famílias transafetivas, famílias com uma pessoa onde os filhos são animais de estimação como cães e gatos, família de amigos, entre muitos outros exemplos que podemos citar na contemporaneidade.
Dessa forma, a família criou uma dimensão também de resistência, assumindo sempre seu caráter político de ser família. Não importa o que ninguém queira impor como família, essa instituição social, se recria e existirá, independentemente de nossa vontade. E aqui, quero caminhas para minhas considerações finais.
- Cinco atitudes que auxiliam no apoio a um amigo com Depressão;
- Depressão e o que ainda não sabemos sobre ela;
- Ansiedade, Depressão e Redes Sociais: por que mulheres sofrem mais com o fenômeno da hiperexposição?.
Eu tive uma baita sorte de nascer num lar que me ensinou tudo que poderia ter para formar a minha própria família. Maria Ribamar Silva e Alderico José Santos Almeida: duas pessoas importantes para mim e que sempre tiveram a intenção de me proteger de todo mal que a vida pudesse me ofertar (e me salvaram muitas vezes). Às vezes, nossos pais e mães ou responsáveis não sabem como fazer, mas, no desespero de não nos ver machucados, erram. E é tão importante que eles assumam esses erros e, mais, ainda, que a gente reconheça que criar filhos, sejam quem forem eles/elas, não é uma tarefa fácil de ser executada. Por isso, perdoem-se!!
Eu acredito ser possível que a gente ensine nossa família. Em todos meus textos, venho falando em diálogo, muitas vezes, nós filhos/as, não puxamos o papo reto com eles/elas. Como diria o poeta Renato Russo, “são crianças como você”. Esse processo de conquista e respeito não ocorre de repente e de maneira impositiva, ele é contínuo e respeitando que cada um/a tem seu tempo. E se mesmo que o diálogo não ajude, faça da sua própria família, seja com seus amigos, namorados/as, com quem quer que seja, o seu espaço sagrado para reprodução daquilo que considero fundamental entre nós, seres humanos: o amor!
O poeta dizia que o amor constrói. E, de fato, ele alimenta possibilidades de se viver melhor, mesmo diante de tudo aquilo que nos machuca e dói. Não quero parecer doutor, tampouco avaliar a tua dor, cada um sabe o que sente e queremos ser tratados como gente. Gente capaz de viver em paz. Eu te compreendo e não estou aqui com receita pronta pra te dar, porque viver é uma jornada difícil de se percorrer, cada um vive de um jeito muito particular. E isso, é preciso respeitar. Sendo assim, cabe a mim apenas te falar, que se preciso, estou aqui, para te ajudar. Você não está sozinha ou sozinho! Posso imaginar o vazio em seu caminho, mas se você pensar em desistir, sem saber o que fazer, feche os olhos e sinta todo o meu bem querer. Não tenho casa a oferecer, seria bom fazer nosso próprio lar! Mas tenho arte em minhas mãos, é com poesia que eu sei amar! Podem ser apenas letras e palavras rabiscadas e rimadas, mas que se você bem olhar, em um abraço elas podem se tornar. E se um dia você pensar em desistir, leia essa mensagem de amor, sinto o cheiro de esperança vir junto, como o perfume de uma flor, feche os olhos e sinta meu forte abraço, formando um fraterno elo eu e você. E como um laço, o abraço te puxa de volta, porque você importa nessa caminhada, que o amor constrói, para a gente poder viver!
Te cuida, mermã! – o 3º encontro Elas SobreOTatame
O terceiro encontro Elas SobreOTatame foi realizado no dia 29 de setembro do ano passado, trabalhou o tema “Te cuida, mermã: Saúde Mental da Mulher”. Cerca de 40 mulheres tiveram a oportunidade de compartilhar suas experiências.
Com a proposta de ser acolhedor, o Encontro Elas SobreOTatame prioriza a escuta do feminino pelo feminino.