Toda banda de rock que se preze tem que ter seu próprio reggae. Ok, tudo bem, é brincadeira. Toda banda de rock não precisa ter necessariamente um reggae, claro. Mas eu aconselharia qualquer uma a ter. Pelo menos um. Por quê? No texto que se segue, explico o motivo e enumero quais músicas fizeram grandes nomes do rock soarem como regueiros.
Por que toda banda de rock deveria ter um reggae? Bom, é uma referência respeitosa. Não obrigatória, claro, como eu disse, mas respeitosa.
Leia mais: Dia Mundial do Rock: 14 bandas maranhenses que você precisa conhecer
Afinal, o rock e reggae são da mesma família. São primos bastante (!) distantes, digamos assim, mas… Ainda são da família. Ambos têm um parente em comum: o rhythm and blues dos anos 1940 (ou R&B para os íntimos…), tido como a estilização definitiva e pop do blues urbano.
Falando de forma bem simplificada, dele irão se originar vários filhos: o rock’n’roll, o funk (o funk americano, claro), o soul e o ska; três netos: o rock (que foi se ramificando em milhões de subgêneros), o rap e o rocksteady; e um bisneto: o reggae.
Leia também | 15 lançamentos musicais maranhenses que você já deveria ter ouvido em 2020
Das bandas de rock que possuem em seu histórico algum envolvimento com o reggae, existem basicamente dois tipos: aquelas cujo estilo normalmente não flerta com o ritmo jamaicano, ou seja, cujos “termos algébricos” sonoros não são conhecidos por usarem “partes literais” ou “coeficientes numéricos” regueiros (para usarmos aqui uma metáfora matemática), e aquelas que têm ou tiveram o costume de usar elementos do gênero consagrado mundialmente por Bob Marley em suas composições, como o The Police.
Com relação às bandas do primeiro grupo, existem vários exemplos – e é justamente sobre elas que eu vou traçar alguns comentários.
1-) Led Zeppelin
Começo por esses gigantes do rock setentista. O reggae deles é bem conhecido: D’yer Mak’er (até Claudia Leite já cantou essa música). Lançada em 1973, no álbum Houses of Holy (considerado por alguns críticos como o “patinho feio” da discografia do Zeppelin – opinião que, para mim, é um despautério), essa música revela um eu-lírico extremamente apaixonado por sua amada.
Reparem na performance do baterista John Bonham nessa música. É interessante notar que ele não soa como um baterista regueiro. Ele permanece com sua identidade. Seu groove é pesado, mas ainda sim extremamente suingado, e em nenhum momento usa o aro da caixa, o que é comum em levadas de reggae.
Leia mais: 7 sons do folk brasileiro
Degustar a textura do som dessa bateria é um prazer raro (falo aqui no sentido quase que sinestésico da coisa). Na verdade, as texturas (neste “meu” sentido) de todos os instrumentos são incríveis nessa música (na verdade, na verdade mesmo, os timbres das músicas do Led, no geral, são como biscoitos crocantes – algo que consigo encontrar também nas músicas do Queen).
Pasmem, um detalhe: o próprio John Paul Jones, baixista da banda, já revelou seu desgosto por esse reggae. D’yer Mak’er não foi levado a sério por ninguém na época do seu lançamento, na verdade, só ganhando respeito mais tarde.
2-) Scorpions
Lançada em 1979, no álbum Loverdrive (aquele com a polêmica e bizarra capa de um homem com a mão ligada, por meio de um chiclete, ao seio direito exposto de uma mulher), a música Is There Anybody There? é, na falta de um termo mais satisfatório, uma delícia.
Leia mais | Novos singles maranhenses: Açoite | Gallo Azhuu| Sulfurica Billi
Não é um reggae “roots” (de raiz), claro – tal como todos os reggaes analisados nesse artigo –, mas um reggae “de branco” (usando a possível tradução do nome do álbum Reggatta de Blanc, do The Police), ou melhor, de “branco roqueiro”, com pontuais distorções de guitarra ao longo do arranjo, ainda que conserve aquele característico e inconfundível suingue oriundo da batida da guitarra no contratempo da canção – batida esta chamada “skank” (no funk, essa linha da guitarra, também magrinha e rítmica, se chama “fatback”, mas com outra métrica, dado o gênero ser diferente).
3-) Red Hot Chili Peppers
Joe, música lado B do single Desecration Smile dos pimentões, quase ninguém conhece. Ela é bem suave e rasteira e, de todos os reggaes comentados aqui, ela é a que mais se assemelha ao dito reggae roots, o reggae original jamaicano.
Os timbres são realmente bem característicos, com direito a um arranjo de sax, trompete e trombone que me fez sentir como se eu estivesse perto das próprias radiolas dos festivais de reggae daqui de São Luís do Maranhão – a chamada “Jamaica Brasileira”, único local do mundo onde se dança reggae a dois.
Leia também | Brasil no COLORS: quem apareceu numa das melhores curadorias de música do mundo?
Aconselho a dançarem agarradinhos esta música dos Chili Peppers – principalmente durante o refrão, inclusive.
4-) Frank Zappa
O nosso excêntrico guitarrista bigodudo é dono de duas das paródias regueiras mais interessantes existentes na face da Terra. Ambas estão no álbum duplo ao vivo The Best Band You Never Heard in Your Life e se caracterizam por serem covers – covers reggae, claro – do Johnny Cash e do Led Zeppelin.
A música do Cash escolhida foi Ring of Fire, cuja versão original tem um pé forte na “mexicanidade” e outro no country. Pessoalmente, o cover zappatiano me soa mais carismático (e, em consequência, mais divertido) – pena ter uma duração pequena (2 minutos). Em contrapartida, a música do Led escolhida pelo bigodudo, Stairway to Heaven, tem pouco mais de 9 minutos e foi executada como última música do álbum II, fechando o show sabiamente.
Leia também | 7 sons (+1) em homenagem às mães
Tal canção foi adaptada com um bom gosto tão supimpa (até os pontuais toques de “breguice” são de bom gosto) que não tem como não esconder um sorriso de aprovação quando se a escuta. E o final é perfeito: aquele puta solo do Jimmy Page da versão original é entoado por um naipe de metais de qualidade indiscutível, em um empolgante ska.
Ouvir essa música até o final dá tanta satisfação quanto saber que se fez um sexo gostoso. O bom humor de Zappa estampa bem as duas versões, e está mais bem destacado no cover de Johnny Cash. Na versão regueira do hit zeppeliano, tal toque lúdico está nos efeitos sonoros que são colocados estrategicamente ao longo da música (os pontuais toques de “breguice” assinalados acima).
5-) Rush
Sim, o Rush já emanou acordes regueiros… Intocados no meio de suas músicas. Quando menos se espera, PIMBA: reggae do Rush! Refiro-me às composições Vital Signs e The Spirit of Radio, presentes respectivamente nos álbuns Moving Pictures (1981) e Permanent Waves (1980). Ao ouvir o começo da primeira música, você jamais pensará que poderá ouvir um reggae saindo dela. Mas ele aparece em dois momentos, muito bem colocados, logo depois das agudas frases do Neil Peart (que Deus o tenha): aos 01:16 e 02:42.
Com relação à segunda música, essa composição é famosa pelas viradas de bateria em uníssono com o baixo de Geddy Lee logo na introdução. Executá-las não é pra qualquer um e exige muito entrosamento entre os músicos. A parte reggae dessa música aparece de maneira rápida, porém marcante, perto do final, aos 03:50.
Leia mais | Lançamentos maranhenses: Babycarpets | Canyon | Killery | Brutallian
Convém lembrar que o Rush teve várias fases ao longo de sua existência, sabendo se encaixar sem medo às sonoridades de cada década, seja às dos anos 1970, 1980 ou 1990. Sempre gostaram de mudanças e quando veio, por exemplo, a new wave (que soube flertar com várias vertentes dentro e fora do rock…), abraçaram aqueles timbres, aquele visual, sem perder a genuinidade e sua aura própria.
6-) Bruce Dickinson
É, “reggae” é a última coisa que você provavelmente iria associar ao vocalista do Iron Maiden, o Bruce Dickinson. Ou a penúltima, haja vista que temos “cheirador de axilas” ou “provador de ração de animais de estimação” (observação nada gratuita, uma vez que o cara se encontra facilmente associado a profissões como piloto de avião, esgrimista, mestre cervejeiro, historiador e radialista).
Mas, sim, durante alguns segundos bem inesperados, a música Tears of the Dragon (primeiro single do segundo álbum da carreira solo do sujeito), lança mão de um arranjo meio “caí de cara no Caribe e estou curtindo um reggae” por uns bons 30 segundos após um solo intenso de guitarra. E detalhe: a guitarra continuará solando (em coerência ao ethos do arranjo, claro), o que nos dá a sensação de “caí de cara no Caribe e estou curtindo um reggae com Carlos Santana”.
Leia também | 5 álbuns de samba pra tu se apaixonar por esse gênero de resistência!
O que soa esperto, semioticamente falando, pois cria-se uma relação sonora com o conteúdo da letra, que nos traz um eu-lírico que morre de medo de mudanças… Até que ele aperta o “foda-se”, se lança ao mar e pede para que liberem a onda.
O solo intenso de guitarra vem em seguida e pode ser interpretado como uma representação sonora desta onda… Que nos leva, enfim, para a mudança que o eu-lírico tanto temia, que acaba se revelando, no fim das contas, mais prazerosa e menos assustadora do que parecia.