Estamos chegando ao fim de mais um bloco de discussões, desta vez falando sobre Saúde Mental da Mulher, mais especificamente sobre Transtornos de Humor.
O assunto como um todo é amplo, complexo e cheio de caminhos a serem explorados, por isso, sempre bom lembrar que o que apresentamos aqui neste bloco, e também neste texto, é apenas um recorte pequenino daquilo que consideramos importante destacar.
Estamos junto a vocês explorando pontas de icebergs!
Vamos lá explorar mais essa?!?
Meu filho, aguenta, quem mandou você gostar dessa mulher de fases?
Mulher De Fases – Raimundos, 1999.
Uma grande parcela das mulheres já deve ter ouvido alguma vez na vida que mulheres são de “veneta”, de “lua”, ou de “fases”. Isto para justificar sob um estigma da loucura as variações de humor, que na grande parte das vezes não são patológicas.
Enquanto eu escrevia esse texto me peguei questionando sobre quem de nós tem um humor totalmente linear, sabe? Quem é totalmente estável e “equilibrado” durante uma semana, ou um dia que seja. Afinal, quantas não são às vezes que começamos um dia muito dispostos e alegres, e ao longo do dia, não conseguimos manter esse estado de satisfação, passando por explosões de raiva, ou de tristeza, por uma falta de vontade de fazer nossas tarefas, ou mesmo o contrário.
Oscilações de humor, oscilações na expressão dos afetos, explosões de raiva são até mesmo esperadas diante de tantas situações que lidamos no cotidiano, e convenhamos que os tempos atuais não estão fáceis pra quase ninguém!
Mulheres em especial, como já discutimos aqui no site anteriormente, passam por muito mais pressões e opressões, acarretando uma carga emocional ainda maior para carregarmos nessa vida; além, claro, de questões hormonais como a Tensão pré-menstrual e a menopausa, que também contribuem para modificações no humor e na disposição em algumas de nós.
Justamente por isso, muitos são os dedos que se apontam para os nossos rostos nos chamando de doidas, piradas, cheias de vontade, cheias de mania, “histéricas”…
Vivemos em uma cultura que ensina a negar o que sentimos,e a medicalizar todas as formas de expressão consideradas inadequadas, por isso, estou inclinada a achar que negar que variações de humor fazem parte da nossa expressão “normal”, é só mais uma dessas formas de nos fazer engolir as expressões das coisas que nos afetam.
Ela é tarja preta – Arnaldo Antunes, 2013
a galera se excita e palpita: quem vai encarar?
quero ver, agora quero ver quem vai chegar
ela é tarja preta
é tarja preta
é tarja preta
é tarja preta
tem que ter receita
Recentemente o termo “bipolar” tem sido utilizado cada vez mais para se referir às variações de humor e insatisfações. Mas dizer que alguém é bipolar, sem que essa pessoa sequer tenha ido a um acompanhamento profissional, é , na verdade, uma banalização de todo sofrimento psíquico que pessoas com o real diagnóstico atravessam.
Mas vamos por partes, o que seriam afinal os Transtornos de Humor?
Os transtornos do humor são também chamados de transtornos afetivos, pois estão diretamente relacionados à expressão das emoções.
Tristeza alegria e raiva, por exemplo, são afetos que estão presentes nas nossas experiências comuns e cotidianas como resultado das interações que temos com o mundo. Nos transtornos afetivos / de humor essas experiências são alteradas em sua intensidade de expressão causando sofrimento prolongado.
Ou seja, um transtorno do humor somente é diagnosticado quando os quadros de tristeza ou euforia se enquadram nos critérios médicos que indicam um excesso deles, e além disso estão acompanhados por determinados sintomas típicos, reduzindo os comportamentos saudáveis das pessoas em vários de seus contextos.
Os tipos de transtorno de humor mais comuns são a depressão e o transtorno bipolar.
Já falamos da Depressão em texto anterior aqui no Elas, lembra? Leia aqui: Ansiedade, Depressão e Redes Sociais: por que mulheres sofrem mais com o fenômeno da hiperexposição?
Hoje vamos falar um pouco mais sobre o Transtorno Bipolar.

O Transtorno Afetivo Bipolar (TAB) já afeta mais de 2 milhões de pessoas por ano no Brasil, e as informações sobre sintomatologia, tratamento, redes de apoio ainda são poucas e/ ou envoltas em preconceitos e banalização do sofrimento psíquico de quem convive com o transtorno.
O TAB é caracterizado por dois polos:
1- Episódio chamado de mania, que é determinado por uma euforia intensa, sentimento contínuo e forte de felicidade e vitalidade;
2- Episódio depressivo que é identificado por períodos de extremo desânimo e tristeza.
Às vezes, um episódio de humor inclui ambos os sintomas de episódios maníacos e depressivos. Isto é chamado de estado misto.
Como o TAB se desenvolve?
Não existe um acordo quanto a uma causa específica, o que se sabe é que fatores genéticos exercem influência sobre o desenvolvimento do transtorno, mas que só esse fator não é decisivo, pois questões multifatoriais, como o contexto familiar, social, financeiro e afetivo ainda são preponderantes para o desencadeamento dos sintomas.
O TAB afeta principalmente adultos, e aparece, no geral, ao final da adolescência e/ou início da vida adulta.
É importante destacar que existe mais de um tipo de TAB, cujas definições variam de acordo com os sintomas associados, e com a frequência e duração dos episódios.
Leia mais clicando aqui!
De acordo com a Associação Brasileira de Familiares, Amigos e Portadores de Transtornos Afetivos (ABRATA), Embora o TAB seja igualmente comum entre homens e mulheres, cerca de três vezes mais mulheres do que homens experimentam ciclagem rápida no TAB (os episódios de euforia e depressão nas mulheres mudam mais rápido) e além disso, mulheres com o transtorno bipolar podem ter mais episódios depressivos e episódios mistos do que os homens com o transtorno.
Talvez o fato de que mulheres passem por ciclagem rápida mais que os homens, torne as variações mais perceptíveis, e isso acabe reforçando o estigma de que mulheres são “bipolares”, e homens não o são.
Mas precisamos ter claro que esse é um transtorno que pode acometer pessoas de quaisquer gêneros, e que os preconceitos são os maiores inimigos para que se possa detectar sinais e dar início aos tratamentos adequados.
Nem toda oscilação de humor é transtorno bipolar!
Se todos nós passamos por oscilações, então como identificar quando se precisa de ajuda?
Devemos atentar para as seguintes alterações comportamentais, por um período superior a três semanas de forma constante e progressiva.
Sintomas presentes nos episódios Depressivos
- Pessimismo e desesperança;
- Sentimentos persistentes de inutilidade, rejeição, angústia, vazio e/ou culpa;
- Desânimo e choro significativos;
- Dificuldade de concentração ou de tomar decisões devido insegurança, medos e indecisões;
- Fadiga, cansaço ou baixa energia;
- Insônia ou hipersonia (sono aumentado);
- Inibição geral das funções, lentidão na fala e nos movimentos;
- Pensamentos de morte ou de suicídio;
- Irritabilidade, explosões de raiva, ansiedade ou inquietação;
- Diminuição da libido;
- Isolamento social.
Sintomas presentes nos episódios de mania
- Autoestima excessivamente elevada – alegria e bem-estar inabaláveis;
- Irritabilidade e/ou agressividade;
- O senso de perigo fica comprometido, e envolve-se em atividade que apresentam tanto risco para integridade física como patrimonial: gastos e compras desenfreados, comportamentos sexuais de risco, investimentos financeiros insensatos;
- A pessoa pode se envolver em vários projetos novos ao mesmo tempo;
- Muita energia – ,não consegue ficar parado (a), ou relaxar;
- A pessoa pensa e fala rápido, e mais do que o habitual;
- A necessidade de sono nessa fase é menor;
- Sentimento de grandeza – a pessoa imagina que é especial ou possui habilidades especiais, é capaz de considerar-se um escolhido por Deus, uma celebridade, um líder político.
Veja esses e outros sintomas clicando aqui!
Dentre todos os transtornos o TAB é o que apresenta a maior taxa para risco de suicídio.
De acordo com a ABTB (Associação Brasileira de Transtorno Bipolar), entre 30% e 50% dos brasileiros portadores do TAB tentam suicídio, e dos que tentam se matar, 20% conseguem o objetivo.
Qual o nosso papel nisso?
Ás vezes mesmo que queiramos falar algo , dar um suporte, ficamos sem saber como expressar nossa ajuda. Mas é tudo uma questão de se permitir ser gentil e de adotar modelos de comunicação não violenta para conseguirmos dar o suporte que precisamos.
Se você precisar ajudar alguém, experimente dizer:
E que tal evitar dizer:
- Isso é coisa da sua cabeça!
- Você pode controlar isso!
- Isso é falta de personalidade
- Isso é falta de Deus.
- Pare de se preocupar, vai passar
- Eu não posso ajudar.
- Pare de agir feito doido!

Existe vida após o TAB?
Sim! Pessoas com o diagnóstico de TAB e sob o devido acompanhamento, conseguem gerenciar suas vidas de maneira estável! A qualidade de vida é um ganho real mediado pelo tratamento adequado e pelo suporte social.
Se você estiver se sentindo prejudicada (o) por oscilações de humor, não tenha medo de buscar ajuda! Todos nós precisamos ser ajudados em algum ponto.
Ajuda nos fortalece!
Iniciativa Elas SobreOTatame
Este texto faz parte do Elas SobreOTatame: uma iniciativa do SobreOTatame que aborda temas do universo feminino ao longo do ano, em textos, podcasts, encontros presenciais e convidados especiais. Tudo isso sob o comando da mulherada do site.
No segundo bloco, ocorrido entre abril e junho, a temática foi sobre Maternidade:
- Nós e nossas mães: uma reflexão sobre a relação entre mãe e filhas
- Violência obstétrica: a maternidade não deve começar assim!
- Puerpério: seis relatos de experiências sobre a desromantização do pós-parto
- 2º Encontro Elas SobreOTatame: Maternidades
- Com apoio da SEMU, Encontro Elas SobreOTatame debate sobre “Maternidades” em nova edição
- Às mães solo, com amor e empatia
Cada bloco dura três meses, com uma temática escolhida. O primeiro foi sobre Prazer Feminino e Autoconhecimento. Durante os meses de janeiro a março, vários materiais sobre esta temática foram publicados:
Podcast SoT EP01 – Do Luxo ao Lixo: experiências em apps de paquera
Tornando-me mulher com outras mulheres
Elas SobreOTatame entrevista Seane Melo