Um gay dálmata para chamar de seu

(Foto: Divulgação)

Vocês já ouviram falar no gay dálmata? Pois é, nem eu, até conversar com um amigo paulistano que me apresentou essa gíria e vou tentar explicar isso aqui nesse texto.

Mas antes deixarei avisado que o que será dito aqui pode ser engraçado e um pouco debochado, entretanto, nos leva a refletir sobre nossa construção de orientação sexual e sua perspectiva política para a sociedade.

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Segundo esse meu amigo, o gay dálmata é aquele “amigo” fiel das madames socialites, ricas, brancas e geralmente loiras que circulam nas rodas da chamada alta sociedade.

Esse “amigo” funciona como um cachorrinho, que serve para divertir as pessoas nas rodas de conversa, além de ser prestativo nos “favores” como escolher a roupa que a madame vai vestir, maquiar, pegar um champanhe, entre outras coisas. O gay dálmata então é aquele “amigo gay” de enfeite, mas que possui raça (pedigree), o casaco da Cruéla Devil do desenho 101 dálmatas, lembra?

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Partindo desse entendimento, vamos verificar por que esse gay dálmata, por exemplo, não está presente entre as pocs militudas, por que eles não se inserem nas discussões de políticas públicas para a “causa” LGBT? Será que eles não gostam de se misturar? Ou seriam mais umas vítimas de um sistema que segrega mas “acolhe” com suas máscaras de bom menino?

É bem verdade que quando falamos em movimento social aqui em São Luís, falamos das mesmas pessoas, os rostos e nomes já são bem conhecidos, e entre essas pessoas, não há o que estamos apresentando como gays dálmatas. O que me faz pensar que há um recorte profundo de classe social na militância.

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Quanto maior meu status, menos me importo com a luta ou a “causa”. O entendimento sobre homofobia é quase zero para aqueles homossexuais que estão na alta sociedade, pois por uma questão lógica, são aqueles que menos sofrem os impactos dela. Será?

Creio que ninguém discordará comigo se eu disser que a bicha preta afeminada da periferia sente todos os dias o que é ser homossexual, né? Então, se entendermos que tanto a poc como o dálmata são homossexuais e que eles vivem num país que mais mata LGBT no mundo, não teria os dois que sofrerem a mesma dor?

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Acontece que o que vale em nosso país não bem só o recorte da orientação sexual ou o recorte de gênero, é preciso levar em consideração a raça e a classe social. Essas três peças me parecem muito fundamentais para que a opressão aconteça.

Portanto, o que faz o gay dálmata não se entender como oprimido é que ele consegue transitar na sociedade com facilidade. Ele, geralmente de pele clara, consegue passar pela polícia sem ser barrado como um “marginal”, ele consegue estudar nas melhores escolas particulares, fazer faculdade, intercâmbio, sabe inglês e outros idiomas, viaja, quase não tem contato com a violência em seu bairro nobre ou condomínio de luxo que são extremamente equipados com sistema de segurança. Ele é criado para não precisar lutar por direitos específicos porque ele tem tudo em suas mãos.

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Mas a bicha poc preta da periferia em sua casa humilde, que pega o busão todo dia pra trabalhar e tentar fazer uma faculdade, que passou a vida toda estudando na escola pública, mal sabe falar talvez o português, onde a única viagem que já fez foi passar duas horas pra chegar no centro da cidade presa num engarrafamento de lascar; essa precisa lutar todos os dias não só por direitos, mas para pra sobreviver!

Elas já carregam a resistência todos dias, nem precisam ser militantes da linha de frente, porque elas já fazem um papel formidável nos seus espaços e comunidades que é o de existir enquanto pessoas LGBT.

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Então, minhas caras leitoras e leitores, percebo que o gay dálmata tem um papel fundamental nessa construção política do ser homossexual, ele tem, por obrigação, usar de seu conhecimento e de seu privilégio para somar nessa luta por direitos e visibilidade, que é uma luta coletiva.

Entender que o fato de fazer parte de uma classe social do topo da pirâmide não isenta as pessoas opressoras a não verem esse gay dálmata como uma bicha, um viado. Elas vão fingir respeitar, desde que você esteja adequado aos seus padrões de classe. Sempre haverá condições para estar ali presente na roda de conversa.

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Portanto, não seja um casaco lindo e luxoso de pele da madame, saia desse closet e venha descobrir o lindo lado de ser poc resistente. Venha pra luta!


Nota editorial: o SobreOTatame.com é um site que produz conteúdos de cidadania, comportamento e cultura. Por meio dos conteúdos que publicamos, acreditamos na informação como força de educação e discernimento, desta maneira, abrimos espaço para profissionais que possam tratar de temas mais especificamente.

Alderico Segundo Santos Almeida é sociólogo, professor, mestrando em Educação, especialista em Gênero e Diversidade na Escola, poeta e escritor. Para conhecer mais do trabalho dele, pela @ do Instagram: @_aldericosegundo

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