Uma Puta Festa – fotos mostram os bastidores do desfile da Daspu [+18]

Sábado à noite. Quadra da Escola Flor do Samba. Bairro do Desterro. São Luís, Maranhão. Encerramento do 6º Encontro Nacional de Prostitutas. Esse é o cenário de uma passarela de moda cheia de poder e empoderamento. Auto-estima. Brilho. Performance. E puta!

Trinta anos após o I Encontro Nacional das Prostitutas, organizado pela Gabriela Leite em 1987, com o slogan “Fala, mulher da vida”, é promovido em São Luís o 6º Encontro Nacional das Prostitutas, em que estiveram presentes putas, feministas e ativistas de todo o país, durante os dias 21, 22 e 23 de setembro.

Foi realizado pelas CUTs de trabalhadoras sexuais, Rede Brasileira de Prostitutas e pela APROSMA [Associação das Profissionais do Sexo do Maranhão], presidida pela Maria de Jesus, liderança local que organizou o evento juntamente com Lourdes Barreto, outra puta e ativista histórica, que também esteve presente em 87.

Lourdes Barreto, 75 anos, uma das mais importantes ativistas do movimento. (Foto: Ingrid Barros)

Assim, em celebração aos 30 anos do Movimento Nacional de Prostitutas, a marca Daspu ocupou o bairro tradicional da cidade, resgatando a atmosfera dos cabarés antigos e trazendo roupas da marca desde a sua primeira coleção. Na passarela, as mulheres, cis e trans, esbanjaram auto-estima, confiança e super produção, tomando a praça do Desterro com suas sensualidades e performances, quebrando paradigmas da nudez, do padrão e da moral hipócrita,  levando o público a aplausos, risos e gritos.

Nos bastidores, maquiagem, penteados, laquê e purpurina. Uma verdadeira equipe de produção, cabelo e make para dar conta de todas e cumprir com o horário da programação. Acompanhei o processo de transformação dessas mulheres, foi encantador observador a satisfação delas ao se olharem no espelho. Umas, já chegaram produzidas fazendo apenas uns últimos retoques. Elas, as estrelas da festa com seus sorrisos estampados. Poderosas. Ao observar muitas já senhoras, me fez quebrar um próprio pré-conceito de esteriótipo e que por vezes não noto que tenho, de que “puta tem cara de puta” e não cara de “mulher comum”. Mas sim, as putas tem a cara da nossa mãe, da sua vó, da sua tia, vizinha, irmã. Com a idade, elas carregam histórias e vivências. Mesmo as mais jovens, com seus “óculos de universitárias”.

Foto: Ingrid Barros

Percebo a relação com o corpo de cada uma. Os tipos são variados. Todos sensuais. Todos belos. Dentro ou fora de padrões. A forma como elas exercitam sua sensualidade, como não se acanham em usar um short mais curto, uma roupa mais apertada, uma transparência aqui e ali, uma meia rastão. Todas a vontade, com brincadeiras internas, risos, exaltação da profissão, uma cerva aqui, uma cachaça de jambu acolá. Talvez seja esse o principal ponto da Daspu, dar essa liberdade a cada uma dessas mulheres serem o que são. E serem admiradas, valorizadas e aplaudidas por isso.

Foto: Ingrid Barros

Sobre a Daspu

Criada em 2005 pela Gabriela Leite, filha, mãe, avó, puta e principal ativista dos direitos das prostitutas no Brasil, ao pensar numa moda própria, a marca tornou-se um movimento cultural de ocupação de espaços como forma de elevar a autoestima dessas mulheres, de combater o estigma e a discriminação, dando visibilidade à luta pelos direitos das profissionais do sexo e de sua organização enquanto movimento político. Possui coleções desenvolvidas em parceria com artistas e profissionais da moda, atraindo atenção às passarelas de ruas, cabarés, teatros, bienais de arte e universidades.

A Daspu também financia os projetos da ONG Davida, fundada em 1992, que intervém na sociedade por meio de ações culturais, de comunicação, estudos e pesquisas, voltadas para questões ligadas à cidadania das prostitutas e para iniciativas visando a organização da categoria.

O nome foi pensando para ironizar a Daslu, famosa multimarca de luxo paulistana que, à época, sua proprietária enfrentava problemas na justiça por acusações de contrabando e fraude. Embora a Daslu tenha movido processo contra a grife das putas, este só serviu para dar mais força e visibilidade a Daspu, tanto que acabaram por retirar o processo.

Gabriela Leite faleceu em 2013, mas deixou no país um legado na luta pelo direito das putas de exercerem seus papéis de cidadãs. Seu nome também é levado no Projeto de Lei n. 4211/2012, ainda em discussões de melhora, que pretende legalizar e regulamentar os bordéis [que já funcionam na ilegalidade por meio de propina], para que assim possa haver fiscalização do Estado e reduzir os casos de violência e exploração sexual, bem como conceder direitos trabalhistas e melhores condições de trabalho.

Vale lembrar que a prostituição consta como um ofício legal na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) do Ministério do Trabalho.

Foto: Ingrid Barros

São 30 anos [e mais] de luta, em que as mulheres, cisgênero e transgênero, bem como os garotos de programa, são chamadas a saírem da invisibilidade para ocuparem suas posições e se apropriarem de seu lugar como sujeitos de direitos e políticos, a fim de realizar a desconstrução de representações socialmente aceitas sobre a prostituição, dando-lhe novos sentidos e buscando o seu reconhecimento como profissão.

Por opção ou por circunstância, a profissão mais antiga do mundo carrega um estigma social e seus conceitos de vitimização marginaliza essas mulheres deixando-as à mercê da exploração sexual, bem como da violência e de condições precárias de trabalho.

O debate é longo e controverso entre as próprias feministas. Mas as putas possuem domínio daquilo que é tabu para muitos: o sexo. A objetificação vem do machismo. A violência vem do machismo. A exploração vem do machismo. Machismo que nega o domínio desse corpo pela própria mulher. O puta feminismo é uma causa de todas as mulheres, pelos nossos direitos sexuais, reprodutivos, de cidadania e política. Sua negação, a meu ver, contribui para a violência, precariedade e o estigma que enxerga elas como mulheres que possuem menos dignidade.

Veja aqui o brilho e poder dos bastidores da noite de sábado:
Foto: Ingrid Barros
Fotos: Ingrid Barros
Foto: Ingrid Barros
Purpurinadas. Foto: Ingrid Barros
Foto: Ingrid Barros
Betânia Santos, Mulheres Guerreiras/Campinas. Primeiramente… Foto: Ingrid Barros
Foto: Ingrid Barros
Vitória. Foto: Ingrid Barros
Foto: Ingrid Barros
Monique Prada. CUTs e escritora. Foto: Ingrid Barros
Foto: Ingrid Barros
Foto: Ingrid Barros
Foto: Ingrid Barros
Foto: Ingrid Barros
Foto: Ingrid Barros
Foto: Ingrid Barros
Foto: Ingrid Barros
Luelen Gemelli. Da ABM/Porto Alegre. Foto: Ingrid Barros
Foto: Ingrid Barros
Foto: Ingrid Barros
Foto: Ingrid Barros
Pra finalizar. Foto: Ingrid Barros

Nota do Editor: No inicio do ano, conversamos com a Maria de Jesus, principal liderança do movimento local, organizadora do evento em São Luis e fundadora da APROSMA, que falou sobre o assunto no nosso documentário “Fala! Diálogos Femininos”, assista clicando AQUI!

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Ingrid é maranhense, documentarista e comunicadora multimídia em temáticas que envolvem povos e comunidades tradicionais do Maranhão, Direitos Humanos e Cultura Popular.

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