Há mais ou menos uma semana, um grande amigo esteve em Recife e suas expectativas acerca da capital pernambucana foram atingidas. Em meio ao êxtase de estar em um local desconhecido, que ao mesmo tempo nos traz uma nostalgia gostosa, ele me disse que o Recife “é incrível, sério. Aquela cidade respira cultura. É uma mistura de vários prédios, museus e praia. Facilmente moraria lá.”.
Bom, talvez essa seja a melhor definição sobre a cidade. Recife é história. Recife é beleza. Recife é cultura. E foi com o auxílio desse ambiente que surgiram maravilhosas ideias que farão você querer ir ao aeroporto comprar a primeira passagem só de ida para a cidade nordestina. Nunca pensei que pudesse ser surpreendida por um local não tão distante, mas que conheço pouquíssimo. Porém o destino agiu na sua melhor maneira e conseguiu me provar o contrário em um espaço curtíssimo de tempo.
Com vocês e para vocês, vos apresento uma das minhas mais novas (e lindas) descobertas: o MOV III Festival Internacional de Cinema Universitário de Pernambuco.
O MOV Festival está em sua terceira edição em 2017, e ocorrerá entre os dias 31 de janeiro e 05 de fevereiro, no Cinema São Luiz, histórico cinema do centro do Recife com mais de 60 anos de resistência, e no Parque Dona Lindu. O festival visa dar enfoque ao cinema universitário, realizando exibições de filmes, competitivas nacionais e internacionais, mesas de debate e oficinas, contando com o incentivo da Fundarpe e do Governo de Pernambuco.
Buscando reconhecer e possibilitar o diálogo entre a produção universitária de diferentes países, o festival promove junto ao público pernambucano o aspecto formador da atividade cinematográfica, seja para quem a realiza ou para quem a assiste.
Txai Ferraz, um tanto simpático e gentil, faz parte do grupo de co-fundadores e integrantes da direção artística do evento, juntamente com a Amanda Beça, Thaís Vidal e o Vinicius Gouveia.
Nós, do Sobre O Tatame, batemos um papo com o Txai a respeito do festival. Então, se você é de Recife ou está de passagem pela lindíssima capital, por favor, tire um tempinho e vá ao Cinema São Luiz prestigiar o MOV Festival. Juro que não irá se arrepender, visse?
SOT: Como surgiu a ideia de realizar esse evento?
Txai Ferraz: O primeiro MOV aconteceu em 2014. Naquele ano, eu e meus colegas Amanda Beça, Vinicius Gouveia e Thaís Vidal estávamos nos encaminhando para a etapa final de nossas graduações no Departamento de Comunicação da UFPE. Parte de nós tinha acabado de voltar de um ano de estudos na Europa com uma bolsa do Ciência Sem Fronteiras e estávamos ainda envolvidos na organização da SUA, o Congresso Nacional de Estudantes de Audiovisual, que naquele ano recebeu cerca de 500 alunos de todo o país na UFPE. Em meio a tudo isso, foi ficando latente na gente a sensação de que ocupávamos uma posição estratégica em uma rede que nos conectava com estudantes do Brasil inteiro, e por que não, do exterior também.
Falando assim pode até parecer algo extraordinário, mas não é, é algo que estava dado para a nossa geração como um todo. As experiências que tivemos apenas nos fizeram visualizar com mais clareza essas possibilidades, entende? Então foi meio nessa euforia que surgiu o MOV, que desde a sua primeira edição tem contado com incentivo do Governo de Pernambuco através do Funcultura Audiovisual. Desde o momento de gestação do festival foi uma prerrogativa que o projeto tivesse abrangência internacional e que acontecesse fora do âmbito da universidade, justamente para dar visibilidade à produção dos estudantes fora da sala de aula.
É óbvio que hoje em dia, com toda a revolução trazida pelo digital, os festivais universitários, felizmente, não os únicos responsáveis para levar ao grande público esta produção tida erroneamente como “amadora”. Grande parte dos filmes exibidos no MOV passam também em festivais dos mais variados recortes, inclusive nos mais legitimados aos olhos de certa cena do cinema brasileiro independente. A questão então passa a ser não apenas dar conta de um gargalo, mas pensar no que ganhamos quando assistimos a estes filmes em conjunto. Que diálogos eles produzem? O que eles dizem sobre nossa juventude? Sem dúvida, organizar o MOV tem sido um trabalho muito enriquecedor pra gente refletir sobre essas questões e que tem contribuído bastante para ampliar nossa visão sobre o cinema produzido por estudantes.
SOT: Quais são as expectativas da organização para a próxima semana?
Txai Ferraz: Muitas! Esta terceira edição, de certa forma, tem gostinho de primeira, já que vem com muitas novidades em relação às outras. De cara, o festival acontecerá pela primeira vez em fevereiro, e não mais em dezembro como tinha ocorrido nos anos anteriores. Na competitiva nacional, estamos trazendo também pela primeira vez os diretores, então esperamos debates aquecidos após as projeções. Ampliamos ainda o festival de 4 para 6 dias, passando a incluir longas na programação e um dia especial de sessão Open Air no Dona Lindu, um parque público da zona sul do Recife.
Os longas que vamos exibir não são universitários em um sentido tradicional do termo, mas estão em franco diálogo com a cena estudantil. Ressurgentes (2014), de Dácia Ibiapina, será o nosso longa de abertura e se conecta bastante com o cenário das ocupações estudantis que o país viveu recentemente. Cabra Marcado Para Morrer (1984), de Eduardo Coutinho, é a vedete da nossa programação, e será exibido em cópia restaurada no encerramento de nossas atividades no Cinema São Luiz. O filme é um clássico do cinema brasileiro e foi produzido em sua primeira etapa pela UNE, em um momento de forte articulação da militância estudantil. Por fim, na sessão Open Air no Dona Lindu, preparamos uma programação especial para crianças, contemplando curtas de animação de classificação livre e filmes realizados em oficinas infantis.
SOT: Cinema brasileiro: qual seu papel? Há grande destaque? Ou este acaba se tornando invisível por conta da cultura hollywoodiana?
Txai Ferraz: Acho que essa é a pergunta de ouro do cinema brasileiro. E dela podem derivar muitas problemáticas mais específicas, mas tentarei responder a esta pergunta do ponto de vista do MOV, um festival focado em curtas de cineastas que, em sua maioria, ainda estão começando a fazer filmes e que, por consequência, não contam com muitos recursos. Ou seja, estamos na margem da margem da margem, e talvez nosso campo de atuação seja muito mais o da difusão do que o da distribuição em si, em um sentido mais mercadológico do termo.
Digo isso porque você pergunta de Hollywood, e enquanto eles estão tentando colocar seus longas nos multiplexes, nós estamos lutando para exibir filmes que possuem o formato de curta-metragem, algo que por via de regra já os excluem do circuito comercial. Então somos aparentemente “invisíveis” aos olhos deste mesmo grande mercado, como você coloca. Na nossa última edição, encerramos o festival com a marca de 1400 espectadores, um número que se você para pensar, é bem positivo, tendo em vista que muitos longas independentes não conseguem atingir a mesma marca mesmo estreando em várias cidades, e que o festival naquela época só durava 4 dias. Lotar sessões é legal, trabalhamos para isso, desejamos que isso aconteça. Quem não quer ter uma foto lotada do seu evento? É um retorno incrível, enche os olhos, mas penso que o número de espectadores não deve ser o único critério nessa disputa de Davi contra Golias, entende? Porque dizer que o MOV teve 1400 espectadores não conta tudo, é um dado que no fim das contas não diz tanto quanto parece dizer. O espectador que vai ao MOV e a outros festivais que acontecem no Recife não sai o mesmo que era quando entrou. Ou seja, estas iniciativas acrescentam algo na vida das pessoas, contribuem para aumentar as suas percepções de mundo, enfim, existem ganhos qualitativos que não são contabilizados pela frieza dos números.
Então é preciso pensar em novos critérios de avaliação, e mais do que isso, se documentar o tempo inteiro, se autoavaliar, pensar que objetivos existem no horizonte e que fatores podem ser usados para medir o nosso êxito. Esse é um passo difícil, mas é preciso pensar em alternativas para mostrar a nossa força, para mostrar que o nosso trabalho de formiguinha causa um impacto que o filme grandão não causa, e só assim poder mudar a narrativa que sempre vai nos colocar em desvantagem. Óbvio que o tema é mais complexo do que isso, e o número de espectadores indica também a receita da bilheteria, um aspecto importante para sustentar as pessoas que trabalham, sobretudo, no circuito exibidor. Mas de uma forma geral, o que temos percebido com o MOV e que possivelmente pode contribuir para este debate do cinema brasileiro, é que se a gente não coloca os nossos pontos fortes em campo, o jogo nunca vai virar a nosso favor.
SOT: Quais são os planos do MOV? Continuarão em Pernambuco ou há chances de fazer um festival regional/nacional?
Txai Ferraz: Adoraríamos fazer um o MOV itinerante por aí. Temos buscado investidores para isso, quem sabe conseguimos realizar essa ideia um dia. O que a gente tem feito, de forma ainda meio experimental, é tentar programar sessões do MOV com parceiros de outros lugares, sejam eles festivais, cineclubes, universidades, etc. Nesse esquema, já conseguimos levar o MOV para Belém do Pará e para Belo Horizonte. A nossa vontade é essa, exibir cinema universitário o ano inteiro, e não apenas dentro das datas do festival. Aliás, se alguém tiver interesse em exibir os nossos filmes, é só nos procurar. A maioria dos curtas do nosso catálogo toparam fazer parte deste projeto itinerante, que apelidamos de “MOV Circula“. A única contrapartida exigida é que as sessões ocorram unicamente dentro da esfera do projeto, e que os exibidores se comprometam a não projetar indiscriminadamente os filmes depois.
SOT: Cinco filmes que o MOV indica para os leitores do Sobre O Tatame.
Txai Ferraz: Como não poderia deixar de ser, vamos indicar cinco curtas universitários que já exibimos em nosso festival e que gostaríamos que fossem mais conhecidos.
KBELA (2015), de Yasmin Thayná (RJ)
Vencedor do Prêmio de Melhor Filme no último MOV, KBELA é um belo cruzamento entre o cinema e a militância da mulher negra, além de um poderoso filme-processo de busca da ancestralidade afro-brasileira. O curta tem sido exibido em carreira ascendente em festivais pelo mundo afora, e nas próximas semanas será exibido em mostra especial de Rotterdam.
No interior da minha mãe (2013), de Lucas Sá (MA)
Lucas Sá é um cineasta maranhense que estuda em Pelotas (RS) e tem se destacado pela consistência de suas obras. Em No Interior da minha Mãe, ele faz um filme observacional sobre uma viagem de retorno à cidade de sua mãe, a pacata São João dos Patos (MA). Extremamente simples do ponto de vista da produção, o filme surpreende pela maneira como complexifica questões fundamentais para os cinemas autobiográfico e ensaístico.
O Completo Estranho (2014), de Leonardo Mouramateus (CE)
O curta parte de uma premissa tão criativa quanto insólita: quando falta luz em uma festa de despedida, dois estranhos se conhecem e começam a conversar. A partir daí despontam temas bastante frequentes na filmografia de Mouramateus: a juventude, a vontade de partir para outro lugar, uma certa solidão trazida pela noite. A direção precisa e o jogo de atores se soma ao roteiro cuidadoso em um dos curtas de ficção mais instigantes que já projetamos.
If Mama Ain’t Happy, Nobody’s Happy (2014), de Mea de Jong (Holanda)
Mea estava decidida a fazer um documentário sobre a força das mulheres em sua família, mas quando colocou a sua mãe na frente das câmeras, descobriu que estava muito mais implicada na narrativa do que havia julgado a princípio, passando inclusive da posição de entrevistadora para entrevistada. Um belo filme sobre a relação mãe e filha, e sobre como o documentário também pode constituir objeto de disputa na relação entre direção e personagens.
Everything wil be okay (2015), de Patrick Vollrath (Alemanha)
Exibido na Semana da Crítica de Cannes e indicado ao Oscar de Melhor Curta-metragem, Everything will be okay traz atuações primorosas em uma narrativa sobre um pai que, insatisfeito por não ter a guarda da filha, resolve fugir com a criança. A interpretação da pequena Julia Pointner é simplesmente extraordinária e faz o espectador perder o fôlego até o último segundo de tensão.
Este ano, como já dito pelo Txai, o Festival se inicia com uma sessão de abertura com o filme “Ressurgentes” (2014), além do mais, a competitiva é divida em blocos temáticos, sendo eles os nacionais: Miga, Bateu, Que Porra É Essa de Sexo Frágil, Apesar de Tudo Estamos Juntos, Vamo Brincá, Vamo?, e os internacionais: HardCore!!!, eXXXperimentoX, VHS, Analógicos e o Escambau. Todos os filmes são legendados para surdos e ensurdecidos, e a entrada é R$ 3 para todos. Também ocorrerá uma sessão especial com curtas do cinema jovem de Portugal, uma parceira do MOV com o DocLisboa.
Entre as oficinas estão a Introdução ao Roteiro Cinematográfico, a de Fotografia Digital e Câmera DSLR, bem como roda de diálogos com o tema “O cinema universitário – Do processo ao produto.”
E então, gostou? Ficou com vontade de conhecer um pouco mais sobre o MOV Festival? Então fica de olho nas páginas do evento! Você pode encontrá-lo no Instagram, Facebook ou no próprio site do evento.
Por fim, caso você esteja na grande Recife, não se esqueça de comparecer no cinema São Luiz durante os dias 31 de janeiro e 05 de fevereiro. Queremos muitos registros dos nossos leitores pernambucanos, a equipe do SoT tem certeza de que o festival vai dar o que falar. E bem, a nossa missão é rolar um intercâmbio entre as mentes pensantes no nosso norte e nordeste. <3